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Como o Equador se tornou parte da 'trama russa' que ameaça o governo Trump

Lenín Moreno teve vários encontros com o gerente da campanha de Trump em Quito - Getty Images
Lenín Moreno teve vários encontros com o gerente da campanha de Trump em Quito Imagem: Getty Images

25/12/2018 12h59

Desde o final do mês passado, veio à tona que fatos ligados ao Equador são parte das investigações conduzidas pelo promotor Robert Mueller sobre a interferência da Rússia nas eleições americanas de 2016.

A "trama russa" tem uma nova página na América Latina. A investigação sobre a suposta intervenção do Kremlin nas eleições de 2016 nos Estados Unidos já não aponta apenas para hackers ou conexões da equipe de Donald Trump com os aliados de Vladimir Putin.

Desde o fim do mês passado, o Equador passou a ser implicado nas investigações. O país concedeu asilo em agosto de 2012, em sua embaixada em Londres, ao líder do WikiLeaks, Julian Assange, procurado pela Justiça britânica e apontado por seus críticos como alguém próximo do presidente russo.

De acordo com fontes da mídia americana próximas da investigação, conduzida pelo promotor Robert Mueller, Paul Manafort, que era gerente de campanha de Trump, viajou a Quito em maio de 2017 e se encontrou com Lenín Moreno (então recém-eleito presidente) em circunstâncias pouco claras.

Uma reportagem publicada pelo jornal americano The New York Times indica que Manafort, uma das principais partes envolvidas na investigação da "trama russa", viajou para o Equador em busca de oportunidades de negócios com uma empresa chinesa, mas as negociações não pararam por aí.

Segundo a publicação, uma das questões tratadas foi o conflito diplomático entre Washington e Quito sobre o destino do fundador do WikiLeaks e as soluções possíveis.

A reportagem cita fontes de inteligência ao assegurar que Manafort sugeriu que poderia ajudar a negociar um acordo para o Equador entregar Assange aos Estados Unidos. Em troca, o governo de Moreno obteria concessões como o alívio da dívida com Washington.

O acordo nunca chegou a ser concretizado, mas o mapa de conexões entre Manafort, Assange, WikiLeaks e Equador não começou aí.

Antecedentes

Na semana passada, a emissora americana CNN afirmou que a equipe de Mueller estava investigando uma reunião de 2017 entre Manafort e Moreno e que o promotor especial estava "especificamente interessado" em descobrir se os problemas do WikiLeaks e de Assange eram parte das negociações.

Após o vazamento das reuniões de Moreno com Manafort no final de novembro, o governo equatoriano admitiu que estas ocorreram como parte das negociações com uma delegação chinesa interessada em adquirir ações da Companhia Elétrica do Equador, estatal responsável por gerar e abastecer de energia elétrica o país.

No entanto, nada foi dito sobre os supostos diálogos em torno do destino de Assange.

Um assessor de Manafort reconheceu na terça-feira que a questão do fundador do WikiLeaks fazia parte das negociações, mas por iniciativa do presidente equatoriano.

"Quando Manafort se encontrou com Moreno para discutir o Fundo de Desenvolvimento da China, o presidente mencionou a Manafort sua intenção de remover Julian Assange da embaixada equatoriana", disse o porta-voz Jason Maloni à CNN.

Em uma mudança de posição em relação a Assange, neste ano, a embaixada equatoriana em Londres informou que não vai mais pagar por sua comida, assistência médica, lavanderia e outros custos relacionados à sua permanência, o que levou Assange a anunciar que entraria com um processo na Justiça.

O Equador concedeu asilo ao fundador do WikiLeaks durante o governo de Rafael Correa, ex-aliado de Moreno e hoje um forte crítico e rival político do presidente equatoriano, que assumiu em maio de 2017.

Até agora, não há evidências de que Manafort tenha conversado com Moreno em nome de Trump ou que as conversas estivessem relacionadas a um suposto envolvimento do WikiLeaks para ajudar no triunfo do candidato republicano nas eleições presidenciais de 2016. Também não se sabe se a Rússia foi mencionada.

Como parte das investigações sobre a "trama russa", Manafort pode ser condenado a mais de uma década de prisão sob acusações como lavagem de dinheiro, fraude fiscal, falha em informar contas bancárias estrangeiras e adulteração de testemunhos.

Manafort fez um acordo em que se declarou culpado, mas foi acusado na semana passada de "mentir reiteradamente" aos investigadores, embora, até hoje, não haja evidências de que Trump tivesse conhecimento de suas atividades.

No entanto, de acordo com as mídias americana e britânica, há pouca dúvida de que os elos entre o ex-líder da campanha e Assange remontam a muito antes do encontro com Moreno.


O que Robert Mueller está investigando

O promotor está apurando desde o ano passado se houve um possível conluio entre a campanha de Trump e o governo russo para ajudá-lo a vencer as eleições de 2016. Existem quatro linhas potenciais de investigação, além da conexão com o WikiLeaks:

- A reunião na Trump Tower: em 09 de junho de 2016, uma equipe russa liderada pela advogada Natalya Veselnitskaya se encontrou com filho mais velho do presidente americano, Donald Trump Jr., Paul Manafort e Jared Kushne, marido de Ivanka, filha de Trump, na Trump Tower, em Nova York.

- A ligação com Moscou: Michael Cohen, ex-advogado de Trump que se declarou culpado perante a Justiça dos Estados Unidos, garante que os vínculos das empresas de Trump com a Rússia foram mantidos até o final da campanha de 2016. Ele afirma que ele próprio contatou um assistente do porta-voz de Putin, Dmitry Peskov.

- A demissão de James Comey: as acusações salientam que Trump ou pessoas próximas a ele na Casa Branca realizaram esforços para obstruir a investigação sobre a Rússia, dando como exemplo a demissão do ex-diretor do FBI James Comey, em abril de 2017. De acordo com Comey, seu trabalho ficou sob risco após Trump pedir lealdade e que desestimulasse uma investigação sobre ligações com o Kremlin de seu ex-assessor de segurança nacional Michael Flynn.

- O ciberataque russo: Mueller já apresentou detalhes sobre os esforços da Rússia para influenciar as eleições presidenciais de 2016. Os seus relatórios afirmam que hackers russos utilizaram as redes sociais para criar notícias falsas, promovendo atividades de campo como a coleta de informação de agentes russos e apoio financeiro para comícios e manifestantes.


Outros vínculos

No final de novembro, o jornal britânico The Guardian informou que Manafort se encontrou com o líder do WikiLeaks em três ocasiões na sede diplomática de Quito, em Londres: em 2013, 2015 e 2016.

Pouco se sabe sobre o que aconteceu ou o que foi discutido, mas a data mais recente pode ser a chave para futuras explicações, de acordo com o jornal.

Foi neste período, dois anos atrás, que Manafort se tornou um dos assessores mais próximos de Trump em sua corrida pela Casa Branca, alguns meses antes de o WikiLeaks publicar uma série de emails secretos do Conselho Nacional Democrata supostamente hackeados por oficiais de inteligência russos e que Hillary Clinton acredita terem contribuído para sua derrota.

Manafort e Assange e o próprio site WikiLeaks negaram os supostos encontros na embaixada e os consideraram uma "farsa". No entanto, esta não foi a primeira vez que surgem supostos vínculos da campanha de Trump com o site.

Várias reportagens indicam que, durante a campanha de 2016, contatos foram realizados entre Donald Trump Jr. e o portal de Assange.

No entanto, ainda não há provas concretas de que qualquer conselheiro de Trump, seu filho ou outra pessoa relacionada à campanha republicana soubesse, antes de sua publicação, sobre a existência de emails de democratas que teriam sido hackeados.

Mas, de acordo com o jornalista da BBC Anthony Zurcher, as reportagens sobre esses possíveis elos mostram que os supostos vínculos entre o WikiLeaks e a campanha Trump se tornaram um dos temas centrais das investigações sobre a "trama russa".

E como o Equador se encaixa neste jogo político sombrio é uma questão que ainda precisa ser resolvida.


Análise de Anthony Zurcher, jornalista da BBC nos Estados Unidos

Nas últimas semanas, tornou-se cada vez mais claro que a investigação que Robert Mueller está se movendo em direção a um vínculo entre o WikiLeaks e a campanha presidencial de Trump em 2016.

O promotor já chegou à conclusão de que hackers russos usaram o WikiLeaks para distribuir informações prejudiciais, portanto, qualquer conexão com pessoas relacionadas a Trump ajudaria a construir um caso de conluio.

Como o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, se refugia na embaixada do Equador em Londres nos últimos seis anos, essa conexão poderia passar por Paul Manafort e seu encontro com o presidente equatoriano, Lenín Moreno.

Se Manafort, que já foi chefe da campanha presidencial de Trump, tratou sobre Assange com Moreno, isso pode vir a ser uma prova concreta do vínculo.

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