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Reforma da Previdência: o plano da equipe de Bolsonaro para dar o 'pontapé inicial'

Laís Alegretti - De Brasília para a BBC News Brasil

31/12/2018 12h14

Em 2017, o rombo do INSS foi de R$ 182 bilhões; considerando o regime de previdência dos servidores da União, o déficit chegou a R$ 226,8 bilhões.

Diante da dificuldade de conquistar apoio para endurecer as regras de aposentadoria, a área econômica do novo governo planeja um conjunto de medidas para tentar preparar o terreno para a reforma da Previdência.

As mudanças estão em uma medida provisória que começou a ser elaborada por integrantes do ministério de Paulo Guedes (Economia) antes da posse de Jair Bolsonaro (PSL).

A estratégia defendida pela equipe consiste em explorar o discurso de que o novo governo decidiu agir para combater fraudes e corrigir erros na Previdência - e só depois disso vai mudar as regras de aposentadoria.

O objetivo é se vacinar contra as críticas recorrentes durante a discussão da reforma enviada pelo ex-presidente Michel Temer: os opositores diziam que o governo deveria, antes de endurecer regras de acesso aos benefícios, fazer um esforço maior contra fraudes e cobrar devedores.

O texto da medida provisória, ao qual a BBC News Brasil teve acesso, estabelece o ressarcimento de valores pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) indevidamente, como após a morte de beneficiários, e altera regras do auxílio-reclusão.

Um dos pontos que os interlocutores avaliam que teria mais apelo no discurso de Bolsonaro - mais que impacto fiscal - é a mudança na regra de carência no auxílio-reclusão, o benefício pago à família do segurado preso de baixa renda que tenha contribuído para o INSS. A ideia é passar a cobrar uma carência de 12 contribuições mensais para que a família tenha direito ao auxílio.

Por ser pago a familiares de pessoas que estão presas, o auxílio-reclusão frequentemente é alvo de polêmica. O próprio INSS costuma divulgar informativos para esclarecer o que chama de "informações inverídicas e boatos" sobre o benefício, que está previsto na Constituição.

Apesar das discussões sobre a natureza do auxílio, o valor gasto com ele não chega a 0,2% do total pago pelo INSS. Os dados mais recentes, de outubro, mostram que o auxílio-reclusão representou uma despesa de R$ 48,3 milhões, pagos a 47 mil beneficiários. O gasto total com benefícios previdenciários e assistenciais foi de R$ 43 bilhões no mês.

A versão atual da medida provisória, que ainda passa por ajustes, também prevê o pagamento de bônus a servidores para agilizar a análise de processos com indícios de irregularidades, o Bemob (Bônus Especial de Desempenho Institucional por Apuração de Benefícios com Indícios de Irregularidade do Monitoramento Operacional de Benefícios).

De acordo com a regra proposta, os funcionários devem priorizar a análise dos benefícios que começaram a ser pagos há mais tempo. Outros critérios serão: suspeita de morte do beneficiário, potencial acúmulo indevido de benefícios e pedidos em atraso, com possível pagamento de correção monetária.

Por um lado, esse bônus aumenta a despesa com funcionários do INSS. Por outro lado, o argumento utilizado será o de que a economia gerada vai compensar e reduzir gastos indesejados - como a correção monetária pelo atraso na análise dos pedidos - e indevidos - como o pagamento de benefícios a pessoas que não têm direito.

No novo governo, o INSS deixará de ser vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social para ficar ligado ao Ministério da Economia.

No ministério de Guedes também estará a Secretaria Especial de Previdência. Responsável pela formulação de políticas para a área, será chefiada por Rogério Marinho (PSDB-RN), deputado federal que foi relator da reforma trabalhista na Câmara e não conseguiu a reeleição.

Procurado pela reportagem para comentar as medidas, Marinho informou que só vai se manifestar após a posse de Bolsonaro.

O secretário adjunto da área será Leonardo Rolim, consultor de orçamento da Câmara dos Deputados. Ele já foi secretário de políticas de Previdência Social do então Ministério da Previdência e presidente do Conselho Nacional dos Dirigentes de Regimes Próprios de Previdência Social (Conaprev).

O texto da medida provisória ainda precisa do aval do novo presidente.

As medidas que Bolsonaro tratará como prioritárias, nas diferentes áreas do governo, ainda não estão determinadas. Os novos ministros apresentaram a ele prioridades de suas pastas, para que Bolsonaro possa selecionar os principais projetos. A expectativa é que a divulgação ocorra nos primeiros dias de exercício da nova equipe.

Reforma

Os termos da proposta de reforma da Previdência a ser defendida por Bolsonaro e o prazo para envio de um texto ao Congresso ainda não estão claros.

Embora haja o reconhecimento de que é essencial uma alteração nas regras de aposentadoria e pensão para ajustar as contas públicas, integrantes do governo têm dado sinais diferentes sobre o tema.

As divergências são inclusive em relação a pontos básicos, como a possibilidade de aproveitar o texto da reforma enviada por Temer. O ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, criticou a medida e chegou a chamar de "porcaria" a proposta do atual governo.

Em sentido contrário, contudo, tem tomado força entre integrantes da equipe de Bolsonaro a avaliação de que o caminho mais rápido e viável para a aprovação de uma reforma previdenciária seria exatamente aproveitar o texto enviado em 2016, e que já foi aprovado por comissão especial da Câmara.

Segundo um integrante do ministério de Guedes, uma opção viável seria apresentar uma emenda aglutinativa - ou seja, um texto alternativo - para deixar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de Temer com o "carimbo" de Bolsonaro.

Dessa forma, a tramitação não teria de recomeçar do zero e poderia partir da discussão no plenário da Câmara. Depois, ainda precisaria passar pelo crivo do Senado. Como se trata de uma mudança na Constituição, o texto precisa passar por dois turnos de votação em cada Casa e receber o apoio de pelo menos 3/5 dos parlamentares.

O relator da proposta encaminhada por Temer, deputado Arthur Maia (DEM-BA), disse que deu duas sugestões a Bolsonaro durante reunião com a bancada do DEM. Uma deles é de que o novo governo aproveite o texto que já está em andamento.

"Não pense o Bolsonaro ou a equipe dele que vão reinventar a roda. Se o projeto não tratar de cinco temas centrais, não é reforma da Previdência", disse.

Os cinco pontos principais, segundo Maia, são a idade mínima, uma regra de transição, a igualdade entre o setor público e o privado, as aposentadorias especiais (professores e policiais) e as regras da aposentadoria rural.

"Se o governo que está tomando posse quiser carregar a mão em algum ponto ou aliviar em outro, existem emendas para viabilizar essas mudanças", defendeu.

Arthur Maia disse ainda que sugeriu que Bolsonaro não tratasse o tema de forma fatiada - ou seja, em diferentes projetos -, como o novo presidente chegou a dizer que faria.

"Não imagine que o governo terá condição de fazer mais de uma mudança. Não faz sentido a ideia de fazer a reforma aos poucos. Se o governo pensa em fatiar a reforma, vai passar o mandato inteiro tratando do tema e absorvendo todos os desgastes que esse tema traz para qualquer governo."

O balanço das contas da Previdência Social em 2018 será conhecido em janeiro. Em 2017, o rombo do INSS foi de R$ 182 bilhões. Considerando o regime de previdência dos servidores da União, o déficit chegou a R$ 226,8 bilhões.

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