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A coleção de R$ 12 bilhões escondida dentro de um museu no Irã

Alastair Sooke - BBC Culture

02/01/2019 16h18

Um novo livro revela uma coleção comprada pela esposa do Xá do Irã na década de 1970. A BBC Future conversou com Farah Pahlavi, outrora conhecida como "Jackie Kennedy, do Oriente Médio", sobre as obras de Bacon, Warhol e Picasso guardadas nos cofres de um museu de Teerã.

"A primeira vez que estive com Andy Warhol (pintor americano e principal figura do chamado movimento pop art) foi em Washington, na Casa Branca", diz Farah Pahlavi, a viúva exilada do último xá do Irã, que foi derrubado durante a Revolução Islâmica de 1979.

Ostentando um broche na lapela com o formato de seu país natal e adornado com o brasão de armas de sua família, Farah, de 80 anos, rainha consorte do xá Mohammad Reza Pahlavi, relembra a visita que fez com o marido aos Estados Unidos em 1975, quando participou de um jantar na Casa Branca, oferecido pelo então presidente americano Gerald Ford (1974-1977).

À frente dela, que está sentada em uma elegante livraria em Picaddilly, em Londres, uma cópia do recém-lançado Iran Modern: The Empress of Art (Irã Moderno: A Imperatriz da Arte), um livro que conta a extraordinária história da coleção de centenas de obras de arte ocidentais modernas que o governo do Irã adquiriu durante 70 anos, sob sua supervisão.

Ela toca a capa, que retrata um dos quadros que Warhol fez dela, com sombra azul e batom rosa, contra um fundo amarelo vívido. O retrato data de 1976 - um ano depois daquele primeiro encontro na Casa Branca, quando, de acordo com Farah, "Warhol estava correndo de um cômodo para outro, porque, aparentemente, temia que eu pedisse que dançasse". Ela ri. "Ele era muito tímido."

A suposta timidez de Warhol, no entanto, não o impediu de usar Farah como modelo para uma de suas obras.

A fama da imperatriz iraniana atravessa fronteiras a ponto de ser chamada de "Jackie Kennedy do Oriente Médio". No verão de 1976, Warhol, acompanhado de seu empresário da época, Fred Hughes, chegou ao que era então a casa de Farah, o Palácio Niavaran, em Teerã, para tirar uma fotografia dela.

O retrato foi usado como fonte para uma série de obras. "O norte de Teerã me lembra Beverly Hills", disse Warhol, segundo um membro de sua comitiva, Bob Colacello. O artista estava hospedado no hotel Intercontinental, onde, aparentemente, adorava pedir caviar em seu quarto.

Dois anos depois, Warhol foi convidado a fazer outro retrato, do marido da imperatriz, embora dessa vez tenha sido obrigado a usar uma fotografia oficial como fonte. Apenas um ano depois, contudo, a dinastia Pahlavi foi derrubada e o xá fugiu para o Egito - onde morreu, em 1980 - com sua esposa e família.

A ex-imperatriz - que hoje tem 80 anos vive entre Maryland, nos Estados Unidos, e um elegante apartamento com vista para o Sena, em Paris - deixou para trás os retratos de Warhol, juntamente com o restante das cerca de 300 obras de arte moderna ocidental e iraniana que havia acumulado durante os anos 70, financiada, com a bênção de seu marido, pela riqueza do petróleo.

Coleção escondida

Hoje, essa coleção pouco vista - que sobrevive quase intacta nas abóbadas do Museu de Arte Contemporânea de Teerã (TMoCA), que Pahlavi inaugurou em seu aniversário em 1977, com a presença de Nelson Rockefeller - contém obras de artistas como Francis Bacon, Alberto Giacometti, René Magritte, Pablo Picasso, Jackson Pollock, Pierre-Auguste Renoir e Mark Rothko. Segundo estimativas de especialistas, valeria cerca de US$ 3 bilhões (R$ 12 bilhões).

Questionada sobre se não ficou "tentada" em levá-la consigo quando fugiu do país, Farah diz que as obras pertencem ao Irã.

"O que eu comprei foi para o Irã. Não faria sentido tirá-las do país", responde.

Sua única lembrança, acrescenta, é uma escova de cabelo que pertenceu a Warhol, que comprou em leilão depois de deixar o Irã.

Segundo Pahlavi, a história da coleção iraniana de arte ocidental moderna - a maior e certamente mais valiosa fora da Europa e da América do Norte - coincide com sua própria paixão pela arte e pela cultura.

Nascida Farah Diba em 1938, em uma família de classe alta em Teerã, ela se casou com o xá - que conheceu em uma recepção na embaixada iraniana em Paris - em 1959, usando um vestido de Yves Saint Laurent. Tinha apenas 21 anos e se tornou sua terceira esposa.

Farah diz que sempre esteve consciente de que vinha de "um país de civilização e cultura antigas" - afinal, Ciro, o Grande, fundara a primeira dinastia do Império Persa em 550 aC - e, em 1967, ela estabeleceu o Festival Anual de Artes de Shiraz, na região central do Irã.

Como consorte do xá, ela frequentemente comprava quadros para apoiar jovens artistas iranianos - porque, diz, "naqueles dias, pessoas ricas compravam objetos iranianos antigos, não arte moderna. Sempre aconselhei ao governo para comprar quadros, em vez de móveis feios".

Antigo para moderno

A semente para a coleção iraniana de arte ocidental moderna foi plantada no final dos anos 60, quando a imperatriz compareceu à exposição de uma artista iraniana chamada Iran Darroudi, com quem conversou. "Ela me disse: 'Gostaria que tivéssemos um lugar onde pudéssemos mostrar nosso trabalho' - e eu disse: 'É uma ótima idéia: devemos ter um museu'."

Quando o plano se materializou, Pahlavi contratou sua prima, a arquiteta Kamran Diba, para projetar o TMoCA em um antigo campo de paradas militares ao lado do que é hoje o parque Laleh (Tulipa, em persa) - anteriormente chamado parque Farah, em sua homenagem.

A arquiteta, que também se tornou diretora-fundadora do museu, inspirou-se em elementos da arquitetura persa tradicional, bem como na forma em espiral do Museu Guggenheim de Nova York. A ideia era que a instituição fizesse parte de uma rede de museus patrocinada pela imperatriz, incluindo o Museu Nacional dos Tapetes, fundado em 1976.

Tendo decidido construir um novo museu de arte, Pahlavi percebeu que precisaria de uma coleção. No início dos anos 70, o Irã era rico: "Foi um período em que tínhamos muito dinheiro do petróleo", lembra, "embora isso coincida com o início dos nossos problemas".

Inicialmente, Farah cogitou comprar de volta antigos artefatos iranianos que, ao longo dos séculos, se espalharam pelo mundo. No entanto, concluiu rapidamente que seria muito caro. Já a arte ocidental moderna, que ela também admirava, era mais acessível e mais fácil de adquirir. Assim, ela reuniu uma equipe de consultores para construir do zero uma coleção de arte moderna de primeira linha, começando com os impressionistas.

Seus representantes começaram a negociar com as galerias e até viajaram para Nova York em busca de conselhos do Museu Metropolitan, um dos mais famosos da cidade ("Para ver se uma pintura era boa e se o preço era aceitável", explica). Ao mesmo tempo, entrou em contato com a fundação de Maeght (um famoso museu de arte moderna no sul da França, estabelecido em 1964) para ajudá-la.

Dentro de um espaço de tempo muito curto, a equipe de Pahlavi reuniu uma coleção de arte moderna de causar inveja em qualquer instituição.

Seu marido, por outro lado, não compartilhava sua paixão.

"Ele estava ocupado com tantas outras coisas importantes no Irã", diz ela, "e não se interessava em arte moderna estrangeira", acrescenta.

Mas o xá apoiou o projeto, autorizando a estatal de petróleo do país a financiar as compras das obras de arte (em 1973, o Irã era o segundo maior exportador de petróleo do mundo). Como Farah diz, "ele sempre me ajudou se eu precisasse de um dinheiro para isso ou aquilo."

"Isso", no caso, poderia ser o quadro Natureza morta com estampa japonesa (1889), de Paul Gauguin, ou o Mural no chão vermelho indiano (1950), de Jackson Pollock. Em 2010, a casa de leilões Christie's estimou o preço deste último em US$ 250 milhões (R$ 1 bilhão).

Em certo sentido, as aquisições de Farah podem ser entendidas dentro do contexto da chamada "Revolução Branca" do xá, que priorizava a modernização do país e a implementação de reformas progressistas. No livro, as escritoras Viola Raikhel-Bolot e Miranda Darling, que assinam a autoria com a imperatriz, descrevem-na como "um testemunho da influência do soft power para mudar a estrutura de uma nação para sempre. Sua visão e dedicação transformaram a década de 1970 em uma era de ouro para o Irã."

Para os críticos do xá, contudo, essa descrição pode parecer parcial. O que o povo iraniano fez da arte moderna que ela comprou nos anos 70?

"Você sabe", responde Farah, "até hoje, na Inglaterra ou em Nova York, não se pode esperar que todos amem a arte moderna. Mas são tesouros de arte para o país. A arte aproxima as pessoas mais do que qualquer discurso político", defende.

No entanto, despesas como essas não contribuíram para a percepção negativa de que o regime de seu marido estava desperdiçando dinheiro, o que por sua vez pode ter colaborado para sua queda?

Farah franze a testa. "Nem um pouco, nem um pouco. Não houve uma reação negativa."

Além de passar tempo com Warhol, enquanto amealhava sua coleção, a imperatriz conheceu vários artistas que admirava, incluindo Salvador Dalí, Marc Chagall (que morava perto da Fundação Maeght) e o escultor britânico Henry Moore, cujo estúdio fora de Londres, no vilarejo de Perry Green, em Hertfordshire, ela visitou uma vez.

"Quando entrei", lembra ela, "ele me mostrou uma pequena pintura e disse: 'Peço a todos que me digam quem fez isso'. Graças a Deus, eu disse Miró (Joan Miró, artista surrealista espanhol) - que foi a resposta certa. Fiquei orgulhosa, claro".

Segundo relatos, uma das esculturas de Moore, nos jardins da TMoCA, foi danificada por uma bala. O buraco ainda é visível: um lembrete, muito provavelmente, da turbulência causada pela Revolução.

Uma das coisas mais surpreendentes sobre a história da coleção de arte moderna do Irã é que, na esteira da Revolução, ela não foi em grande parte danificada nem dispersa. Houve exceções: Farah (que foi condenada à morte, à revelia, depois da revolta) lembra-se de assistir a um documentário da televisão francesa, que mostrava que um dos retratos de Warhol, em seu antigo palácio em Teerã, havia sido cortado com uma faca.

Além disso, em 1990, Woman III (1953), do pintor expressionista abstrato Willem de Kooning, foi trocado por miniaturas persas do século XVI pertencentes a um colecionador de arte americano. Em uma cena digna de um filme de suspense, a permuta ocorreu na pista do aeroporto internacional de Viena.

Por anos, porém, a coleção definhou, sem ser vista, nos cofres do museu em Teerã. Em 2005, algumas das pinturas foram exibidas ao público.

Continua sendo um mistério, no entanto, por que ela nunca atraiu a ira dos governantes do regime teocrático que sucedeu a Revolução. Possivelmente, seu valor a torna intocável. Pinturas como Gabrielle com Blusa Aberta (1907), de Pierre-Auguste Renoir, que retrata uma mulher com os seios à mostra, nunca vão poder ser exibidas no Irã.

Enquanto isso, no ano passado, destaques da coleção - que seriam exibidos em Berlim e Roma, em uma exposição itinerante internacional, antes de os planos serem cancelados no último minuto - foram exibidos no TMoCA.

No entanto, duas horas após ser aberta ao público, a exposição acabou sendo alvo dos censores. Eles removeram o painel central de um tríptico de 1968 de Francis Bacon, retratando duas figuras masculinas nuas lado em cima de uma cama, segundo um jornalista do diário inglês The Sunday Times, que visitou a mostra. A homossexualidade é ilegal no Irã.

Educadamente, Farah se recusa a especular sobre por que os líderes que sucederam à Revolução Iraniana não venderam nem destruíram a coleção que ela criou.

Questionada se fica triste ao folhear o livro, que reproduz tantas obras de arte que muito provavelmente nunca verá de novo, ela responde devagar e baixo.

"Não. Não estou triste. Depois da Revolução, fiquei muito preocupada com essas pinturas. Mas, felizmente, exceto por uma troca, elas ainda estão lá. Lembro que, há alguns anos [em 2005], um dos diretores [do museu] colocou algumas das pinturas [em exibição] em uma exposição - e eu recebi um email de uma jovem senhora, uma pintora iraniana, que disse: 'Quando me vi na frente de um Rothko, fiquei com lágrimas nos meus olhos'." O museu possui dois Rothkos (Mark Rothko, artista expressionista americano), cada um avaliado atualmente entre US$ 100 milhões e US$ 200 milhões (R$ 400 milhões e R$ 800 milhões).

"Fico feliz que as pessoas possam ver o que têm, porque essas pinturas" - ela aponta para o livro, na mesa à sua frente - "pertencem ao Irã". E faz uma pausa. "Sempre digo que as sementes que você planta com amor e fé nunca perecem, nunca morrem."

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