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Caso Queiroz: as perguntas sem resposta sobre as movimentações financeiras de Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor

28.nov.2018 - Jair Bolsonaro e seu filho Flávio Bolsonaro após reunião sobre a definição de ministérios - Sergio Lima/AFP
28.nov.2018 - Jair Bolsonaro e seu filho Flávio Bolsonaro após reunião sobre a definição de ministérios Imagem: Sergio Lima/AFP

21/01/2019 14h34

No fim de semana, a imprensa divulgou que o filho mais velho do presidente fez um pagamento de R$ 1 milhão em título da Caixa Econômica e recebeu R$ 96 mil em parcelas de R$ 2 mil. Já o assessor dele, Fabrício Queiroz, teria movimentado R$ 7 milhões em três anos.

A cada dia, surgem novas revelações sobre a investigação das transações bancárias suspeitas de Flávio Bolsonaro - filho do presidente Jair Bolsonaro -, e de um ex-assessor dele na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Fabrício Queiroz.

As duas principais notícias sobre o caso nos últimos dias dizem respeito ao volume movimentado por Queiroz e a depósitos e pagamentos feitos por Flávio que chamam a atenção pelos valores e pelas transações em espécie.

No sábado, reportagem da TV Globo divulgou um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que aponta que Flávio Bolsonaro fez um pagamento de R$ 1.016.839 de um título bancário da Caixa Econômica Federal. O Coaf diz que não conseguiu identificar o favorecido. Também não há data e nenhum outro detalhe do pagamento.

Outro relatório do Coaf mostrou que, entre junho e julho de 2017, foram feitos 48 depósitos na conta do então deputado estadual, agora senador eleito, totalizando R$ 96 mil.

Sobre Queiroz, que era assessor de Flávio na Alerj na época dessas movimentações, o Coaf já havia revelado que ele movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.

No domingo, foi revelado pelo jornal O Globo que entre 2014 e 2015, outros R$ 5,8 milhões entraram e saíram da conta de Queiroz, valor que chama a atenção porque seria incompatível com o salário que ele recebia como policial e assessor, e com padrão de vida que levava.

Essas movimentações geraram a suspeita da prática ilegal conhecida como "rachadinha" - que consiste em fazer funcionários de gabinetes devolverem parcela dos salários. Sete funcionários do gabinete de Flávio aparecem no relatório do Coaf transferindo recursos a Queiroz - um total de R$ 116.556 entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2017.

No fim de semana, o filho mais velho de Jair Bolsonaro deu entrevistas a duas emissoras de TV negando que isso ocorresse em seu gabinete e dizendo que os recursos que movimentou são provenientes de seus negócios como empresário. Sobre as movimentações dos funcionários, ele afirmou que "não tem controle" sobre o que os servidores fazem com as próprias remunerações.

Mas há perguntas sobre o caso que continuam sem resposta. A BBC News Brasil reúne algumas aqui.

De onde vêm os recursos que Flávio Bolsonaro movimentou?

Uma dúvida gerada com a revelação do pagamento de R$ 1 milhão por Flávio Bolsonaro e os depósitos de R$ 96 mil que ele recebeu é sobre a origem desses recursos. As movimentações ocorreram durante o período em que ele atuou como deputado estadual no Rio de Janeiro.

Na eleição de 2018, Flávio foi eleito senador, mas ainda não tomou posse. Atualmente, o salário de um deputado estadual na Alerj é de R$ 25,3 mil brutos.

Em entrevista à TV Record, Flávio afirmou que é empresário e a maior parte dos recursos que possui vem dessa atividade, não do salário de parlamentar. Mas ele não especificou o ramo em que atua como empresário, nem os negócios que teriam gerado esse tipo de receita.

"Eu sou empresário. O que eu ganho na minha empresa é muito mais do que eu ganho como deputado. Eu não vivo só do salário como deputado", disse.

Especificamente sobre o pagamento de R$ 1.016.839 identificado pelo Coaf e referente a um título bancário da Caixa Econômica, Flávio alegou que se trata do pagamento de uma dívida imobiliária - ele teria tomado um empréstimo do banco para a compra, na planta, de um apartamento que custou R$ 1,7 milhão no bairro de Laranjeiras, no Rio.

"Esse imóvel foi vendido. Hoje em dia meu patrimônio é um imóvel que eu tenho na Barra [da Tijuca] e uma sala comercial", afirmou.

Por que parte do pagamento foi feito em espécie?

Pagamentos em espécie costumam levantar suspeitas de órgãos de fiscalização porque dificultam a identificação da origem do dinheiro.

Na entrevista à Record, Flávio foi perguntado por que optou por fazer os depósitos em dinheiro, em vez de fazer transferência bancária. As reportagens que divulgaram o pagamento de R$ 1 milhão e os depósitos que somam R$ 96 mil apontam que as transações têm semelhanças com as feitas por Queiroz.

Em todos esses casos, os depósitos eram fracionados, as operações feitas em espécie e em terminal bancário dentro da Alerj.

Questionado sobre o motivo de ter feito operações em espécie, Flávio respondeu: "Eu sou empresário, eu pego dinheiro da empresa em cash. Uma parte do apartamento foi pago em cash", disse ele, sem dar detalhes.

Sobre os R$ 96 mil depositados em 48 parcelas de R$ 2 mil, ele disse que o dinheiro é uma parte do que recebeu pela venda do apartamento de Laranjeiras - o mesmo que comprou após tomar empréstimo de R$ 1 milhão na Caixa Econômica.

No início da tarde desta segunda, o ex-jogador de vôlei de praia Fabio Guerra disse à Folha de S. Paulo que pagou cerca de R$ 100 mil a Flávio Bolsonaro como parte do pagamento de um apartamento.

"Esse dinheiro, que é um dinheiro meu, é depositado na minha própria conta. E por que são R$ 2 mil? Porque esse é o limite para fazer o depósito no caixa eletrônico", disse o filho de Jair Bolsonaro, na entrevista à TV Record.

Com um papel em mãos, Flávio Bolsonaro afirmou que aquele documento comprovaria a origem dos recursos, mas não quis mostrar o teor.

"Tá aqui a origem, mas peço reserva para apresentar no momento oportuno para as autoridades. É a escritura do apartamento que eu vendi por R$ 2,4 milhões. É o mesmo apartamento. Eu vendi logo em seguida (ao pagamento da dívida de R$ 1 milhão com a Caixa)", disse.

Sem dar detalhes, ele afirmou ainda que recebeu "uma parte" do dinheiro do apartamento em espécie e, por isso, fez os depósitos. "Está declarado ao fisco e na escritura. Se fosse algo ilícito, você acha que eu colocaria na minha própria conta?"

De onde vem o dinheiro que Fabrício Queiroz movimentou?

A informação de que Fabrício Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre 2016 e 2017 veio à tona durante uma investigação do Ministério Público Federal em desdobramento da Operação Lava Jato. Os investigadores queriam identificar movimentações suspeitas que poderiam estar relacionadas a pagamento de propina a deputados em troca de apoio ao governo de Sérgio Cabral no Rio de Janeiro.

Em meio aos levantamentos feitos pelo Coaf, foram identificadas movimentações que não tinham relação com o esquema da Lava Jato, mas que indicavam possível prática da "rachadinha" - devolução de salários por parte dos funcionários de gabinetes.

O processo foi, então, enviado ao Ministério Público do Rio de Janeiro para abertura de investigação. No domingo, o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, revelou que outros R$ 5,8 milhões foram movimentados por Queiroz entre 2014 e 2015.

A dúvida gerada com essas transações é sobre a origem desse dinheiro. O servidor estadual ganhava R$ 8.517,16 como assessor parlamentar no gabinete de Flávio, além de acumular rendimentos mensais de cerca de R$ 12,6 mil da Polícia Militar fluminense, onde trabalhou, a título de aposentadoria.

Numa entrevista exibida pelo SBT, em 21 de dezembro, Queiroz afirmou que parte do dinheiro movimentado na conta deve-se à compra e venda de carros.

"Eu sou um cara de negócios. Eu compro e revendo. Compre e vendo carros. Gosto de comprar carros de seguradoras, mando arrumar e vendo", afirmou.

Uma das transações na conta de Queiroz citadas no relatório do Coaf é um cheque de R$ 24 mil destinado à primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

No início do mês, Jair Bolsonaro disse que emprestou R$ 40 mil a Queiroz e que o cheque em nome de Michelle seria pagamento de uma parcela da dívida.

Na entrevista concedida à Record, Flávio Bolsonaro foi perguntado se a movimentação financeira de Queiroz não seria incompatível com o padrão de vida e o salário do ex-assessor legislativo.

"Ele me falou que grande parte era dinheiro dele, ele era policial, e a família depositava na conta dele (o restante)", respondeu.

Por que Queiroz e Flávio Bolsonaro faltaram a depoimentos no Ministério Público?

Desde que o caso veio à tona, Queiroz faltou a dois depoimentos marcados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Ele alegou estar em tratamento contra um câncer de intestino.

Segundo o MPRJ, no ultimo agendamento, em 21 de dezembro, o advogado do ex-assessor parlamentar afirmou que ele "precisou ser internado para realização de um procedimento invasivo com anestesia, o que será devidamente comprovado, posteriormente, através dos respectivos laudos médicos".

No dia 10 de janeiro, foi a vez de Flávio faltar ao depoimento marcado pelo MP. Pelo Facebook, ele explicou que não teve acesso aos autos e que, por isso, não falaria com os procuradores.

Mas, pouco depois, Flávio Bolsonaro pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão de todos os atos de investigação até que o STF analise qual é a instância que tem competência para processar e julgar o caso. A dúvida é se a questão deve subir para a Procuradoria-Geral da República e ser julgado no Supremo, ou se deve permanecer com o Ministério Público do RJ.

O ministro Luiz Fux, do STF, concedeu o pedido. A decisão, assinada durante o plantão do tribunal, vale até que o relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, avalie a questão. Isso deve ocorrer depois do recesso, que vai até o dia 31 de janeiro.

No pedido feito ao Supremo, a defesa de Flávio Bolsonaro alega que há ilegalidade na instauração do procedimento investigatório, pois informações protegidas por sigilo bancário teriam sido obtidas pelo Ministério Público diretamente junto ao junto ao Coaf, sem autorização judicial.

Afirma, ainda, que mesmo depois de confirmada a eleição dele para o cargo de senador, o MP pediu informações sigilosas sobre ele ao Coaf "a pretexto de instruir o procedimento investigativo, o que configuraria, em seu entendimento, usurpação da competência do STF."

Em entrevistas, Marco Aurélio Mello sugeriu que deve manter a investigação de Flávio Bolsonaro na primeira instância - ou seja, no Rio de Janeiro -, seguindo entendimento já consolidado do Supremo de que o foro privilegiado só deve valer para atos cometidos durante o exercício do mandato.

"O que eu tenho feito com reclamações semelhantes, as que eu enfrentei, eu neguei o seguimento (rejeitou o processo), porque o investigado não teria a prerrogativa de ser julgado pelo STF", disse ao jornal o Estado de S. Paulo.

"A lei vale para todos", completou.

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