OEA deve cancelar saída da Venezuela e expulsar representantes de Maduro, diz novo embaixador

Em abril de 2017, o presidente Maduro anunciou a saída "imediata" da Venezuela da OEA após a organização convocar uma reunião para discutir a situação humanitária do país.
"(A saída) é um passo gigante para romper com o intervencionismo imperial", argumentou o socialista na época. Inédito na história da OEA, o processo para o desligamento completo se completaria em abril de 2019, de acordo com as regras da organização.
"A decisão do Conselho Permanente será acolher a ideia de que a Venezuela permaneça no sistema interamericano", revelou em entrevista à BBC News Brasil, o diplomata Gustavo Tarre Briceno, nomeado como novo representante especial da Venezuela na OEA por Juan Guaidó.
Líder oposicionista e chefe da Assembleia Nacional destituída por Maduro, Guaidó se declarou presidente interino da Venezuela com o apoio de pelo menos 12 países, incluindo EUA e Brasil, além do próprio secretário-geral da OEA, Luis Almagro. Desde então, Guaidó vem anunciando membros do governo paralelo que se instala no país.
"O segundo ponto previsto pelo Conselho Permanente será reiterar a decisão anterior que declarou ilegítimo o governo de Nicolás Maduro e, por consequência, declarar que a presença da representação diplomática venezuelana que esta lá até o momento é igualmente ilegítima e deve retirar-se", anunciou Tarre Briceno, que deve assumir o lugar da atual representante venezuelana no órgão, a embaixadora Carmen Luisa Velásquez.
"Resolveu-se que o governo (Maduro) não seria legítimo", reiterou o venezuelano. "Por consequência lógica, se é ílegitimo, seus representantes na OEA também são."
As informações dadas pelo novo embaixador foram confirmadas à BBC News Brasil por outras duas autoridades presentes nas discussões sobre o tema em Washington. O governo de Nicolás Maduro ainda não foi informado oficialmente sobre as medidas.
Isolamento
Na quarta-feira, o chefe da OEA parabenizou e reconheceu a nomeação de Tarre Briceno para o cargo.
O gesto não foi isolado. Também na quarta, Almagro anunciou reconhecimento ao governo de Guaidó, afirmando que ele "tem nosso apoio para impulsionar o retorno do país à democracia".
Já no último dia 10, horas depois da posse de Maduro, em Caracas, a Organização dos Estados Americanos aprovou uma declaração conjunta apontando que não reconhece a legitimidade do novo mandato bolivariano.
No poder desde 2013, Maduro foi reeleito em maio de 2018 em votação condenada pela comunidade internacional e boicotada pela oposição de seu país.
Brasil, Estados Unidos e Colômbia estiveram entre os principais articuladores da decisão de não reconhecer o novo mandato, vista como mais um esforço de pressão de setores da comunidade internacional para sufocar o governo do socialista por vias diplomáticas - ou seja, sem recorrer aos riscos políticos e humanitários de um eventual emprego de forças militares estrangeiras, rechaçada na quarta-feira pelo presidente interino do Brasil, general Mourão.
Segundo Tarre Briceno, as decisões a serem anunciadas nesta quinta-feira foram discutidas previamente com os Estados Unidos (representados na OEA pelo embaixador Carlos Trujillo) e com os membros do grupo de Lima, formado como bloco opositor à Venezuela por chanceleres de 12 países, incluindo o Brasil.
Análise
Para o cientista político venezuelano Diego Area, diretor associado do Atlantic Council, em Washington, o cancelamento da saída da Venezuela da OEA a contragosto de Maduro e a expulsão de chavistas da organização é esperado porque "acelera e converte em ações concretas o reconhecimento de Guaidó como presidente interino de Venezuela".
"Isso deve abrir eixos imediatos de ação executiva: primeiro, a organização convocatória e definições para novas eleições na Venezuela (com suporte técnico da OEA). Segundo, impulsionar e seguir avançando na abertura humanitária para ajudar aos venezuelanos vivendo a crise."
Ainda de acordo com Area, a expectativa é que os países membros aceitem um pedido feito por Guaidó para o congelamento dos ativos que pertencem ao governo Maduro no exterior. O objetivo é que estes recursos sejam devolvidos à Venezuela para serem investidos em ajuda humanitária e na capitalização do novo governo.
"Congelar os ativos do governo em outros países ajudará a salvar as finanças venezuelanas e a salvar a vida de venezuelanos que estão morrendo todos os dias", diz.
Já para a socióloga Aline Piva, professora de direito internacional público na Universidade Bolivariana da Venezuela, em Caracas, a oposição liderada por Guaidó "atiça os governos dos países vizinhos a tomarem ações que causarão duros efeitos à população venezuelana", enquanto os movimentos internacionais contra Maduro são uma tentativa de "asfixiar o país, política e economicamente".
Apesar do endosso de órgãos como a OEA e líderes como Trump e Bolsonaro ao presidente paralelo, Piva lembra que países importantes no xadrez geopolítico mundial mantêm apoio a Maduro.
"A Venezuela é um importante enclave geopolítico, especialmente para China e Rússia. Turquia e Rússia já se pronunciaram, reiterando o reconhecimento da legitimidade de Maduro, e China também deve fazê-lo", diz.
Além dos três países, Cuba é um importante aliado político dos venezuelanos.
"O que resta saber é se o peso geopolítico da Venezuela será suficiente para um envolvimento mais frontal desses países. Acredito que sim, tendo em vista que vêm perdendo espaço na região - o que é particularmente preocupante para China."
Brasil
O governo brasileiro passou a tomar uma posição hostil em relação ao chavismo, hoje representado por Maduro, em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff e a posse do ex-presidente Michel Temer.
Ministro das Relações Exteriores no governo do emedebista, Aloysio Nunes Ferreira afirmava que o governo de Maduro emprega recursos não democráticos, como perseguição da oposição, falta de liberdade de imprensa e ausência de liberdade de organização política.
Esta retórica escalou com a posse de Bolsonaro, que durante toda a campanha presidencial fez duras críticas a Maduro.
Na noite de quarta-feira, em entrevista à Record TV, o presidente disse que "o Brasil acompanha com muita atenção" a situação na Venezuela.
"O bem maior de um homem ou de uma mulher é a sua liberdade, e o povo venezuelano, nós queremos restabelecer a sua liberdade. Mas a história mostra que as ditaduras não passam o poder para a oposição de forma pacífica. Nós tememos as ações da ditadura de Maduro. Obviamente que tem países fortes dispostos a outras consequências", disse.
Bolsonaro prosseguiu: "Estamos no limite daquilo que podemos fazer para restabelecer a democracia naquele país".
Já líderes petistas, como a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, reiteram apoio a Maduro.
Após participar da posse de Maduro, no último dia 10, a deputada federal disse na quarta que "O Brasil só tem a perder com esta intervenção na Venezuela".
"Começamos hoje na América Latina a caminhada dos conflitos que tanto repudiamos em outros continentes. Líbia, Iraque, Síria são lembranças atuais das decisões arrogantes dos Estados Unidos e seus parceiros políticos", escreveu.
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