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Tragédia em Brumadinho: Vale diz que sirenes não foram acionadas por 'velocidade' do deslizamento

Amanda Rossi - Enviada especial da BBC News Brasil a Brumadinho (MG)

Enviada especial da BBC News Brasil a Brumadinho (MG)

31/01/2019 12h58

Argumento é duramente criticado por especialistas e pela população, que acredita que alerta sonoro - obrigatório por lei - poderia ser salvado vidas.

Atualizada às 20h de 31/01

A Vale informou que as sirenes de alerta da mina Córrego do Fundão, em Brumadinho (MG), não puderam ser acionadas após o rompimento da barragem principal, na sexta-feira, "devido à velocidade com que ocorreu o evento". Até agora, foram confirmadas 110 mortes. Outras 238 pessoas continuam desaparecidas.

"Devido à velocidade com que ocorreu o evento, não foi possível acionar as sirenes relativas à barragem 1", disse a empresa de mineração, em nota enviada à BBC News Brasil. Segundo a Defesa Civil de Minas Gerais, a barragem 1, a principal, tinha 11,7 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro. Depois da publicação da reportagem, em entrevista coletiva concedida em Brasília na tarde de hoje, o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, afirmou que a rapidez do rompimento fez com que a sirene de alerta fosse "engolfada" pela lama. "Aconteceu um fato que não é muito usual: houve um rompimento muito rápido da barragem", declarou ele a jornalistas.

A BBC News Brasil perguntou à Vale, na quarta-feira, se as sirenes não deveriam funcionar independentemente da velocidade do rompimento da barragem. Também solicitou detalhes sobre o funcionamento do sistema de alerta - por exemplo, que condições fariam a sirene disparar e como era seu acionamento (manual ou automático).

Até a publicação desta reportagem, a mineradora não havia se manifestado sobre essas questões. A instalação de sistemas de alerta sonoro em áreas que podem ser atingidas pelo rompimento de barragens é obrigatória por lei.

Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, existe tecnologia para que alertas sonoros de emergência sejam acionados em qualquer circunstância, seja qual for a velocidade do evento. "Falar que a sirene não tocou porque o evento foi muito rápido é brincadeira", critica Sergio Medici de Eston, professor de Engenharia de Minas da Universidade de São Paulo (USP).

"A sirene não é para tocar só quando a barragem cai. A sirene pode tocar quando a coisa começa a ficar crítica, às vezes semanas antes, para as pessoas ficarem em alerta. É como em um teatro: antes do início da peça, há um primeiro alarme, depois um segundo, até chegar o alarme final."

"E, na última na hora, quando a barragem rompe, é preciso ter um sistema que toque na hora. Não existe isso de dizer que foi muito rápido", completa Eston.

De acordo com Carlos Barreira Martinez, professor do Instituto de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Itajubá, que trabalha com segurança de barragens, diversos tipos de sensores podem detectar o rompimento de uma barragem e acionar as sirenes automaticamente.

"Pode ser um sensor sonoro, de pressão, de deslocamento. Registrou (anomalia), manda informação por rede sem fio e o alerta toca. Isso é muito simples. Mas custa dinheiro". Além do alarme sonoro, diz o professor, seria possível inclusive alertar a comunidade por um app de celular que já indicasse as rotas de fuga.

"A justificativa da Vale só é plausível se o sistema deles não for de resposta rápida. E, se não tinham um sistema de resposta rápida, é porque acreditavam que a estrutura era segura, que o Titanic não ia afundar."

Martinez ressalva ainda que, dada a proximidade entre a barragem e o refeitório da Vale, onde estava a maior parte dos desaparecidos, é possível que nem a sirene conseguisse fazer com que todos se salvassem.

Vale diz que outras sirenes foram acionadas na sexta, mas população nega

Na nota enviada à BBC News Brasil, a Vale afirmou ainda que as sirenes relativas às estruturas 4 a 4-A (barragens de rejeito adjacentes à barragem principal e que também romperam na sexta-feira) "foram acionadas".

Porém, moradores de diferentes bairros de Brumadinho ouvidos pela BBC News Brasil desde sábado são unânimes em afirmar que as sirenes de alerta não tocaram no dia da tragédia.

"Todos sabem que a sirene não tocou", disse Sirlene de Brito, no velório da irmã Sirley de Brito, nesta quarta-feira. Sirley era Secretária de Desenvolvimento Social de Brumadinho e foi velada sob forte comoção. A irmã falou ainda que acredita que Sirley poderia ter sobrevivido se a sirene tivesse tocado.

As sirenes da mina Córrego do Feijão só foram tocar no domingo, por volta de 5h30 da manhã, alertando para o perigo de rompimento da barragem remanescente, a B6, que contém água. É um indicativo de que o sistema não foi afetado pela avalanche de lama e está funcionando.

Naquela ocasião, o nível de alerta da B6 subiu de 1 para 2 (numa escala que vai até 3), o que requer evacuação das áreas que podem ser atingidas e o esvaziamento da barragem. A estimativa do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais era de que 24 mil pessoas deveriam deixar suas residências devido ao alerta.

"(A sirene) tocou só dessa vez, na sexta-feira não tocou, não. Saí desesperado, eu, minha esposa e meu filho de 20 dias", relatou o motorista de caminhão Walisson Marcelino, no domingo da evacuação. Na sexta-feira anterior, dia da tragédia, a lama havia invadido seu quintal.

A BBC News Brasil teve acesso a uma gravação da sirene, feita por moradores da zona rural. Após um alarme, os auto-falantes emitiram uma mensagem: "Essa é uma situação real de emergência de rompimento de barragem. Abandonem imediatamente suas residências e sigam pela rota de fuga para o ponto de encontro, até serem passadas novas instruções"."Que rota de fuga? Que ponto de encontro? Não teve treinamento nenhum", diz Mário Lúcio Fontes, morador do Parque da Cachoeira. A lama destruiu a parte do fundo do seu terreno - dali, é possível, inclusive, ver uma das sirenes da Vale.

Ao final do domingo, a barragem voltou a ficar estável e as famílias evacuadas puderam voltar para casa.

Moradores relatam que sirenes nunca foram testadas

A única informação fornecida pela Vale sobre o sistema de alerta sonoro é que há oito sirenes instaladas no entorno da unidade operacional.

Pelo menos uma delas fica na região do Parque da Cachoeira, bairro da zona rural de Brumadinho. Ela não foi afetada pela avalanche de lama e permanece intacta no local.

Moradores do Parque da Cachoeira contam que o sistema foi instalado em 2018, mas que nunca soou, nem para teste ou treinamento.

"Aquela sirene nunca tocou, eu nem sei qual é o som dela", falou o aposentado Geraldo Vilaça, que teve a casa completamente destruída pela lama. Ele calcula que teve apenas três minutos para fugir. Seu cunhado está desaparecido.

Na comunidade de Parque da Cachoeira, moradores também relatam que, pouco depois da instalação das sirenes, funcionários contratados pela Vale visitaram as residências do bairro para aplicar um questionário. Queriam saber quantas pessoas viviam nas casas e se havia alguém com dificuldade de locomoção.

Na segunda-feira, a BBC News Brasil questionou a Vale a respeito desses relatos, mas não obteve retorno.

"Pela maneira que conduziram isso aí, eu acho que não estavam preocupados com as pessoas. Acho que estavam preocupados em atender à legislação. Tem que pôr sirene? Então, colocaram a sirene. Se estivessem realmente preocupados com as pessoas, teriam dado sequência ao trabalho. E feito o trabalho de maneira profissional para conseguir avisar as pessoas a tempo delas fugirem", opinou Geraldo Vilaça.

No desastre de Mariana, em 2015, as sirenes também não tocaram. "Depois de Mariana, é vergonha como a Vale agiu com Brumadinho. Tinha que ter botado sirene e ter feito um monte de simulado com a população", opina Eston, da USP.

Legislação e normas técnicas obrigam instalação de alerta sonoro de emergência

Na época do desastre de Mariana, um engenheiro da Vale argumentou em entrevista à Folha de S. Paulo que o uso de alertas sonoros não era obrigatório por lei. Porém, desde então, diversas leis e portarias passaram a obrigar a instalação de alertas sonoros em locais que possam vir a ser atingidos pelo rompimento de barragens.

Uma lei estadual sancionada em 2016 pelo governo de Minas Gerais estabelece que, em caso de atividade que possa colocar vidas humanas em grave risco, o licenciamento ambiental deve conter um Plano de Ação de Emergência que inclua um "sistema de alerta sonoro ou outra solução tecnológica de maior eficiência".

Em nível federal, a Política Nacional de Segurança de Barragens, de 2010, determina que as barragens devem ter um Plano de Ação de Emergência que contenham "estratégia e meio de divulgação e alerta para as comunidades potencialmente afetadas em situação de emergência".

Em 2017, foram estabelecidas regras mais detalhadas sobre o assunto, por meio de uma portaria do Departamento Nacional de Produção Mineral, do Ministério de Minas e Energia. O prazo para as empresas se adequarem era de dois anos - ou seja, ainda não venceu.

De acordo com o documento, a mineradora fica responsável por alertar a população em uma distância de até 10 quilômetros à jusante da barragem ou a um tempo de chegada da onda de inundação igual a trinta minutos - o que for mais eficaz.

Nessa distância, não haveria "tempo suficiente para uma intervenção das autoridades competentes em situações de emergência".

Para fazer esse alerta, continua a portaria, a mineradora deve instalar sistemas de alarme "contemplando sirenes e outros mecanismos de alerta" que sigam algumas especificações.

Por exemplo, ser colocado em locais de fácil identificação pela comunidade, possuir sistema de acionamento remoto que funcione por meio de mais de uma tecnologia - sinal de rádio, fios, satélite, telefonia celular -, possuir sistemas de alimentação de energia alternativos (para caso de falha na rede elétrica), ter opção de acionamento por botões (caso todo o resto falhe), e ter um nível mínimo de 70 decibéis.


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