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Eleição do Senado: como foi a conturbada disputa que deu vitória a Davi Alcolumbre

André Shalders - @andreshalders - Da BBC News Brasil em São Paulo

02/02/2019 19h26

Davi Alcolumbre é o novo presidente do Senado. Apoiado por Onyx Lorenzoni (ministro da Casa Civil), ele teve os votos de 42 dos 81 senadores. BBC News Brasil recapitula todos os episódios da disputa.

O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) foi eleito neste sábado (02) para um mandato de dois anos como o novo presidente do Senado, em uma sessão conturbada que se estendeu pelo sábado depois de a votação ter sido interrompida na sexta-feira.

Alcolumbre, até então um político sem grande projeção, obteve os votos de 42 dos 81 senadores - seu principal adversário, Renan Calheiros (MDB-AL), saiu da disputa na última hora e ficou com apenas cinco votos. O amapaense deve comandar o Senado até janeiro de 2021. Alcolumbre foi eleito na segunda tentativa de votação, após a primeira ser anulada. O voto foi secreto.

Além de Alcolumbre e Renan, participaram da disputa os senadores Fernando Collor (PROS-AL, 3 votos); Reguffe (sem partido-DF, 6 votos); Angelo Coronel (PSD-BA, 8 votos); e Esperidião Amin (PP-SC, 13 votos). Só quatro senadores deixaram de votar, entre eles Renan Calheiros e Jader Barbalho (MDB-PA).

A eleição do demista é vista no Congresso como a primeira vitória política do governo de Jair Bolsonaro (PSL). O processo tumultuado, porém, deixou um número relevante de senadores desconfortáveis com o novo presidente - e com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que patrocinou o nome de Alcolumbre. Os dois são tão próximos que a esposa de Onyx trabalha no gabinete do senador.

A disputa também encerra uma hegemonia de 18 anos do MDB no comando no Senado - o último político não emedebista a comandar a Casa foi Antônio Carlos Magalhães (PFL), de 1999 a 2001.

Alcolumbre é um dos poucos senadores sem curso superior completo - em sua página no portal do Senado, ele diz ter um curso incompleto em ciências econômicas pelo Centro de Ensino Superior do Amapá (Ceap). Aos 41 anos, é também é um dos poucos congressistas judeus do Brasil.

Após a vitória, Alcolumbre fez um discurso de conciliação - inclusive com um aceno aos adversário derrotados. "Não haverá nesta Casa senadores do alto ou do baixo clero. Todos serão tratados com a mais absoluta deferência e zelo". "No Senado que construiremos juntos, os anseios da rua terão o protagonismo outrora deixado às elites partidárias", disse. Lendo com alguma dificuldade, ele também se comprometeu com a realização de reformas econômicas, como a da Previdência.

Desde o fim de 2018, o principal adversário de Alcolumbre, Renan Calheiros, fazia um esforço para se aproximar do novo governo, principalmente da equipe econômica, comandada pelo ministro Paulo Guedes (Economia).

Mas, durante esta semana, Calheiros ficou irritado e fez ataques públicos ao ministro chefe da Casa Civil de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Pouco antes das 18h, quando abriu mão da disputa, Calheiros disse que o fato de defensores de Alcolumbre abrirem o voto violou a disputa. "Obrigaram o filho do presidente a abrir o voto. Escancarou que estão passando por cima do Congresso Nacional com um peso enorme. A democracia não aguenta isso", disse ele.

"Eu não vou fazer como Jean William (sic). Eu tiro a postulação, porque entendo que o Davi (Alcolumbre) não é o Davi, o Davi é o Golias. O Davi sou eu. Ele atropela o Congresso. Estou saindo do processo por entendê-lo deslegitimado", disse Calheiros a jornalistas, referindo-se ao ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que deixou o país após ameaças.

No fim das contas, o processo foi tão conturbado que o ex-senador Cristovam Buarque (PPS-DF) chegou a tuitar: "Ao assistir o Senado nestes dois dias, dá até vontade de agradecer aos eleitores que não renovaram meu mandato".

Se você viu os memes na internet, mas perdeu o fio da meada de como foi a disputa no Senado, a BBC News Brasil recapitula os episódios que resultaram na eleição de Alcolumbre:

47 horas antes: Simone Tebet larga a disputa

Na noite da última quinta-feira (31), Renan Calheiros conquistou uma primeira vitória: derrotou a colega de bancada Simone Tebet (MS), numa disputa interna entre os senadores do seu partido, o MDB. Renan teve sete votos; Tebet, apenas cinco. Após a reunião, que durou cerca de três horas, a senadora atribuiu a derrota a um colega que faltou e a outro que mudou de lado.

Dias antes, na terça-feira, Tebet já tinha sofrido outra derrota: em reunião da bancada, a maioria dos senadores do MDB se disse pró-voto secreto, posição defendida por Renan e contrária à dela. A senadora, então abdicou da liderança da bancada emedebista.

Já na manhã de sábado, Calheiros disse a jornalistas que "não era candidato" até a reunião do MDB. "Depois que a bancada indicou, paciência. Missão dada...", disse ele.

Tebet concordou em não ser candidata, mas fez campanha contra Calheiros.

27 horas antes: Alcolumbre toma a mesa

No manhã seguinte, desta sexta-feira (02), senadores e servidores da Casa foram pegos de surpresa com uma portaria no Boletim Administrativo do Senado: assinado pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), o ato demitia do cargo o secretário-geral da Mesa do Senado, o advogado Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Não era uma demissão qualquer: o secretário-geral é fundamental para a condução de qualquer sessão no Senado. Este servidor geralmente fica de pé, ao lado do presidente da Casa, "soprando" as informações mais importantes para o senador encarregado dos trabalhos.

Há vários anos no cargo, Bandeira é uma indicação de Calheiros. Horas antes de ser demitido por Alcolumbre, ele tinha publicado no Diário Oficial do Senado uma espécie de "roteiro" para a eleição - segundo o qual a eleição deveria ser presidida pelo senador José Maranhão (MDB-PB) - aos 85 anos, Maranhão é o senador mais velho da Casa.

Alcolumbre, porém, é o único senador remanescente da Mesa anterior da Casa, da gestão do agora ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE). Ele demitiu Bandeira e anulou o "roteiro" criado por este; quando a sessão de posse começou, às 15h30, Alcolumbre já estava sentado cadeira de presidente, comandando a sessão.

Servidores da Casa narraram à BBC News Brasil que Alcolumbre fechou o plenário do Senado, antes de sua chegada, para evitar que Maranhão se sentasse na cadeira antes dele.

24 horas antes: Kátia Abreu 'rouba' a pasta

Pouco antes das 19h de sexta-feira (01), Davi Alcolumbre (DEM-AP) pôs em votação um requerimento para que a votação fosse feita de forma aberta - e o fato de ele estar presidindo a sessão já estava sendo questionado por apoiadores de Renan. "Você está usurpando o poder!", repetiu o senador Humberto Costa (PT-PE), dirigindo-se a Alcolumbre.

Momentos depois, Alcolumbre anunciou o resultado da votação: 50 senadores foram favoráveis ao voto aberto, e apenas 2 foram contrários; o restante não votou.

O resultado da votação foi a senha para a senadora Katia Abreu (PDT-GO) passar a questionar a legitimidade de Alcolumbre. Exaltada, ela subiu na mesa diretora do Senado, e ficou de pé ao lado de Alcolumbre. "Ele é candidato! Ele é candidato e não pode presidir essa sessão!", gritava ela. Em seguida, ela simplesmente "driblou" com as mãos o assessor de Alcolumbre e tomou a pasta das mãos de Davi Alcolumbre.

"Você acha que é candidato, meu amigo? Você está maluco?", retrucou Kátia Abreu quando Alcolumbre pediu a pasta de volta. As cenas com Abreu, que é ex-ministra da Agricultura de Dilma Rousseff (PT) e foi companheira de chapa de Ciro Gomes (PDT) na disputa presidencial de 2018, virou motivo de vários GIFs, memes e vídeos.

Antes de ser encerrada, por volta das 10h, a sessão viu ainda Renan Calheiros trocar ofensas com o senador e empresário Tasso Jereissati (PSDB-CE), de quem é desafeto. Renan também chamou Davi Alcolumbre de "canalha" várias vezes, na tribuna do Senado.

A exclamação é uma referência a Tancredo Neves (1910-1985), que em 2 de abril de 1964 se dirigiu assim ao senador Auro Moura Andrade. Após o golpe militar, Auro declarou vaga a presidência da República mesmo com o ex-presidente João Goulart ainda no país.

15 horas antes: madrugada tensa no STF

Ninguém teve muito tempo para jantar na noite de sexta no Senado. Passado um minuto da meia-noite, advogados representando o MDB e o Solidariedade apresentaram um pedido ao Supremo Tribunal Federal para invalidar a votação da questão de ordem de Alcolumbre, aquela em que 50 senadores votaram pelo voto aberto.

Os advogados argumentaram que Alcolumbre não só descumpriu o Regimento Interno do Senado, como também desrespeitou uma decisão anterior do presidente do STF, ministro Dias Toffoli: em 9 de janeiro, Toffoli havia anulado uma decisão anterior de do ministro Marco Aurélio Mello e determinado o voto secreto tanto na Câmara (como de fato ocorreu) quanto no Senado.

Às 3h45 da manhã deste sábado (02), Toffoli publicou uma decisão: a votação promovida por Alcolumbre foi anulada; a votação para a presidência do Senado deveria ser secreta e presidida por José Maranhão (MDB-PB).

"(...) Candidato declarado à Presidência do Senado, como na espécie, não pode presidir reunião preparatória, já que interesses particulares não devem se sobrepor às finalidade republicanas das reuniões preparatórias. Há inegavelmente verdadeiro conflito de interesses", escreveu Toffoli na decisão.

8 horas antes: clima mais sereno e troca de flores

A manhã encontrou os ânimos mais serenos no Senado. Ao assumir a presidência interina da Casa, José Maranhão anulou a decisão do secretário-geral Bandeira; e Kátia Abreu, que já tinha devolvido a pasta com as questões de ordem na noite anterior, entregou um buquê de rosas brancas a Davi Alcolumbre, com um pedido de desculpas. "Está perdoada", disse ele.

Logo de manhã, antes do início dos trabalhos no Senado, o grupo pró-Renan se reuniu na quadra de Brasília onde o alagoano tem seu apartamento funcional. O objetivo era combinar estratégias para a votação deste sábado.

O próprio Calheiros parecia mais calmo - a jornalistas, disse que o voto era secreto em qualquer eleição, "do Corinthians ao CSA (time de futebol de Alagoas)".

"O voto secreto é um pressuposto universal de qualquer eleição. Do presidente da República ao governador de Alagoas. Do Corinthians ao CSA (Centro Sportivo Alagoano, um time de futebol). Do Supremo ao STJ. Não há eleição sem voto secreto. Por quê? Porque nós teríamos uma influência deletéria da mídia, do poder econômico, do poder político e judicial. A democracia não caminha dessa forma", disse. Ele também se comprometeu a fazer reformas econômicas "profundas", como a da Previdência, caso eleito.

Calheiros chamou seu principal adversário de "meu amigo", e "o jovem Davi". "Eu acabei de ganhar uma eleição. Eu fiquei estupefato. O Davi dizendo que era a 'nova política', ele que perdeu a eleição no seu Estado, e eu, que ganhei, que estava tomando posse, não era a renovação", disse.

Ainda houve discussão e alguns senadores tentaram fazer com que o voto fosse público. No fim, a votação foi secreta, mas usou cédulas físicas, e não a urna eletrônica como geralmente acontece. Assim, senadores que quiseram declarar voto puderam também expor o papel das cédulas às câmeras dos fotógrafos.

A 1ª votação: 82 votos e presidiário fiscalizando

"É evidente que alguém, ao invés de envelopar (a cédula), jogou duas", disse o senador e ex-governador Esperidião Amin (PSD-SC) ao notar que algo estava errado com a contagem de cédulas.

Na primeira tentativa de fazer a votação com cédulas de papel, apareceram 82 cédulas - os papéis foram assinados por José Maranhão e pelo senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Para votar, os senadores tinham de ir até a Mesa, onde preenchiam e assinavam a cédula; depois, tinham de colocar a cédula num envelope e jogar dentro de uma urna de madeira.

Entre os fiscais indicados pelos partidos para acompanhar a apuração, estava o senador Acir Gurgacz (PDT-RO) - reeleito em 2014, ele foi condenado em outubro de 2018 por crimes contra o sistema financeiro, e vive em regime semiaberto: dorme na cadeia, e sai para trabalhar durante o dia.

Após cerca de vinte minutos de bate-boca, a maioria dos senadores concordou em anular a primeira votação - as cédulas já preenchidas foram destruídas numa máquina de triturar papel, na Mesa do Senado.


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