Trump é 'racista, vigarista e trapaceiro': como acusações de ex-advogado podem abalar a Casa Branca
Segundo Michael Cohen, presidente dos EUA mentiu para o país, violou leis de financiamento de campanha e sabia que o WikiLeaks estava trabalhando contra Hillary Clinton na eleição de 2016.
Washington parou na manhã desta quarta-feira (27) para assistir ao vivo, em todos os principais canais de televisão americanos, o depoimento a parlamentares do ex-advogado e "faz tudo" de Donald Trump, Michael Cohen.
E ouviu, logo no início da sessão, Cohen afirmar em alto e bom som que o presidente dos EUA e seu ex-patrão é "racista, vigarista e trapaceiro".
Divulgadas na véspera para a imprensa local, as 20 páginas da fala inicial de Cohen impressionam pelos ataques ao caráter do presidente - "me mandou mentir para a primeira-dama" - e sua relação com as leis - "mentiu para o país", "subornou uma atriz pornô" e "fraudou um leilão".
Tido durante anos como um dos conselheiros mais próximos do presidente, Cohen advogou entre 2007 e 2017 para Trump. Em dezembro, ele foi condenado a três anos de prisão por evasão fiscal e por mentir ao Congresso americano. Semanas antes de ser preso, ele colaborava com a Justiça em um processo semelhante às delações premiadas do Brasil.
Perante o Congresso nesta quarta-feira, ele afirmou que Trump sabia, durante a campanha, que colegas estavam negociando com o WikiLeaks o vazamento de emails para prejudicar a campanha da adversária democrata Hillary Clinton.
O advogado também disse que o presidente mentiu ao afirmar que não participou de negociações para a construção de um hotel em Moscou com investidores russos. "Ele mentiu sobre isso porque nunca esperou vencer (a eleição). Também mentiu sobre isso porque ele ganharia centenas de milhões de dólares com o mercado imobiliário de Moscou."
O presidente também teria fraudado um leilão para supervalorizar um retrato de si mesmo - que hoje estaria decorando um de seus resorts.
O depoimento ao Comitê de Supervisão e Reforma da Câmara acontece no mesmo dia em que o presidente tenta chamar atenção do mundo para seu encontro no Vietnã com o líder norte-coreano Kim Jong-un. E o termo impeachment não demorou a aparecer no salão do Congresso americano.
Pouco depois da fala inicial de Cohen, o congressista republicano Jim Jordan, que citou a palavra pela primeira vez, disse que o depoimento era parte de uma tentativa dos rivais democratas de "tirar o presidente do governo".
"É importante deixar clara uma diferença que muitos não percebem. Impeachment, para a lei americana, é a abertura do processo de investigação contra um presidente. Não é o resultado final. A sentença final significa a remoção ou não do presidente, e isso ocorre depois que ele já sofreu o impeachment", diz à BBC News Brasil o juiz federal americano Peter Messitte, que vive nos arredores de Washington e já morou no Brasil nos anos 1960.
De acordo com o juiz, o testemunho de Cohen poderia, teoricamente, ser usado por oponentes de Trump para acusar o presidente de suborno ou obstrução de Justiça.
Impeachment nos EUA
O que pode embasar um pedido de impeachment nos Estados Unidos?
"A lei coloca como bases possíveis para o impeachment a existência de 'crimes graves ou contravenções'. Mas o que isso significa na prática? "A Constituição não diz", afirma Messitte.
"É preciso que algo sério ocorra, mas há leituras de que não seria preciso um crime específico para um processo de impeachment ocorrer - abuso de poder, por exemplo, seria um argumento."
Para o especialista no sistema judicial americano, um processo de impeachment, assim como no Brasil, depende acima de tudo de vontade política.
"Se não houver disposição política, o processo simplesmente não acontece. Não se sabe como os democratas vão reagir. É possível - e eles já demonstraram - que prefiram manter Trump onde está e enfraquecê-lo sem tirá-lo do governo. A decisão está nas mãos de pessoas como Nancy Pelosi (líder democrata na Câmara)", diz.
Caso o impeachment aconteça, um longo processo de audiências teria início, sem previsão de encerramento.
"Se o processo for aberto pela Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados do Brasil), uma série de etapas de coleta de documentos e evidências e convocação de testemunhas passa a acontecer", diz.
"Cohen seria novamente chamado a depor, dessa vez como testemunha, junto a outras pessoas. Ele então repetiria os fatos que apresentou nesta quarta-feira", diz.
Após votação por simples maioria na Câmara, o caso iria para o Senado, onde seriam necessários votos de dois terços dos membros da Casa - que atuariam "tanto como juízes quanto como júri", segundo Messitte.
Na história dos EUA, dois americanos - Richard Nixon e Bill Clinton- sofreram processos de impeachment. O primeiro renunciou às vésperas de ser afastado. O segundo foi inocentado pelo Senado, após ser considerado culpado pela Câmara.
O que Cohen apresenta como prova
"Donald Trump é um homem que concorreu à Presidência para tornar sua marca grande, não para tornar nosso país grande (em referência ao slogan de campanha "Make America Great Again"). Ele não tinha desejo ou intenção de liderar esta nação - apenas de se promover e construir sua riqueza e poder", disse Cohen aos deputados.
A credibilidade de Cohen, no entanto, vem sendo questionada por aliados de Trump, que o chamaram de "fraudador" e "criminoso" durante a audiência.
O ex-advogado - que perdeu recentemente o direito de exercer a profissão - foi condenado a três anos de prisão após confessar culpa em uma série de acusações que incluem fraudes fiscais e bancárias e declarações falsas ao Congresso em um depoimento anterior.
No ano passado, Cohen reconheceu que mentiu no depoimento sobre sua participação nas negociações para a construção de uma Trump Tower em Moscou, durante a campanha de 2016. A negociação sugeriria um suposto vínculo comercial entre Trump e os russos durante a campanha - o que é investigado pelo Departamento de Justiça americano em apurações sobre um suposto conluio entre aliados de Trump e de Vladimir Putin para interferir nas eleições americanas. O inquérito é conduzido pelo promotor especial Robert S. Mueller.
Desta vez, ele apresentou documentos e cheques para embasar sua fala aos congressistas.
Caso Stormy Daniels
Entre eles, está a cópia de um cheque pessoal de US$ 35 mil (aproximadamente R$ 130 mil), assinado por Trump depois de assumir o cargo, para supostamente silenciar a atriz pornô Stormy Daniels, que teria tido um caso com o presidente. Outro cheque no mesmo valor, vindo de uma conta corporativa do presidente, também foi apresentado.
"Ele me pediu para pagar a uma estrela de cinema adulto com quem ele teve um caso, e mentir para sua esposa sobre isso, o que eu fiz. Mentir para a primeira-dama é um dos meus maiores arrependimentos. Ela é uma pessoa gentil e boa. Eu a respeito muito - e ela não merecia isso", disse Cohen.
O ex-advogado também mostrou um artigo de revista rabiscado a mão por Trump, alegando que o presidente fraudou um leilão de um retrato de si mesmo, pagando correligionários para darem lances altos e aumentar o valor da fotografia.
Cohen trouxe ainda cartas que supostamente escreveu sob "orientação de Trump" ameaçando escolas e faculdades onde o presidente estudou para que elas não divulgassem suas notas à imprensa.
No texto de uma das cartas, enviadas a Universidade de Fordham, onde o presidente estudou, o então aliado de Trump ameaça o reitor de "multas substanciais, penalidades, potencial perda de financiamento governamental e prisão" caso dados de Trump fossem divulgados à imprensa.
Sobre o vazamento de milhares de emails internos do partido Democrata para o WikiLeaks, durante as eleições, Cohen disse que Trump acompanhava e torcia pelo vazamento, considerando-o algo "genial".
"Trump era um candidato presidencial que sabia que Roger Stone (membro da campanha republicana) estava conversando com Julian Assange (fundador do WikiLeaks) sobre um vazamento dos e-mails do Comitê Nacional Democrata", afirmou Cohen.
"Dias antes da Convenção democrata, eu estava no escritório de Trump quando a secretária dele anunciou que Roger Stone estava no telefone. Trump colocou Stone no viva-voz e ele disse a Trump que tinha acabado de falar com Julian Assange", disse.
O que Robert Mueller está investigando
O promotor está apurando se houve um possível conluio entre a campanha de Trump e o governo russo para ajudá-lo a vencer as eleições de 2016. Há quatro linhas potenciais de investigação, além da conexão com o WikiLeaks:
- A reunião na Trump Tower: em 09 de junho de 2016, uma equipe russa liderada pela advogada Natalya Veselnitskaya se encontrou com filho mais velho do presidente americano, Donald Trump Jr., Paul Manafort (então coordenador da campanha) e Jared Kushner, marido de Ivanka, filha de Trump, na Trump Tower, em Nova York.
- A ligação com Moscou: Michael Cohen, ex-advogado de Trump que se declarou culpado perante a Justiça dos Estados Unidos, garante que os vínculos das empresas de Trump com a Rússia foram mantidos até o final da campanha de 2016. Ele afirma que ele próprio contatou um assistente do porta-voz de Putin, Dmitry Peskov.
- A demissão de James Comey: as acusações salientam que Trump ou pessoas próximas a ele na Casa Branca realizaram esforços para obstruir a investigação sobre a Rússia, dando como exemplo a demissão do ex-diretor do FBI James Comey, em abril de 2017. De acordo com Comey, seu trabalho ficou sob risco após Trump pedir lealdade e que desestimulasse uma investigação sobre ligações com o Kremlin de seu ex-assessor de segurança nacional Michael Flynn.
- O ciberataque russo: Mueller já apresentou detalhes sobre os esforços da Rússia para influenciar as eleições presidenciais de 2016. Os seus relatórios afirmam que hackers russos utilizaram as redes sociais para criar notícias falsas, promovendo atividades de campo como a coleta de informação de agentes russos e apoio financeiro para comícios e manifestantes.
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