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Operação Lava Jato

As razões do desembargador que mandou soltar ex-presidente Michel Temer e outros presos na Lava Jato

Temer foi preso na quinta-feira da semana passada - Reprodução/TV Globo
Temer foi preso na quinta-feira da semana passada Imagem: Reprodução/TV Globo

Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC News Brasil em Brasília

Em Brasília

25/03/2019 14h56

Habeas corpus foi concedido pelo desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região; decisão revoga prisões decretadas pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara de Justiça Federal do Rio.

O texto foi atualizado às 18h05.

O desembargador do Tribunal Regional da 2ª Região Antonio Ivan Athié revogou nesta segunda-feira (25) a prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer, do ex-ministro Moreira Franco e de mais seis investigados que estavam detidos desde quinta-feira (21) por decisão do juiz Marcelo Bretas.

Athié, que é relator do caso no TRF-2, havia sinalizado inicialmente que iria levar os pedidos de liberdade para julgamento colegiado com mais dois desembargadores, mas, após analisar o caso no fim de semana, concluiu que as prisões afrontavam garantias constitucionais. Após a decisão do desembargador, Temer foi solto pela Polícia Federal no fim da tarde. O ex-presidente deixou a superintendência da Polícia Federal no Rio às 18h43. Ele deve retornar a São Paulo ainda hoje.

"Ressalto que não sou contra a Lava Jato, ao contrário, também quero ver nosso país livre da corrupção que o assola. Todavia, sem observância das garantias constitucionais, asseguradas a todos, inclusive aos que a renegam aos outros, com violação de regras não há legitimidade no combate a essa praga", escreveu, em sua decisão.

Athié refuta os argumentos que fundamentaram a prisão preventiva dos acusados. "Mesmo que se admita existirem indícios que podem incriminar os envolvidos, não servem para justificar prisão preventiva, no caso, eis que, além de serem antigos, não está demonstrado que os pacientes atentam contra a ordem pública, que estariam ocultando provas, que estariam embaraçando, ou tentando embaraçar eventual, e até agora inexistente instrução criminal."

O inquérito que levou à prisão de Temer investiga se licitações para construção da usina nuclear Angra 3 teriam sido fraudadas para favorecer empresas de AF Consult e Argeplan, esta última do coronel João Baptista Lima Filho, amigo de longa data de Temer preso na mesma operação.

Lava Jato no Rio afirma que vai recorrer

Os procuradores da força tarefa da Lava Jato no Rio afirmaram em nota que vão recorrer da decisão liminar (provisória) de Athié. "A expectativa é recorrer para que os HCs sejam julgados pela 1ª Turma, se possível na sessão da própria 4ª feira (27/3)", diz a nota do grupo de procuradores. "Mas a decisão de quando pautar os HCs cabe ao presidente da Turma", acrescenta o texto. A 1ª Turma é presidida pelo próprio Athié.

Logo após a decisão do desembargador, os procuradores convocaram uma reunião para discutir o assunto.

"A Força Tarefa recebe com serenidade a decisão de revogação da prisão dos investigados. Reafirma que as razões para a prisão preventiva são robustas e consistentes, mas respeita a decisão liminar monocrática do relator", diz a nota dos procuradores.

'Exagero na narração'

Em sua decisão proferida nesta segunda-feira (25), Athié faz deferências ao trabalho de Bretas e do Ministério Público Federal, mas ressalta não haver evidências de que Temer e os demais investigados representem ameaça à ordem pública, argumento usado para justificar a decretação de prisão preventiva.

Ao determinar a liberdade do grupo, o desembargador destaca que os contatos entre os investigados listados na decisão de Bretas, por exemplo 400 ligações telefônicas entre o Coronel Lima e o então presidente da Eletronuclear entre 2011 e 2015, são antigos e não comprovam que a suposta atividade criminosa segue em andamento.

"Vou pedir vênia, mais uma vez, ao D. prolator da decisão. Ao que se tem, até o momento, são suposições de fatos antigos, apoiadas em afirmações do órgão acusatório, ao qual não se nega - tem feito um trabalho excepcional, elogiável, no combate à corrupção em nosso país", escreve Athié.

Ao conceder os habeas corpus, Athié também ressalta que o caso em questão se restringe às investigações envolvendo possíveis crimes na construção da Angra 3. Dessa forma, o desembargador crítica o "exagero na narração" de Bretas em sua decisão, já que o juiz cita acusações contra Temer em outras investigações, como a denúncia conhecida como "Quadrilhão do MDB" feita pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot em 2017.

"Embora ninguém discorda da necessidade de apuração de todos os fatos, e de responsabilização dos autores, mediante devido processo legal, assegurado contraditório e ampla defesa, e considerada a presunção de inocência, aplicando-se as penas previstas em lei, não há em nosso ordenamento jurídico antecipação de pena, tampouco possibilidade de prisão preventiva de pessoas que não representam perigo a outras pessoas e à ordem pública", reforça o desembargador.

Na avaliação do relator do caso no TRF-2, o fato de Temer e o ex-ministro Moreira Franco (também preso na operação) não ocuparem mais cargos públicos enfraquece a acusação de que ambos estariam ainda cometendo crimes. "Assim, o motivo principal da decisão atacada - cessar a atividade ilícita - simplesmente não existe", afirma.

Com a decisão proferia nesta segunda-feira, Athié cancelou a análise dos pedidos de habeas corpus que estava marcada para quarta-feira (27) na 1ª Turma especializada em Direito Penal do TRF-2, composta por ele e mais dois desembargadores - Abel Gomes e Paulo Espírito Santo. O MPF, no entanto, poderá recorrer da decisão de Athié à 1ª Turma - não há previsão ainda de data para esse julgamento.

Reação à decisão de soltura

Em nota, o MDB afirmou que a decisão do desembargador "reconstituiu a ordem, reconheceu a arbitrariedade e violação dos procedimentos tomados e restabeleceu as garantias constitucionais ao ex-presidente Michel Temer e ao ex-ministro Moreira Franco". A sigla disse esperar que "o curso das investigações se dê dentro da legalidade, com direito a defesa, até que a verdade seja restabelecida".

Logo após a prisão, o MDB falou em "postura açodada da Justiça" em relação ao emedebistas presos.

A defesa de Moreira Franco afirmou que "aguardava, de modo sereno, a liminar do tribunal" e que é "importante ao desenvolvimento da sociedade que se preservem os direitos individuais e se respeite a lei".

Para o marqueteiro Elsinho Mouco, que trabalhou no Planalto na época de Temer, a prisão de Temer, tal qual decretada por Marcelo Bretas, era uma "aberração jurídica".

"O desembargador estudou o caso durante o fim de semana e viu que existia uma aberração jurídica. Agora, graças a Deus saiu (a decisão de Athié). Vamos começar a reparar a injustiça feita com ele (Temer). Este é o começo da reparação", disse Mouco à BBC News Brasil.

"Recebo com felicidade e emoção a notícia da determinação da soltura do presidente Michel Temer. Em primeiro lugar, pelo aspecto pessoal. Estive com ele, constatei os efeitos perversos que essa ilegalidade traziam à sua pessoa. E em segundo lugar porque isso tem pra mim uma importância ainda maior. Já que, como advogado, eu consigo agora recuperar a confiança na Justiça, coisa que eu, confesso, havia perdido", disse o ex-ministro de Temer e ex-deputado Carlos Marun (MDB-MS).

O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse que a decisão de Athié é bem-vinda, mas veio tarde. "Os desembargadores, os tribunais, têm de ter a coragem de enfrentar a injustiça na hora que ela ocorre", pois, "uma hora sob prisão injusta já é muito tempo", diz. Kakay não é o defensor de Temer, mas é um dos principais advogados de réus da Lava Jato, e um dos mais críticos à operação. "A decisão de (Marcelo) Bretas era infantil, teratológica (monstruosa)", diz à BBC News Brasil.

O que diz a decisão de Bretas?

Em sua decisão que determinou a prisão de Michel Temer, o juiz federal Marcelo Bretas afirmou que "é convincente a conclusão ministerial (do Ministério Público Federal) de que Michel Temer é o líder da organização criminosa a que me referi, e o principal responsável pelos atos de corrupção aqui descritos."

Ao discorrer sobre os pedidos de prisão dos investigados, o juiz federal trata da necessidade da prisão requerida para garantia da ordem pública e evitar prejuízos à investigação. Segundo ele, há "efetivo risco que o agente em liberdade pode criar à garantia da ordem pública, da ordem econômica, da conveniência da instrução criminal e à aplicação da lei penal".

"Deve-se ter em mente que no atual estágio da modernidade em que vivemos, uma simples ligação telefônica ou uma mensagem instantânea pela internet são suficientes para permitir a ocultação de grandes somas de dinheiro, como parece ter sido o caso."

No dia da prisão de Temer, o Ministério Público Federal afirmou ter pedido a prisão preventiva dos investigados porque o inquérito aponta "para a existência de uma organização criminosa em plena operação, envolvida em atos concretos de clara gravidade".

Os procuradores disseram também que "as apurações também indicaram uma espécie de braço da organização, especializado em atos de contrainteligência, a fim de dificultar as investigações, tais como o monitoramento das investigações e dos investigadores, a combinação de versões entre os investigados e, inclusive, seus subordinados, e a produção de documentos forjados para despistar o estado atual das investigações".

Quais acusações pesam contra Temer?

Ao todo, o ex-presidente Michel Temer é alvo de 10 inquéritos espalhados por Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, e já foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) três vezes. Nenhuma das três denúncias foi aceita ainda pela Justiça - o que significa que Temer não é réu. O ex-presidente sempre negou ter cometido qualquer irregularidade.

No inquérito que envolve a obra da usina nuclear de Angra 3, os investigadores apontam uma organização criminosa que atuou na construção da usina nuclear de Angra 3, no Rio de Janeiro, "praticando crimes de cartel, corrupção ativa e passiva, lavagem de capitais e fraudes à licitação".

"As investigações apontam que a organização criminosa praticou diversos crimes envolvendo variados órgãos públicos e empresas estatais, tendo sido prometido, pago ou desviado para o grupo mais de R$ 1,8 bilhão", afirmou o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro.

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