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Cesar Maia: 'Meu filho na Presidência da Câmara é um prêmio para Bolsonaro'

César Maia, vereador no Rio de Janeiro pelo Democratas - Ricardo Borges/Folhapress
César Maia, vereador no Rio de Janeiro pelo Democratas Imagem: Ricardo Borges/Folhapress

Júlia Dias Carneiro - Da BBC News Brasil no Rio de Janeiro

18/04/2019 06h49

Ex-prefeito e vereador do Rio opina sobre os cem primeiros dias de gestão de Bolsonaro e de Witzel no governo fluminense; para ele, governo federal tem vetores que funcionam, mas também 'coisas inacreditáveis'.

Para o ex-prefeito e vereador Cesar Maia (DEM-RJ), o governo do presidente Jair Bolsonaro tem "três vetores que funcionam", um quarto onde acontecem coisas "inacreditáveis", e um trunfo.

Os "que funcionam", segundo disse em entrevista à BBC News Brasil, são "o econômico-financeiro, que é o (ministro da Economia) Paulo Guedes; o da segurança, que é do (ministro da Justiça Sergio) Moro; e o vetor administrativo, que são os militares no Planalto".

O vetor "desorganizado" tem representantes como o ministério da Educação, que seriam alvo de influência "inacreditável" de olavistas - como são conhecidos os seguidores do escritor Olavo de Carvalho.

Já o trunfo atende por seu sobrenome e herança genética: o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Segundo Maia pai, o filho é um político com rara capacidade de ouvir e talento para negociar, conciliar, articular.

"Isso é um prêmio para o presidente da República", diz Maia pai, comparando a relação com o que o deputado do antigo PFL (hoje DEM) Luís Eduardo Magalhães foi para o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). "Ele tem esse estilo de negociação, de convencimento, de argumentação, e ele (Bolsonaro) pode discutir coisas que têm que caminhar, e aí elas andam. Só que aí de repente você tem um curto-circuito..."

Um curto-circuito ocorreu no fim de março, quando Rodrigo Maia e Bolsonaro protagonizaram uma queda de braços política, e Maia, irritado com a falta de articulação para aprovar a Reforma da Previdência no Congresso, afirmou que o presidente estava "brincando de governar".

Para Cesar, entretanto, a crise não teve consequências mais graves porque Rodrigo "sabe ouvir por uma orelha e deixar sair pela outra". "Ele dá o troco dele no momento certo, como já deu", diz o ex-prefeito. Em meio à crise, a Câmara aprovou, de supetão, uma proposta que torna obrigatória a liberação de verbas para custear iniciativas de emendas de parlamentares incluídas no Orçamento, impondo uma derrota ao governo.

Prefeito mais longevo do Rio, com três mandatos (1993-1996 e 2001-2008), Cesar Maia recebeu a reportagem em seu gabinete na Câmara dos Vereadores do Rio. Vestia um blazer xadrez sobre uma camisa listrada, calça de malha esportiva e tênis de corrida. A casa está às voltas com um processo de impeachment contra o atual alcaide, Marcelo Crivella (PRB-RJ).

Na entrevista à BBC News Brasil, Maia disse que o processo foi ensejado pelo próprio Crivella, que considera inexperiente, que o novo governador do Rio, Wilson Witzel (PSC-RJ), é um "fantasma" que "ainda não disse a que veio" e que Bolsonaro tem que adquirir "um perfil mais presidencial".

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil - Como o senhor avalia os cem primeiros dias do governo Bolsonaro?

Cesar Maia - O governo tem três vetores que funcionam. O econômico-financeiro, que é o (ministro da Economia) Paulo Guedes; o da segurança, que é do (ministro da Justiça Sergio) Moro; e o vetor administrativo, que são os militares no Planalto.

No quarto vetor, que é meio espalhado, acontecem coisas inacreditáveis como essa do ministro de Educação (o ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez foi exonerado, substituído por Abraham Weintraub), a briga com os grupos olavistas.

BBC News Brasil - O que essas rusgas trazem para o governo?

Maia - Desorganização. Como é que um ministro pode ter colocado em seu gabinete pessoas ligadas ao Olavo (de Carvalho)? Isso mostra que falta comando.

Esses três vetores são o suficiente para levar um governo para a frente? Pode ser. Mas para isso é necessário que o Bolsonaro adquira um perfil mais presidencial.

BBC News Brasil - Mais presidencial como?

Maia - Na postura, né? Na relação com o Congresso. Como o Fernando Henrique Cardoso disse, todo presidente na História do Brasil que resolveu confrontar o Congresso perdeu, e às vezes saiu. Ele tem que tomar cuidado. Ter um perfil mais presidencial. Agora pelo menos já está de terno e gravata.

BBC News Brasil - Na semana passada, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu para o STF prorrogar inquérito investigando se o senhor e seu filho teriam recebido pagamentos ilícitos da Odebrecht. Uma perícia da Polícia Federal encontrou registros indicando pagamentos de R$ 1,4 milhão pela Odebrecht para codinomes associados ao senhor e ao seu. O que o senhor tem a dizer sobre o inquérito?

Maia - O diretor da Odebrecht, em seu depoimento no Lava Jato, foi enfático. Cesar Maia, em nenhum momento. Veja o vídeo (faz referência ao depoimento do ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, que diz não ter feito pagamentos a Cesar Maia nem a Rodrigo Maia).

BBC News Brasil - Como vê o papel que seu filho tem desempenhado na presidência da Câmara?

Maia - O Rodrigo tem um personagem muito diferente do meu. Eu sou um personagem de papel, lápis, máquina de calcular. O Rodrigo é um personagem de articulação, de conversa.

Ele é dos poucos políticos que conheço com enorme poder de audiência. Ele ouve. Não sei como consegue tempo para receber tantos deputados e senadores. Passou a ter confiabilidade entre seus pares, independentemente do partido político, e tem um poder de articulação de negociação muito grande. A palavra dele passou a valer.

Isso é um prêmio para o presidente da República. É como foi com o Luís Eduardo Magalhães para o Fernando Henrique Cardoso. Ele tem esse estilo de negociação, de convencimento, de argumentação, e ele (Bolsonaro) pode discutir coisas que têm que caminhar, e aí elas andam. Só que aí de repente você tem um curto circuito...

BBC News Brasil - Quais são as consequências da briga entre ele Bolsonaro?

Maia - Se não fosse o Rodrigo, eu diria que seriam graves. Mas com o estilo do Rodrigo, vai entrar por aqui, sai por ali (aponta para a orelha). Ele dá o troco dele no momento certo, como já deu.

BBC News Brasil - O troco foi verbal ou foi a votação da PEC do Orçamento Impositivo?

Maia - Foi a ausência, por exemplo. Depois daquilo ali (as trocas de farpas recentes), a primeira vez que esteve com o presidente foi semana passada, com os prefeitos. O Rodrigo gerou um convencimento no Congresso entre todos os setores, (da) esquerda à direita, dizendo que a tarefa nesse momento é fortalecer o Congresso. Aí aprovou aquela medida (do Orçamento Impositivo). Mas vem mais coisa aí. Aguardemos.

BBC News Brasil - O senhor votou a favor da abertura do processo de impeachment do prefeito Marcelo Crivella na Câmara dos Vereadores do Rio. Acha que ele corre o risco de perder o mandato?

Maia - O tema não é tão significativo. Acho que ele vai virar os votos que precisa. Mas ouço que esse processo ainda não é o final. Pode ser que venha outro.

BBC News Brasil - Como ele chegou a essa situação?

Maia - Acho foi uma montagem de seu próprio governo. Pelas mudanças, pelas trocas que ele fez. Ele indica e depois exonera. Nomear indicados de vereador e depois retirar é uma coisa pesada para o vereador. E estou falando de vereadores de porte aqui dentro, com muitos anos de casa.

Isso foi gerando uma desorganização e uma relação muito ruim. Foi desmontando (sua base de apoio). Mesmo dentro da política de clientela, ele foi perdendo autoridade juntos aos vereadores.

BBC News Brasil - Como o senhor vê sua gestão?

Maia - Ele (o Crivella) foi pastor da Igreja Universal por muitos anos, virou cantor famoso de igreja, os discos vendiam um milhão de cópias, era um troço grande. Ficou muito popular e se candidatou a senador. Foi eleito, outra vez foi eleito. Mas a especialidade dele não é essa.

BBC News Brasil - Não é o quê, a política?

Maia - É ser pastor, fazer disco. Isso ele faz bem. Falta experiência para ele enfrentar uma prefeitura como a do Rio, com todos os problemas que tem.

Então ele foi perdendo crédito junto aos seus. A maior perda que ele teve foi a de credibilidade junto aos funcionários da prefeitura. Ele não tem controle sobre o pessoal, não mobiliza o seu pessoal.

BBC News Brasil - As chuvas desta semana atrapalharam mais, aumentam o desgaste?

Maia - Claro. Ele está cercado de pessoas que não têm experiência política. Ele apareceu na TV sempre arrumadinho, procurando falar de uma forma tranquila. Mas você não via ele na rua.

BBC News Brasil - As chuvas na semana passada levaram ao desabamento de dois prédios na comunidade da Muzema, em área dominada por milícias. De quem é a culpa?

Maia - Do construtor, e por isso deve pagar.

BBC News Brasil - O senhor foi acusado condescendência em relação a milícias como prefeito. Acha que falhou ao não tomar ações para combater a atuação desses grupos durante a sua gestão?

Maia - De Lampião até hoje, tivemos as milícias, a polícia mineira, o cangaço etc. São 400 anos dessa prática. Atuei ao nível de minhas responsabilidades, que não eram policiais.

BBC News Brasil - Como o senhor vê as coincidências que surgiram entre o senador Flavio Bolsonaro e milicianos? Como deputado, ele homenageou PMs hoje denunciados como milicianos, e contratou em seu gabinete a mãe e a esposa de um deles (o ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, foragido, acusado de comandar milícias em Rio das Pedras e na Muzema).

Maia - Acho que com o tipo de política que eles fazem, de agressividade, de "prende, arrebenta", suas relações são com pessoas que pensavam como eles. Não sei se isso significa que eram milicianos.

No caso do Flavio, são muitos casos. Tem os recursos tirados do gabinete, aquele um milhão (o R$ 1,2 milhão movimentado por Fabricio Queiroz, que foi motorista e segurança de Flavio Bolsonaro). Mas para isso tem polícia e Ministério Público. O MP prosseguiu com a investigação. Vamos ver o que vão fazer.

BBC News Brasil - Mas o senhor vê algum tipo de proximidade?

Maia - Aí depende do que você chama de milícia. Porque milícia tem uma curva de reconhecimento por parte dos moradores de que era uma necessidade. Estou falando de 15, 18 anos atrás, quando as milícias entravam e proibiam o tráfico de entrar na comunidade. Então eram vistas positivamente. O policial tinha um risco grande de morar em um lugar e ser assassinado pelo tráfico. Em função disso, foram construindo uma autodefesa, com policiais aposentados, combatendo o tráfico, defendendo suas famílias.

Depois passaram a ter uma ação de ganhos, financeira, de extorsão. Devem ter percebido que era mais fácil do que imaginavam, e aí entra essa curva de extorsão que a gente está vivendo aí, com todos os problemas.

BBC News Brasil - Quando prefeito, o senhor dizia que as milícias eram melhores que o tráfico. Elas estão superando o tráfico como o grande problema do Rio?

Maia - Não. Continua sendo tráfico. As milícias passaram a ser um problema porque fazem extorsão.

BBC News Brasil - Mas podem ter mais facilidade de se misturar ao poder do Estado e entrar na política. Isso não pode representar uma ameaça maior?

Maia - O tráfico trabalha numa comunidade vendendo drogas para pessoas de fora. Milícia é diferente. Ela produz algum tipo de benefício para as pessoas de dentro, casa, carro, motoboys... O tráfico é percebido como um problema gravíssimo, enquanto a milícia é percebida, parcialmente, não como um problema, mas como uma solução para a garotada, arranjar negócio de moto, e tal...

BBC News Brasil - As milícias também são um problema gravíssimo. Extorquem, banem moradores, executam quem vai contra.

Maia - O que eu estou dizendo é por que elas têm voto. É porque, dentro da comunidade, elas também produzem benefício. O tráfico não produz benefício nenhum, porque o negócio deles vem de fora para dentro. O negócio da milícia é de dentro pra dentro. Se não, não teria voto.

BBC News Brasil - Existem vereadores na Câmara ligados à milícia?

Maia - Eu não sei. Se eu soubesse, eu ia lá no Ministério Público e denunciava.

BBC News Brasil - Na semana passada se completaram cem dias da gestão de Wilson Witzel. Como vê o início de seu governo?

Maia - Impossível dizer. Eu nunca tinha ouvido falar no senhor Witzel (pronuncia 'Uitzel'). E olha que estou na política desde garoto e tenho 73 anos. Fui surpreendido quando apareceu no debate na TV um senhor Witzel. Ele tinha 1 ou 2% de intenções de votos, nem se deu bola. Não posso opinar sobre um fantasma.

Agora que ele começou a governar, deixa de ser um fantasma. Vamos esperar. Não dá para antecipar o que vai ser.

BBC News Brasil - Ele tem posturas polêmicas sobre segurança pública, defendendo a atuação de snipers para matar bandidos.

Maia - Ele fica falando em dar tiros na cabeça, deve achar isso um elemento de promoção. Agora mesmo com o caso dos 80 tiros (o músico Evaldo dos Santos Rosa morreu depois que militares do Exército fuzilaram o carro em que ia com a família para um chá de bebê), ele disse não queria fazer juízo de valor.

Você tem o prefeito da capital que é uma figura meio inerte. Você tem o governador que ainda não disse a que veio. O que vai acontecer com o Estado?

BBC News Brasil - No enterro de Evaldo, amigos associaram seu assassinato ao discurso agressivo do presidente. O senhor acha que as posturas de Bolsonaro e Witzel podem fomentar violência entre agentes do Estado?

Maia - Havendo esse tipo de discurso, a associação é inevitável. É provável que os soldados tenham atirado mobilizados pela ideia de que nada vai acontecer, porque esse é o clima que cerca o governo do Estado e o governo federal. Os caras podem ter se animado com o que estão vendo na televisão. Espero que coloquem um freio nessa ideia, com uma investigação contundente sobre a ação do Exército.

Se os soldados forem presos, condenados, os outros que estão entusiasmados em ser o sniper da vez vão pensar: "Peraí. Eles dizem essas coisas, mas não protegem a gente. Vou ficar na minha."

Vão ver que não é assim, não. Que não é: "Mata e fica por isso mesmo". Esse caso é emblemático e exige esclarecimento o mais rápido possível. Não é tão difícil assim, né. São 80 tiros, afinal de contas. Que esclareçam, para ficar como referência.