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Lava Jato é maior que Moro, Dallagnol e Lula, dizem professores de Harvard e Oxford

Imagem: Andre Coelho/Folhapress

Fernanda Odilla

Da BBC News Brasil em Londres

15/06/2019 06h44

Professor do Departamento de Política e Relações Internacionais de Oxford, Ezequiel Ocantos, em sua mais recente pesquisa, colocou pessoas sentadas lado a lado para falar sobre operação Lava Jato no Recife (PE).

No estudo, que ainda está em fase de análise dos dados, o pesquisador também ouviu participantes defenderem que a operação dure "para sempre" e que cada estado brasileiro tenha uma Lava Jato para chamar de sua.

Ocantos, que em sua pesquisa busca entender a qual a percepção brasileira a respeito da maior operação anticorrupção do Brasil em parceria com Nara Pavão, professora da Universidade Federal de Pernambuco, diz que a marca Lava Jato já é hoje maior que o Judiciário. Ou seja, vai além do ex-juiz e atual ministro Sergio Moro ou que o Ministério Público Federal.

"Com certeza, a Lava Jato é maior que Moro. Já é percebida como uma instituição, quase um poder separado", diz o professor, que nasceu na Argentina, fez graduação e mestrado na Universidade de Cambridge e é doutor em Ciência Política pela Universidade Notre Dame (EUA).

O americano Matthew Stephenson, professor de Direito de Harvard e ex-assessor de um juiz da Suprema Corte americana, concorda que a percepção do público a respeito da operação transcende Moro e vai além da atuação da força-tarefa comandada pelo procurador Deltan Dallagnol. Stephenson diz ainda que a Lava Jato também é "maior que Lula".

"Entendo que Lula é um político muito influente e uma figura muito carismática no Brasil, mas essa operação é muito maior. É compreensível que na narrativa anticorrupção as pessoas se concentrem em indivíduos porque nós procuramos por heróis e vilões. Mas a Lava Jato é tão grande que tem o potencial para mudar as instituições", diz Stephenson, que tem se dedicado a pesquisar corrupção e separação dos Poderes.

Efeito dos vazamentos na Lava Jato

No entanto, nem Stephenson nem Ocantos dizem saber dimensionar que efeito os vazamentos das conversas entre Moro e Dellagnol terão sobre a "marca" da operação.

Divulgadas pelo site "The Intercept Brasil", do jornalista Glenn Greenwald, trechos das mensagens trocadas entre o então juiz e o procurador sugerem que Moro orientou ações e cobrou novas operações dos procuradores por meio de Dallagnol, o que, segundo o "Intercept", daria um viés partidário às ações contra o ex-presidente Lula.

Nesta sexta (14), o "The Intercept Brasil" divulgou nova suposta conversa de Moro, de maio de 2017, em que o então juiz teria sugerido a procuradores do MPF (Ministério Público Federal) uma ação para rebater a defesa do ex-presidente Lula após depoimento do petista à Lava Jato.

Ocantos admite que a imagem de Moro, que no final de 2018 abandonou a carreira de juiz para fazer parte do primeiro escalão do presidente Jair Bolsonaro, ainda está muito associada à operação. "A operação [...] ainda está muito associada à figura de Moro, que incorporou a marca. Por isso, a grande pergunta é se é uma marca forte suficiente para resistir a esse escândalo".

Para o pesquisador, é possível, por exemplo, que os acontecimentos recentes só reforcem as imagens contra e a favor que as pessoas têm da operação.

"Eu acho que é uma pergunta aberta, não sei a resposta. Não está claro o que vai acontecer", diz Ocantos. "Os que são a favor podem pensar: claro que eles [Moro e procuradores] tinham que fazer isso para combater a corrupção. E os que já viam problemas na Lava Jato podem dizer: claro que tem viés", completa o argentino.

Já Stephenson diz ser importante saber quantos são os que apoiam a operação mas não têm uma postura passional em relação à Lava Jato.

"Se eu fosse brasileiro e não tivesse analisado as conversas [vazadas] de forma cuidadosa como eu tentei fazer, eu seria o tipo de pessoa que teria mudado minha postura porque eu sou simpático à campanha anticorrupção e as evidências do vazamento indicam que é tudo política. Mas não sei como as pessoas estão vendo isso", diz o professor de Harvard.

Stephenson, que inicialmente interpretou os diálogos como "uma chocante e imperdoável quebra de ética do então juiz Moro" e um "erro de avaliação" do procurador num texto publicado no blog criado por ele, recuou e afirma ter usado "palavras fortes demais". Para o jurista, nem todos os diálogos "são tão graves quanto o 'Intercept' parece mostrar".

O professor prepara um novo post para o blog Global Anti-Corruption, uma referência para quem estuda o tema da corrupção, no qual faz uma reflexão sobre a possibilidade de parte das conversas entre Moro e Dallagnol terem sido travadas na fase investigativa e não durante o julgamento --e por que, segundo ele, isso pode não ser interpretado como uma contundente evidência de que Moro agiu de forma completamente irregular.

Apesar de baixar o tom das críticas, o professor diz ainda ficar incomodado com a troca regular de mensagens entre um juiz e um procurador e também com o tom de algumas das conversas que, segundo ele, sugerem um teor "excessivamente colaborativo".

'Fora do personagem'

Para Ezequiel Ocantos, as gravações divulgadas são como "uma mosca na sala", que nos permitiu ver os procuradores e o juiz "fora do personagem".

"Acho que essa é a importância do evento [das gravações]. Mais do que estarem agindo ou não de forma justa, eles estão agindo fora do personagem, de uma forma que a gente não espera que se comportem", avalia o professor, dizendo que a revelação das conversas escancarou uma relação que até se podia imaginar que existia, mas que não era aberta.

Ele pondera, contudo, que personagens como Moro e Dallagnol dificilmente vão gerar consenso porque miram figuras públicas que dividem opiniões.

"Aqueles que gostam das pessoas vão achar que a decisão é errada e as que não gostam vão achar que as decisões são as corretas, mesmo que tomada pelo mesmo juiz. É muito difícil serem percebidos como imparciais", avalia.

Leituras distintas

Ocantos cita ainda que a própria dinâmica do trabalho em um caso como a Lava Jato pode ter leituras completamente distintas. O professor diz que é esse o caso dos diálogos dos procuradores sobre a entrevista do ex-presidente Lula antes das eleições.

Segundo as conversas divulgadas pelo "The Intercept Brasil", procuradores da força-tarefa em Curitiba, liderados por Deltan Dallagnol, discutiram formas de inviabilizar uma entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizada à colunista Mônica Bergamo, da "Folha de S.Paulo", em setembro do ano passado.

Os diálogos sugerem que, para os procuradores, a entrevista, que havia sido autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, poderia "eleger o [Fernando] Haddad" ou permitir a "volta do PT" ao poder.

Nas conversas no grupo divulgadas pela publicação, eles discutiram a possibilidade de impedir a entrevista ou qual formato traria menos benefícios políticos para Lula.

"Você pode ler os chats sobre a entrevista do Lula de dois jeitos. Pode pensar que eles odeiam Lula, que são completamente enviesados, e contra ele. Mas pode achar que, se [os procuradores] querem que a investigação sobreviva, pensam na melhor chance para isso: um governo que vai querer parar a investigação ou outro que não", avalia. "Talvez seja uma mistura dos dois", opina.

Já Stephenson diz ter ficado "desapontado" em ver procuradores que respeita "fazendo pouco caso dos valores de uma imprensa livre", ao defenderem que Lula não falasse ao jornal "Folha de S.Paulo" antes das eleições.

"Por um lado, fiquei preocupado com vários aspectos das mensagens, porque discordo das conclusões políticas e legais da equipe da Lava Jato, e, o mais importante, porque me incomodei com procuradores falando tão abertamente sobre sua esperança de que um lado, em vez de outro, vença uma eleição", escreveu o professor de Harvard no blog.

Para Stephenson, contudo, "a hostilidade ao PT pode ter resultado dos ataques implacáveis do PT à operação Lava Jato, incluindo ameaças de fechamento e denúncias pessoais dos promotores."

Razões para questionamento

Diferente de Ocantos e de Stephenson, o professor no Centro para Estudos Globais da Universidade de Nova York (NYU), Patrício Navia, afirma que a credibilidade da Lava Jato fica comprometida diante dos vazamentos. "Há motivos suficientes para questionar os resultados da operação, diz.

"Se uma pessoa é julgada e condenada por acusações de homicídio e, em seguida, há evidências de que os promotores adulteraram as evidências, a decisão provavelmente será anulada. Este não é o resultado da pessoa não ser culpada, mas a violação do devido processo é suficiente para anular a decisão", afirma Navia.

"Pelo menos, no que diz respeito ao impacto político, a credibilidade de todo o processo está em dúvida. Isso será amplamente usado pelos defensores de Lula que afirmaram que todo o processo foi politicamente motivado", completa o professor da NYU.

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