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Um encontro com pais que não querem vacinar seus filhos

Stephanie Hegarty - BBC

24/06/2019 14h59

Na Itália, a questão da vacinação obrigatória se tornou um tema quente que mobiliza pais e políticos.

Cerca de 500 pessoas se reuniram na sala de conferência de um hotel de médio porte para ouvir um médico que já foi desmascarado falar.

Ele sobe no palco sob fortes aplausos, fazendo reverência e acenando para o público como uma espécie de celebridade.

O evento, realizado na periferia da cidade universitária de Pádua, na Itália, está lotado. E a plateia é variada - pessoas mais velhas e jovens casais se cumprimentam como amigos de longa data.

Andrew Wakefield atuava como endocrinologista no Reino Unido em 1998, quando publicou um estudo fraudulento ligando à vacina SCR (que protege contra sarampo, caxumba e rubéola) ao autismo.

Desde então, seu trabalho foi desacreditado e desmentido por vários estudos - e ele perdeu o registro médico no Reino Unido.

Mas ainda é capaz de atrair uma multidão. Especialmente na Itália, onde as vacinas se tornaram um grande problema nos últimos anos.

Cerca de 8% dos italianos não acreditam que as vacinas sejam necessárias, de acordo com um relatório da instituição Wellcome Trust.

Tema quente

Fomos até a Itália para tentar entender por que as pessoas estão optando por não vacinar os filhos mesmo que evidências científicas mostrem que as vacinas nunca foram tão seguras - ou eficazes.

E também para descobrir por que um homem que foi desmascarado e desacreditado por um estudo científico falso parece estar "renascendo" por aqui.

Durante as eleições na Itália no ano passado, as vacinas foram um tema quente.

Em 2017, o país enfrentou um surto de sarampo e o governo promulgou uma lei para aumentar o número de vacinas infantis obrigatórias de quatro para dez.

Os pais que levam crianças não vacinadas à escola têm de pagar multas de até 50 euros (cerca de R$ 216) por dia. É um das legislações mais rigorosas de vacina na Europa.

Os partidos populistas, que venceram a eleição, fizeram uma campanha contra a lei - mas ainda não conseguiram revogá-la. E ela está sendo rigorosamente aplicada na cidade litorânea de Rimini, não muito longe de Pádua, onde nos encontramos com Silvia Forasassi.

Dúvidas

Em um apartamento com vista para o mar e a basílica de Rimini, quatro pessoas - duas mães e dois pais - se sentaram em um grande sofá vermelho, prontos para explicar por que não concordam com a lei.

Silvia decidiu não vacinar o filho porque, aos três meses de idade, ele estava abaixo do peso. Ela estava preocupada, mas os médicos a aconselharam a seguir em frente e dar as primeiras vacinas.

Quanto mais ela falava sobre suas dúvidas, recorda Silvia, mais insistentes eles eram - chegaram a dizer, inclusive, que ela estava sendo egoísta.

Seis anos depois, seu filho ainda não foi vacinado. E não pode ir à creche porque ela não tem dinheiro para pagar a multa.

Silvia nos mostra vídeos no YouTube com conteúdos que reforçam seus medos em relação às vacinas.

E tem o cuidado de dizer que não se opõe necessariamente às vacinas, mas é contra a ideia de as crianças tomarem muitas ao mesmo tempo.

Fatos alternativos

Em uma poltrona roxa ao lado dela, Vincenzo Drosi concorda.

"Não tiramos isso da bola de cristal de um feiticeiro."

"É ciência", diz ele.

Depois, ele me enviou por e-mail links de pseudo-cientistas que levantaram dúvidas sobre as vacinas - a maioria dos artigos não passou pela revisão de pares.

Alienados pelas autoridades, esses pais se voltaram uns para os outros - e para a internet - mergulhando em uma série de "fatos alternativos", em grande parte errados cientificamente.

Enquanto conversávamos, duas irmãs de Silvia se sentaram ao fundo cochichando de tempos em tempos com ela.

Disseram que não queriam ser entrevistadas, e mais tarde descobrimos que estavam processando o prefeito de Rimini pelo cumprimento da lei de vacinação.

Ameaças de morte

O prefeito, Andrea Gnassi, se tornou um herói daqueles que apoiam as vacinas obrigatórias ao enfrentar pais como Silvia e suas irmãs.

Nós nos encontramos na praça principal de Rimini, onde ele começa a falar sobre o renascimento cultural que planejou para a cidade.

Em seguida, entramos no assunto das vacinas. O prefeito é duro com aqueles que se opõem ao plano de vacinação do governo.

"O movimento antivacinas é uma espécie de seita", diz ele, "impulsionado por pessoas com fins lucrativos, como advogados".

Ele recebe regularmente ameaças de morte nas redes sociais.

Ao longo da entrevista, um fotógrafo está tirando fotos ao fundo. Logo depois, o prefeito manda as fotos para o jornal local - inadvertidamente, somos envolvidos em sua campanha de relações públicas, que promove sua batalha contra o movimento antivacinas.

Combate às notícias falsas

Andrea Gnassi falou sobre um muro que estava sendo erguido nas escolas entre filhos de pais antivacina e aqueles que são vacinados.

Mas não pude deixar de pensar em outro muro que ele não mencionou, mas que estava construindo entre as autoridades e os pais que têm medos genuínos, embora infundados, sobre as vacinas.

E isso ficou ainda mais evidente quando conhecemos Jenny Arduini, uma jovem mãe que trabalha na área de tecnologia.

Ela era contra as vacinas até se deparar com um médico na internet que, ao contrário de outros especialistas, conseguiu sanar suas dúvidas.

Em uma longa troca de mensagens no Facebook, o médico ajudou Jenny a deixar de lado o conteúdo antivacina, provando que estava incorreto. E ela está convencida disso agora.

"Se os médicos estivessem preparados para explicar as coisas aos pais", diz Jenny, "esse problema de notícias falsas na internet não existiria".

Tudo indica que, quando se quebra a confiança entre pais, médicos e autoridades, os fatos podem ser sempre desafiados por crenças.


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