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Lula pode ser solto? Os argumentos da defesa para tentar libertação do ex-presidente

25/06/2019 17h50

A segunda turma do STF julga hoje dois pedidos de habeas corpus feitos pela defesa. Um deles questiona a imparcialidade do juiz Sergio Moro; o outro é contra uma decisão do relator da Lava Jato no STJ, ministro Felix Fischer.

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando nesta terça-feira (25) dois pedidos de habeas corpus feitos pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se acatados, permitirão que o ex-presidente saia da superintendência da PF em Curitiba, onde está preso desde abril de 2018.

A análise dos pedidos acontece depois de um vaivém na pauta do Supremo. Marcado para esta terça, o julgamento chegou a ser adiad, mas foi retomado a pedido do advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins.

A defesa do ex-presidente argumentou que um dos habeas corpus já começara a ser julgado (em dezembro do ano passado) e que se trata de um réu idoso - ambas as situações lhe dão prioridade na pauta. Além disso, dizem os advogados, o julgamento tem prioridade pois Lula está preso há mais de 440 dias.

Os ministros da Segunda Turma do STF - Edson Fachin, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello - decidiram acolher o pedido dos advogados e julgar hoje os habeas corpus.

Há dois pedidos sendo analisados: um que afirma que Lula não teve um julgamento justo pois o juiz Sergio Moro não agiu com imparcialidade e outro que questiona uma decisão de Felix Fischer, relator da Lava Jato no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O primeiro HC: decisão do STJ

O primeiro habeas corpus a ser analisado é contra uma decisão do ministro Fischer.

No dia 23 de novembro de 2018, o ministro do STJ decidiu negar monocraticamente - isto é, sozinho - um pedido anterior da defesa de Lula - que também questionava vários pontos do julgamento do processo relativo ao tríplex do Guarujá (SP).

Neste pedido, mais antigo, a defesa do petista alegava não só que Moro seria suspeito para julgar o ex-presidente, mas também apontava outras supostas falhas no processo.

"Este habeas corpus é contra a decisão monocrática do relator, no STJ (Felix Fischer). Ele negou seguimento ao recurso especial (da defesa de Lula). Há previsão sim para que o recurso especial seja negado monocraticamente, mas em situações excepcionais, previstas em lei", diz o professor de Direito e advogado criminalista Fernando Castelo Branco, da Escola de Direito do Brasil (EDB).

"E o que a defesa do Lula alega é que não foram observados esses procedimentos e essas excepcionalidades. Que no caso do Lula, não dava para ser decidido monocraticamente, teria que ser analisado de forma colegiada", diz ele.

"A base estrutural do pedido passa também, a exemplo do outro pedido de habeas corpus, sobre a falta de imparcialidade do magistrado, dentre várias outras questões que poderiam causar a nulidade (do processo). Logo nas primeiras páginas do HC há uma lista de leis e normas que teriam sido infringidos", diz Castelo Branco.

Também advogado criminalista, João Paulo Martinelli explica alguns dos pontos do pedido original de Lula. "A defesa, basicamente, alega que a sentença contradiz a denúncia (do Ministério Público Federal) em muitos pontos, que o juiz (Moro) não ficou restrito à acusação feita pelos procuradores e que reconheceu que não havia envolvimento de contrato com a Petrobras, o que, em tese, deveria tirar o processo de Curitiba", diz ele.

O segundo HC: imparcialidade de Moro

Um dos pedidos que estão sendo julgados hoje foi apresentado em novembro de 2018, quando o então juiz Moro aceitou o convite para ser ministro da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro.

Nesse habeas corpus, os advogados de Lula dizem que Moro "sempre revelou interesse na condução do processo e no seu desfecho".

A defesa usa como argumento o fato de o juiz ter aceitado a proposta de fazer parte do governo eleito. Os advogados afirmam que a entrada de Moro no governo Bolsonaro seria um indício de que ele agiu com parcialidade no julgamento do ex-presidente - que foi condenado e, por isso, impedido de concorrer nas eleições presidenciais de 2018.

Para a defesa de Lula, Moro teria agido com a intenção de beneficiar os adversários políticos do petista e a aceitação do cargo de ministro do "atual Presidente da República que foi beneficiado pela condenação de Lula" seria prova disso. "Além de seu opositor político, [o atual presidente] já defendeu que o ex-presidente deve 'apodrecer na cadeia'", diz o documento.

A defesa critica também o fato de Moro ter determinado a condução coercitiva de Lula em 2016, mesmo sem ter previamente intimado o petista a depor, e "diversas outras medidas excepcionais com o objetivo de rotular Lula como culpado antes do processo e do seu julgamento".

Outro ponto questionado pelos advogados é a autorização dada por Moro para um grampo no escritório de advocacia Teixeira Martins, que defende o ex-presidente.

Os advogados também dizem que Moro atuou para evitar que fosse cumprida a determinação do desembargador Rogério Favreto para soltar Lula, feita durante um plantão judicial.

Por fim, a defesa diz que Moro divulgou informações sigilosas do processo - supostamente, com o objetivo de interferir nas eleições presidenciais. Um exemplo seriam as conversas interceptadas do petista com seus familiares e a delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci.

No dia 9 de junho, o site The Intercept divulgou diálogos que teriam ocorrido entre Moro e integrantes da força-tarefa da Lava Jato. As conversas mostram o juiz dando conselhos sobre a operação e sugeriria testemunhas. Embora o pedido de suspeição de Moro feito não se baseie nas mensagens, juristas ouvidos pela BBC dizem que elas reforçam o argumento da defesa.

Em 13 junho, os advogados fizeram um adendo ao habeas corpus dizendo que as reportagens publicadas pelo Intercept remetem à "conjuntura e minúcias das circunstâncias históricas em que ocorreram os fatos comprovados nos autos", mas depois soltaram uma nota reforçando que o HC não se baseia nas mensagens e dizendo que a reportagem "tem conteúdo público e notório".

"A ação constitucional está amparada em graves fatos que antecederam as reportagens do The Intercept e que já são mais do que suficientes para evidenciar que o ex-presidente Lula não teve direito e um julgamento justo, imparcial e independente - o que deve resultar na anulação de todo o processo contra ele instaurado, com o restabelecimento de sua liberdade plena", dizem os advogados.

Como o teor das conversas foi obtido ilegamente, há dúvida sobre se eles podem ou não ser admitidos como prova em benefício do réu.

Se a Segunda Turma do STF acolher o pedido para considerar Moro suspeito, as decisões dele nos processos contra Lula julgados por ele serão consideradas nulas e o ex-presidente pode deixar a cadeia.

Quais as chances de Lula na Segunda Turma do STF?

Não é de hoje que Lula tem questionado a imparcialidade de Moro. Recursos nesse sentido já foram rejeitados no TRF-4, no STJ e no próprio Supremo. Para a defesa, porém, as chances agora são maiores, porque se trata de um habeas corpus amplo discutindo a imparcialidade de Moro.

Em março, por exemplo, a Segunda Turma rejeitou por unanimidade um pedido da defesa pela suspeição do ex-juiz, mas se tratava de um agravo regimental em recurso extraordinário. Na ocasião, os ministros entenderam que aquele tipo de recurso não permitia fazer uma análise profunda do processo do tríplex do Guarujá para avaliar a conduta de Moro.

"Agora, nós estamos em sede de habeas corpus. Então, existe uma liberdade maior para que o Tribunal possa analisar as provas que apresentamos de suspeição do ex-juiz Sergio Moro", afirma o advogado de Lula, Cristiano Zanin.

O professor de direito da USP Gustavo Badaró concorda que o HC dá espaço para uma análise mais ampla do caso no STF. Ele, no entanto, não vê um cenário fácil para Lula na Segunda Turma. Na sua avaliação, o cenário político vai interferir na decisão dos ministros.

"A questão jurídica deveria ser independente se o HC é do Lula ou do Zezinho. Deveria se verificar se esse conteúdo de diálogo compromete ou não a parcialidade do Moro, seja quem for o réu. Mas eu não vejo que nesse julgamento a questão jurídica possa se desvencilhar da questão política", analisa.

"O peso de anular, nessa altura do campeonato, uma condenação do Lula seria tremendo. Basta ver que, se a condenação do Lula for nula, ele não estaria impedido de disputar a eleição presidencial. Criaria uma instabilidade brutal", ressaltou ainda.

Celso de Mello será voto decisivo?

Cármen Lúcia e Fachin, relator da maioria dos casos da Lava Jato, já votaram contra o recurso de Lula questionando a imparcialidade de Moro.

Como o julgamento ainda não foi concluído, eles podem mudar seus votos, caso avaliem haver fatos novos. No entanto, isso parece improvável, dado o histórico de ambos em favor da Lava Jato.

Do outro lado, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, ministros que têm postura mais crítica em relação à operação, devem votar pela suspeição de Moro.

Mendes, inclusive, já declarou publicamente que as conversas reveladas pelo The Intercept Brasil apontam para atuação "criminosa" do então juiz e devem levar à anulação da condenação de Lula.

Por isso, a grande expectativa, nota Badaró, está no voto do ministro Celso de Mello. Ele tem sido o fiel da balança em julgamentos da Lava Jato quando há divergências na Segunda Turma.

Conforme levantamento do jornal Estado de S. Paulo, desde setembro, quando Cármen Lúcia entrou na Segunda Turma no lugar do atual presidente do STF, Dias Toffoli, Celso de Mello acompanhou em 75% dos casos da Operação Lava Jato os votos de Fachin. Cármen Lúcia, por sua vez, votou acompanhando o relator em todas as situações.

Já Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski foram os que mais discordaram de Fachin, tendo acompanhado o relator em 50% e 45,5% dos casos, respectivamente.

Um precedente que pode dar pistas sobre os votos é um habeas corpus que discutiu em 2013 a imparcialidade de Moro quando julgou questões relacionadas ao escândalo do Banestado.

Naquele julgamento, a Segunda Turma decidiu por quatro votos a um não considerar Moro suspeito, mas recomendar ao Conselho Nacional de Justiça que investigasse sua conduta.

A sugestão de investigação foi feita por Gilmar Mendes e acompanhada por Lewandowski e mais dois ministros que não estão mais na Corte - Eros Grau (aposentado) e Teori Zavascki (falecido).

Na ocasião, Celso de Mello foi o único que acolheu o pedido do doleiro Rubens Catenacci para considerar Moro suspeito.

Na visão do ministro, constituiu "séria ofensa ao dever de imparcialidade judicial" a decisão de Moro de monitorar voos do advogado do réu para garantir o cumprimento de um mandado de prisão.

Apesar desse precedente desfavorável a Moro, Badaró diz que não é possível "bater o martelo" sobre o voto do decano no HC de Lula.

"Apesar de Celso de Mello ser visto com um ministro garantista, ele tem se mostrado mais punitivista quando julga casos concretos da Lava Jato", nota o professor.


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