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Os números e medidas que revelam o tamanho da crise na fronteira entre EUA e México

26/06/2019 15h39

Morte de pai e filha que tentavam cruzar a fronteira de denúncia de condições degradantes em centro de detenção acirram debate sobre migração nos EUA; cifras mostram, porém, que números dessa crise estão bem abaixo do patamar dos anos 2000.

A crise migratória na fronteira entre EUA e México ganhou novos contornos com mais duas trágicas mortes e mais debates em torno do tratamento dado às crianças migrantes vindas da América Central.

Os salvadorenhos Óscar Alberto Martínez Ramírez, de 25 anos, e a filha Angie Valeria, de quase dois anos, morreram afogados no domingo, enquanto tentavam atravessar o Rio Grande, na divisa entre os dois países. A imagem dos corpos, registrada pela jornalista Julia Le Duc, rodou o mundo e virou símbolo da tragédia humanitária na fronteira.

Ao menos 283 migrantes morreram tentando chegar aos EUA em 2018, segundo a Patrulha de Fronteira americana, mas ativistas de direitos humanos afirmam que essa cifra provavelmente está subestimada.

No âmbito político, na noite de terça-feira, a maioria democrata na Câmara dos Representantes dos EUA conseguiu aprovar um fundo emergencial de US$ 4,5 bilhões em ajuda humanitária e segurança na fronteira, embora seja possível que o dinheiro acabe vetado pelo Senado, de maioria republicana.

"Vamos garantir que crianças (detidas na fronteira) tenham comida, roupa, itens sanitários e atendimento médico", afirmou a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi.

A proposta ocorre depois de a advogada Elora Mukherjee, diretora da Clínica de Direito dos Imigrantes da Escola de Direito Universidade de Columbia, ter visitado um dos centros onde ficam detidas crianças migrantes, e ter encontrado "as condições mais degradantes e nojentas que se pode imaginar".

"Trabalho com crianças e famílias migrantes há mais de 12 anos e nunca tinha visto condições tão desumanas quanto as que vi (no centro de detenção)", disse ela a jornalistas.

"As crianças estavam famintas, sujas, doentes, assustadas e todas as que eu entrevistei estavam detidas por mais do que as 72 horas limitadas por lei. As crianças não tinham acesso a sabão para lavar as mãos. A maioria não tomava banho havia semanas, desde que cruzaram as fronteiras. (...) Suas roupas estavam sujas de fluidos humanos, de catarro e muco. Suas calças tinham urina."

O tratamento concedido pelo governo americano às crianças migrantes parece estar por trás do pedido de demissão de John Sanders, que era comissário interino da Agência de Proteção da Fronteira dos EUA.

Embora Sanders não tenha oficialmente dado uma razão para sua saída, é sabido que o órgão está sobrecarregado com a crise migratória.

Na semana passada, ele havia pedido ajuda ao Congresso americano, afirmando que sua agência não tem recursos financeiros para transportar os migrantes para fora dos centros de detenção.

Sanders deverá ser substituído por Mark Morgan, diretor interino de outra agência que lida com a questão das fronteiras. Em entrevista à emissora CBS na terça-feira, Morgan afirmou que não acredita haver um "problema sistêmico" nos centros de detenção, embora tenha admitido que "há questões que podem ser melhoradas".

O presidente dos EUA, Donald Trump, por sua vez, tem usado o termo "invasão" para descrever a situação na fronteira com o México. Em fevereiro, ele declarou uma emergência nacional para exigir fundos para a construção de um muro na divisa.

Seus opositores, porém, afirmam que Trump "fabricou uma crise".

A seguir, veja os números que colocam essa crise em contexto.

Quantas pessoas estão cruzando a fronteira irregularmente?

É impossível calcular o número exato, mas a Patrulha de Fronteira dos EUA diz ter feito 593.507 detenções na fronteira sul dos EUA desde outubro de 2018. No ano fiscal anterior, esse número havia sido de 303.916.

No primeiro ano do governo Trump, houve uma grande queda no número de detenções de imigrantes nas fronteiras, mas o ano passado registrou aumento. Em maio, por exemplo, a cifra de detidos alcançou o maior nível desde 2006, com 132.887 pessoas - sendo 11,5 mil delas crianças desacompanhadas.

O projeto da ONU Migrantes Desaparecidos relata que 170 migrantes morreram ou estão desaparecidos na fronteira EUA-México apenas em 2019, e 13 deles são crianças.

No entanto, a série histórica mostra que essas cifras já foram bem maiores: no ano 2000, por exemplo, passou de 1,6 milhão a quantidade de migrantes apreendidos na divisa. Mesmo em 2006, esse número superava 1 milhão de pessoas.

Para Jacinta Ma, diretora do Fórum Nacional de Imigração, organização de defesa dos direitos dos migrantes, o fluxo e as apreensões não configuram uma crise.

"Mesmo com o aumento nas apreensões no ano passado, o número é menor do que nos anos 2000", diz.

A maioria das entradas ilegais ocorre na fronteira sul dos EUA?

Travessias irregulares não estão limitadas à fronteira sul americana - em 2017, por exemplo, houve 3.027 detenções na fronteira canadense e outras 3.588 detenções na costa.

Embora as manchetes se concentrem nos migrantes que cruzam as fronteiras, a maior parte da migração irregular nos EUA se refere a migrantes que já estão dentro e ficam no país mesmo após seus vistos expirarem. É o que acontece desde 2007, segundo as estatísticas.

Em 2016, foram registradas 739.478 permanências ilegais nos EUA, contra 563.204 cruzamentos irregulares de fronteira.

É importante notar também que, de acordo com o centro de pesquisas Pew, o número de imigrantes que moram ilegalmente nos EUA caiu desde 2007, em grande parte devido à queda na imigração vinda do México.

No total, o Pew estima que, em 2016, 10,7 milhões de migrantes não autorizados estavam morando nos EUA.

Quantas pessoas tentam cruzar a fronteira legalmente?

As cifras oficiais de detenções incluem pedidos de refúgio. No ano fiscal de 2018, houve 92.959 pessoas que fizeram pedidos de refúgio, um considerável aumento em relação ao ano anterior (55.584).

Kate Jastram, integrante do Centro de Estudos de Gênero e Refugiados na Escola de Direito da Universidade da Califórnia em Hastings, famílias que tentam fugir da violência de gangues na América Central passaram a compor, a partir de 2014, uma parte muito maior das tentativas de cruzar a fronteira.

Ela atribui isso mais às condições de vida nesses países do que a qualquer política migratória americana.

"Homens solteiros vindos do México não buscavam refúgio, mas sim emprego", diz Jastram. "(Agora), temos famílias e crianças que buscam especificamente ficar protegidas (de gangues)."

Em novembro passado, uma caravana de 7 mil migrantes chegou à fronteira mexicana, composta por muitas pessoas que tentavam fugir da violência em países como Honduras, Guatemala e El Salvador.

No geral, a taxa de rejeições a pedidos de refúgio tem crescido nos EUA há seis anos.

Quais têm sido as políticas de Trump?

Nos últimos dois anos, o governo Trump pôs em prática diversas medidas restritivas, tanto contra migrantes irregulares como contra refugiados:

Pessoas pedindo refúgio (como era o caso de Óscar Alberto Martínez Ramírez, morto afogado com sua filha) têm de esperar no lado mexicano da fronteira enquanto seu pedido é analisado.

Autoridades de fronteira reduziram o número de pedidos de refúgio analisados a cada dia. Em junho, o então secretário de Justiça, Jeff Sessions, anunciou que queixas de violência doméstica e de gangues não serviriam mais de base para pedidos de refúgio nos EUA. Essa medida, porém, foi derrubada pela Justiça.

A medida mais controversa até agora é separação de crianças migrantes de seus pais e sua detenção em centros específicos, como parte de uma política de "tolerância zero" contra a migração ilegal.

"Isso é uma situação de abuso infantil", afirmou a democrata Nancy Pelosi. "É uma atrocidade que viola todos os valores que nós temos, não apenas como americanos, mas como seres morais."

Em maio, uma inspeção na estação da Patrulha da Fronteira de El Paso encontrou 900 migrantes detidos em um espaço suficiente para apenas 125 pessoas.

E quanto ao terorismo?

Um relatório da Casa Branca sobre migração afirma que 3.755 extremistas ou suspeitos de extremismo foram impedidos de entrar nos EUA no ano fiscal de 2017.

Mas essa cifra inclui suspeitos retidos em qualquer tipo de fronteira, inclusive aeroportos - que é onde foi parada a maioria dos suspeitos mencionados no relatório.


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