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Vítimas de abuso sexual e tortura em orfanatos recebem pedido de desculpas do governo da Dinamarca

A primeira-ministra se encontrou com dezenas de vítimas de abuso e pediu desculpas - Danish PM"S Office
A primeira-ministra se encontrou com dezenas de vítimas de abuso e pediu desculpas Imagem: Danish PM'S Office

13/08/2019 20h40

Entre 1945 e 1976, centenas de crianças foram espancadas, abusadas sexualmente e usadas em testes com drogas em instituições comandadas pelo governo da Dinamarca.

A primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, pediu desculpas para centenas de vítimas de abuso em orfanatos mantidos pelo governo.

Entre 1945 e 1976, centenas de crianças foram abusadas sexualmente, espancadas e drogadas, segundo uma investigação oficial.

Os abusos ocorreram em diversas regiões do país. Nos últimos anos, ativistas e vítimas fizeram uma campanha para que o Estado dinamarquês aceitasse a culpa.

"Essas desculpas significam tudo. Tudo o que nós queríamos era a paz de espírito", disse uma das vítimas, Arne Roel Jorgensen.

Jorgensen hoje tem 68 anos. Ele disse à BBC News que as vidas de muitas pessoas foram arruinadas pelos estupros na infância.

Segundo ele, algumas das vítimas se tornaram dependentes químicos, tiveram casamentos arruinados e enfrentaram dificuldades para se fixar em empregos.

Na terça-feira (13), a primeira-ministra Mette Frederiksen, do Partido Social Democrata, encontrou-se com dezenas de vítimas dos abusos. A reunião ocorreu em Marienborg, residência oficial da líder do governo dinamarquês.

"Gostaria de olhar nos olhos de cada um de vocês e pedir desculpas", disse ela. "Não posso levar a culpa, mas posso assumir a responsabilidade."

Muitos choraram quando ela disse que as crianças foram tiradas de seus pais e, em vez de receber apoio e carinho, receberam humilhações e abusos.

"As autoridades não fizeram nada. Como sociedade, não podemos nem devemos fechar os olhos", disse Frederiksen.

Como os abusos vieram à tona?

Os detalhes sobre o que acontecia em orfanatos do governo chegaram às manchetes da imprensa em 2005, quando um documentário de um canal de TV dinamarquês apresentou denúncias chocantes de abuso e maus-tratos no abrigo Godhavn Boys 'Home, no nordeste da Dinamarca.

O documentário também descobriu provas de que um psiquiatra testou drogas em algumas das crianças. Bjorn Elmquist, um ex-deputado que já havia trabalhado nos casos de abuso, disse que o funcionário usou LSD em crianças que urinavam na cama.

Segundo Elmquist, algumas das vítimas se tornaram dependentes de drogas depois dessas experiências.

Logo após a exibição do programa, as vítimas criaram a Associação Nacional dos Meninos de Godhavn. Uma investigação independente foi realizada em 2010.

O relatório, publicado em 2011, investigou denúncias de abuso e negligência em 19 casas para meninos e meninas da Dinamarca, entrevistando crianças, funcionários e inspetores do Estado.

Apesar do escopo limitado, a investigação documentou "alarmantes abusos físicos, sexuais e psicológicos". Os pesquisadores encontraram vestígios de sangue em um cavalo de ginástica, indicando que crianças haviam sido agredidas.

Hoje advogado, Bjorn Elmquist conta que muitas das vítimas sentiam vergonha pelos abusos que sofreram. "Algumas pessoas me procuraram e imploraram para que os nomes delas não fossem mencionados publicamente", diz.

Ele conta que meninos que trabalhavam em campos eram agredidos por adultos com ferramentas de metal. Um dos funcionários era obeso e tinha uma "forma especial" de punir os garotos.

"Ele os empurrava com a barriga grande e eles caíam da escada. Ele os colocava em um sofá e sentava em cima deles. Depois, ainda pulava", diz Elmquist à BBC.

Há três anos, Arne Roel Jorgensen descobriu que estava sofrendo de transtorno de estresse pós-traumático por causa dos abusos e maus-tratos que sofreu muitos anos antes.

"Muitos de nós tiveram casamentos fracassados. Também não aprendemos a agir em sociedade, porque ninguém nos ensinou. Estou com 68 anos e definitivamente ainda carrego os efeitos (dos abusos)."

Por que agora?

Ninguém nunca foi processado pelo que aconteceu nos orfanatos. Sucessivos governos decidiram que os casos eram muito antigos para serem levados à Justiça. Antes de ser eleita em junho deste ano, Frederiksen prometeu se desculpar pelo papel do Estado.

Poul-Erik Rasmussen, que estava em Godhavn no início dos anos 1960, lutou durante anos para garantir um pedido de desculpas do governo.

Muitas das vítimas fizeram questão de não pedir indenização, mas Rasmussen diz que entende quem queira algum tipo de reparação.

Bjorn Elmquist acredita que agora uma comissão e um fundo devem ser criados para avaliar a compensação, já que ele considera o abuso uma violação clara da convenção contra a tortura que foi incorporada à lei dinamarquesa em 1984.

"Não é apenas um caso de pedir desculpas", diz ele.