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10 perguntas sobre a suspensão do Parlamento britânico e seus desdobramentos

Johnson diz que a medida visa a limpar agenda legislativa e não ter que esperar o Brexit para fazer o país "avançar" - Getty Images
Johnson diz que a medida visa a limpar agenda legislativa e não ter que esperar o Brexit para fazer o país 'avançar' Imagem: Getty Images

28/08/2019 17h25

O primeiro-ministro afirma que a medida evita ter que esperar o Brexit 'para seguir adiante com nossos planos para o país avançar'. Mas o pedido de suspensão do Parlamento foi considerado antidemocrático por oposicionistas.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, tomou uma medida controversa nesta quarta-feira (28) que pode levar o Reino Unido ao Brexit sem acordo, como ficou conhecida a saída britânica da União Europeia sem qualquer acerto para transição.

A rainha Elizabeth 2ª autorizou o pedido de Johnson para suspender o Parlamento britânico por 23 dias, uma medida que reduz a margem dos parlamentares contrários ao Brexit sem acordo.

O primeiro-ministro afirma que a suspensão evita ter que esperar o Brexit "para seguir adiante com nossos planos para o país avançar".

O pedido de suspensão do Parlamento, no entanto, foi considerado antidemocrático por oposicionistas e abriu espaço para respostas legislativas, jurídicas e diversos outros desdobramentos.

Antes do Brexit sem acordo, a medida pode, por exemplo, levar à derrubada do governo ou a novas eleições.

A BBC News elencou dez perguntas e respostas sobre o tema, em parte sugeridas por leitores.

1. O que é a 'prorrogação' do Parlamento?

Oficialmente, a medida adotada por Boris Johnson é chamada de "prorrogação". Na prática, autoriza uma suspensão do Parlamento, começando entre os dias 9 e 12 de setembro e terminando no dia 14 de outubro.

Se isso ocorrer, os parlamentares britânicos não terão tempo hábil para aprovar leis que possam impedir o Brexit sem acordo.

Em geral, a suspensão do Parlamento ocorre uma vez por ano por um curto período, entre abril e maio.

Como se fosse uma nova legislatura, as matérias em tramitação que não foram aprovadas perecem, e apenas uma parte delas é retomada na temporada seguinte.

Os parlamentares mantêm seus assentos (diferentemente do que o ocorre com a dissolução do Parlamento para eleições gerais), mas não há votações ou tramitações no período.

2. A rainha poderia ter barrado o pedido de suspensão do Parlamento?

Era impossível que a rainha rejeitasse o pedido feito pelo primeiro-ministro, avalia o repórter da BBC especializado em realeza, Jonny Dymond.

A rainha age a partir do conselho do primeiro-ministro. E mesmo que exista bastante gente irritada com a suspensão do Parlamento, o histórico favorece Boris Johnson.

A ideia é que esse tipo de discussão passe pelo Palácio de Westminster, sede do Parlamento, não pelo Palácio de Buckingham, sede da monarquia.

Assim, a rainha tinha pouca margem para tomar qualquer decisão política nesse caso.

3. Como os parlamentares reagiram?

O líder trabalhista e principal opositor, Jeremy Corbyn, afirmou que a medida é "inaceitável" e está "agredindo a democracia" para forçar um Brexit sem acordo.

A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, declarou que os parlamentares devem se unir para impedir o plano na próxima semana, ou "hoje vai entrar para a História como um dia sombrio para a democracia britânica".

"Se o primeiro-ministro insistir nisso e não recuar, acho bem provável que o seu governo entre em colapso", disse Dominic Grieve, ex-procurador-geral britânico, à rádio BBC 5 Live.

A líder dos Liberais Democratas, Jo Swinson, classificou a decisão como "perigosa e inaceitável". "Fechar o Parlamento seria um ato de covardia de Boris Johnson", disse.

E o líder do SNP, o Partido Nacionalista Escocês em Westminster, Ian Blackford, acusou Johnson de "agir como um ditador".

Já o presidente do Partido Conservador, James Cleverly, defendeu o plano e disse que "todo novo governo faz isso".

Alex Phillips, do Partido Brexit, afirma que a responsabilidade é dos próprios parlamentares. "Eles se colocaram como um obstáculo para concretizar o resultado do referendo (que decidiu o Brexit em 2016). Boris Johnson agora está dizendo que ele precisa remover esse obstáculo, e ele está certo."

4. Quanto tempo dura geralmente a suspensão do Parlamento?

É normal que novos governos suspendam as atividades do Parlamento para a realização do discurso da rainha, que traça os planos do governo. Chamada de "prorrogação", trata-se na prática de uma espécie de recesso forçado, decidido pelo primeiro-ministro, que formaliza o pedido à rainha.

Nos últimos anos, a duração variou entre quatro dias úteis (em 2016) e 13 dias em 2014. Neste ano, o Parlamento ficaria fechado por 23 dias úteis, até a fala da rainha, em 14 de outubro.

5. A medida de Boris Johnson pode desencadear uma eleição geral?

A suspensão do Parlamento pode servir de estopim para a convocação de uma eleição, afirma Hannah White, do Instituto Para Governança britânico.

Segundo ela, é provável que o presidente do Parlamento, John Bercow, que já declarou que o plano do governo é uma "ofensa ao processo democrático", encontre uma oportunidade para a Casa dos Comuns discutir uma "moção de desconfiança" que poderia levar à queda do governo, mesmo que Boris Johnson não ofereça tempo para isso.

Tradicionalmente, o posto de presidente do Parlamento está acima da política, sendo responsável por regras e convenções do Parlamento, e não se posiciona politicamente - o ocupante fica, inclusive, afastado de seu partido enquanto ocupar o cargo.

Se a maioria dos parlamentares votar contra o governo, a Casa inicia um processo formal ao longo de duas semanas. Nesse período, há tentativas de formar um novo governo majoritário e evitar que uma eleição geral seja convocada e realizada em cinco semanas.

Para White, a tentativa de suspender o Parlamento em busca de um Brexit sem acordo tende a desencadear uma eleição. "Talvez essa seja até a intenção (de Johnson)", afirmou.

6. A via judicial poderia reverter a suspensão?

Segundo o repórter especialista da BBC, Clive Coleman, não é possível fazer uma contestação legal ao exercício da rainha de suas prerrogativas de poder, o que inclui conceder honrarias, nomear primeiros-ministros e suspender o Parlamento.

Mas é possível contestar o conselho dado pelo primeiro-ministro a ela.

Isso seria feito por uma revisão judicial deste conselho, ou seja, pedindo a um tribunal que avalie a legalidade da decisão de aconselhar a rainha a suspender o Parlamento.

Os defensores dessa saída podem argumentar que o primeiro-ministro não aplicou corretamente a legislação relativa ao poder de suspender os trabalhos parlamentares, já que, na avaliação deles, esse poder só existe para propósitos compatíveis com o funcionamento saudável da democracia parlamentar do país.

Esses propósitos tradicionalmente incluem a realização de campanhas eleitorais e de um discurso da rainha.

A Justiça pode ou não acolher esse argumento.

Já há uma disputa legal em curso nos tribunais escoceses, apoiada por um grupo de parlamentares e outros interessados em agilizar o processo.

Em um cenário provável, se houver ações nos tribunais ingleses e galeses, todos os casos podem acabar no Supremo Tribunal do Reino Unido.

Em julho, o ex-primeiro-ministro conservador Sir John Major ameaçou ir à Justiça para impedir que o Parlamento fosse fechado.

A via judicial é vista com ceticismo dentro do governo. Uma fonte próxima a Boris Johnson disse à BBC News que essa estratégia era "absurda".

7. O que vai acontecer com todos os outros assuntos legislativos além do Brexit?

O tempo gasto com o debate em torno da saída do Reino Unido da União Europeia é um dos argumentos usados por Boris Johnson em sua mensagem aos parlamentares.

"Mas na prática não se trata apenas do Brexit, mas do fato de que o governo é minoria no Parlamento, e tem sido muito difícil votar qualquer coisa significativa no front legislativo sem alto risco de derrota", afirmou White, do Instituto para Governança.

8. Como a medida afeta a sensível fronteira entre as Irlandas?

A estratégia de Boris Johnson gerou reações inflamadas de opositores irlandeses e norte-irlandeses, que tacharam a medida de antidemocrática.

Naomi Long, líder do Partido da Aliança, afirmou que a democracia parlamentarista está sendo "sacrificada no altar do Brexit".

Colum Eastwood, líder do SDLP (Partido Social Democrata e Trabalhista, em tradução livre), afirmou que a manobra foi "vergonhosa" e que Johnson parece determinado a "destruir" o Acordo de Belfast, que em 1998 pôs fim a décadas de turbulência na Irlanda do Norte.

O pacto foi resultado de intensas negociações entre o Reino Unido, a Irlanda e partidos políticos da Irlanda do Norte.

A fronteira entre as duas Irlandas é um dos principais obstáculos ao Brexit. Johnson discorda da solução desenhada pela antecessora, Theresa May, conhecida como "salvaguarda irlandesa" (ou "backstop", em inglês).

Hoje, tanto a República da Irlanda como o Reino Unido são membros da União Europeia, não havendo portanto na ilha qualquer fronteira física ou barreira. Mercadorias e pessoas circulam livremente de um país para o outro.

O "backstop" é um dispositivo que visa a garantir que não haverá a temida "fronteira rígida" entre as duas Irlandas após o Brexit, o que poderia reacender as animosidades na região com a imposição, por exemplo, de controles para o trânsito de pessoas e à compra e venda de mercadorias.

Boris Johnson é contra o "backstop".

9. Os parlamentares ainda podem frear o Brexit sem acordo?

Depois de 31 de outubro, o Reino Unido deixaria o mercado comum e a união alfandegária sem qualquer acordo. Diversos políticos, empresários e analistas afirmam que a saída nessas condições levaria a um grave estrago econômico. Outros dizem que os riscos estão superestimados.

Pela via legislativa, há dois caminhos prováveis para barrar essa alternativa: tomar o controle da pauta do Parlamento ou derrubar o governo. Mas nenhum dos dois são garantias de bloquear o Brexit sem acordo.

Alternativa 1: Tomar o controle do Parlamento

Depois de uma reunião suprapartidária de parlamentares que se opõem ao Brexit sem acordo, essa alternativa surgiu como a oposição preferencial na volta do recesso, em 3 de setembro.

De um lado, opositores poderiam bloquear propostas do governo relacionadas à saída do Reino Unido da União Europeia. Mas ministros afirmam que não há texto relevante a ser aprovado até o dia 31 de outubro.

Por outro lado, a oposição pode tentar passar uma nova lei que barraria a saída sem acordo e, por extensão, forçaria o governo a pedir uma prorrogação do prazo à União Europeia.

Mas a suspensão do Parlamento torna essa alternativa mais distante, já que haveria somente cinco sessões para os parlamentares agirem e a Casa dos Comuns terá de passar até seis dias debatendo o discurso da rainha. De todo modo, há precedente: em abril, uma lei passou em três dias.

Alternativa 2: Derrubar o governo

Tida por alguns como uma "saída nuclear", a queda do governo pode vir a ser votada pelos parlamentares.

O líder trabalhista, Jeremy Corbyn, afirmou que pedirá uma "moção de desconfiança" no "momento apropriado, o quanto antes".

Caso a moção seja aprovada pela maioria dos 650 integrantes do Parlamento, há uma disputa interna para definir o destino do governo em até duas semanas, com a atual administração formando uma nova maioria ou sendo substituída.

Se nenhuma das duas opções ocorrerem, são convocadas eleições gerais para o prazo de cinco semanas.

Há tempo hábil para derrubar o governo? Uma moção de desconfiança pode ser proposta já em 4 de setembro, dia seguinte à volta do recesso de verão.

Mas com a suspensão adotada por Johnson os parlamentares teriam, em vez das duas semanas habituais, apenas três ou quatro sessões para formar um governo alternativo e este provar que tem apoio da maioria.

Não está claro também o que aconteceria se o primeiro-ministro sair derrotado da "moção de desconfiança" enquanto o Parlamento estiver suspenso. Nesse caso, estima-se que haveria pressão política para prorrogar a suspensão parlamentar.

10. Se houver novas eleições, o Brexit ainda vai ocorrer?

Depende. Se os conservadores ganharem, sim. Eles aparecem à frente em pesquisas de intenção de voto - cerca de 31% na última semana.

O principal rival nas urnas, o Partido Trabalhista, aparece com cerca de 21%. A sigla liderada por Corbyn está dividida entre áreas da tradicional classe trabalhadora, que tende a apoiar o Brexit, e eleitores de cidades que majoritariamente apoiam a permanência na União Europeia.

Mas a vitória do Partido Conservador não é dada como certa. Outras siglas, como as de centro-esquerda Liberais Democratas e Nacionalistas da Escócia, se opõem ao Brexit sob quaisquer circunstâncias.

E há no páreo também o Partido Brexit, liderado por Nigel Farage, que defende a saída do Reino Unido da União Europeia a qualquer custo. Esta sigla ficou à frente na disputa das cadeiras no Parlamento europeu, em maio.

A situação política fluida e as margens apertadas nas pesquisas tornam ainda mais difícil qualquer previsão do resultado eleitoral.

Em 2017, por exemplo, a então premiê, Theresa May, convocou eleições, mas saiu das urnas com sua maioria combalida e dependente de 10 parlamentares da Irlanda do Norte.

Como consequência, ela teve de negociar um acordo que deixava o Reino Unido alinhado à União Europeia por mais tempo do que gostariam os apoiadores do Brexit.

Um eventual rearranjo de forças políticas numa eleição geral pode dar mais força ao pleito de um novo referendo sobre o Brexit.

Mas, caso o governo de Boris Johnson consiga levar adiante a suspensão do Parlamento e não seja derrubado, é menos provável a aprovação de um segundo referendo.

"Parece que não haverá tempo suficiente nem (um número mínimo de) parlamentares que apoiem essa opção antes do dia previsto para o Brexit", diz Hannah White, do think-tank britânico Instituto para Governança.