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Mudanças climáticas não são causadas pela ação humana, diz presidente de Comissão de Mudanças Climáticas do Congresso

Senador Zequinha Marinho (PSC-PA) - Waldemir Barreto/Agência Senado
Senador Zequinha Marinho (PSC-PA) Imagem: Waldemir Barreto/Agência Senado

André Shalders - @andreshalders - Da BBC News Brasil em Brasília

Da BBC News Brasil, em Brasília

12/09/2019 17h25

Para Zequinha Marinho (PSC-SE), atividade humana não é o principal fator do aquecimento do planeta; à BBC News Brasil, ele diz que chamará meteorologista que não crê em mudanças climáticas para audiência.

Semanas atrás, o Congresso Nacional instalou uma comissão de deputados e senadores para discutir o tema das mudanças climáticas e o aumento recente no número de queimadas da Amazônia. É a Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC).

Mas, ao contrário do que seria de se esperar, a comissão é presidida por um senador que duvida do consenso científico sobre a influência humana nas mudanças climáticas - isto é, alterações no clima e na temperatura do planeta e suas regiões particulares intensificadas pela ação do homem.

Para o senador Zequinha Marinho (PSC-PA), que preside a CMMC, "a influência humana é muito pequena" nas alterações do clima. "Algumas estatísticas dizem que não chega a 4%", disse ele em entrevista à TV Senado no dia 28 de agosto, quando a comissão foi instalada.

"Tem muita coisa que é muito folclórica nessa questão de mudança climática. O mundo vai acabar, as calotas de gelo vão derreter tudo... o que derrete, na estação adequada torna a congelar. Se você pegar ao longo da história, vai ver que não tem muita diferença do que já foi (o clima). Essa questão climática ela é cíclica, naturalmente. A história mostra isso", disse ele.

A CMMC é formada por 12 senadores e 12 deputados federais. Tem até o fim do ano para produzir um relatório sobre a questão - inclusive com sugestões de medidas a serem tomadas pelo governo.

Este ano, excepcionalmente, o grupo também é o responsável por coordenar a resposta do Congresso ao aumento do desmatamento e do número de queimadas na região amazônica.

Na próxima quarta-feira (19), o grupo vai revisar e bater o martelo sobre o plano de trabalho a ser seguido nos próximos meses.

A comissão não tem poder de investigação para identificar os responsáveis pelas queimadas ou pelo desmatamento - papel que seria de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O relator do colegiado é o deputado federal Edilázio Júnior (PSD-MA).

Marinho já sabe quem quer chamar para a primeira audiência pública da comissão: o meteorologista e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Luiz Carlos Molion - conhecido por desafiar o consenso científico e negar a existência das mudanças climáticas.

"Estamos buscando um cientista da Universidade Federal de Alagoas (Molion) para que ele venha a fazer um comentário sobre tudo isso, a fim de que a gente possa se situar no tempo e no espaço (...). É uma autoridade", disse Marinho à BBC News Brasil na tarde de quinta-feira (12).

Ao falar com a reportagem, Marinho não se lembrava o nome exato do cientista - arriscou que seria algo como "Polion", mas reafirmou que se tratava de um professor da Ufal.

"Vamos ouvir os setores mais importantes. Vamos ouvir o agronegócio, vamos ouvir os movimentos sociais, representados por uma entidade, e vamos ouvir o governo", disse, sobre os trabalhos da comissão.

'Praticamente natural'

À BBC News Brasil, o senador reafirmou seu ponto de vista e algo que já tinha dito à TV Senado: uma coisa é a mudança no microclima das cidades; a outra, o aquecimento do planeta como um todo.

"Olha, a mudança climática eu acho (que é) praticamente natural. Por quê? Porque à medida que a população aumenta, faz as cidades crescerem, isso vai aquecendo. Uma coisa é você ter uma mata virgem, um campo... o calçamento, o microclima de qualquer lugar ele é afetado", disse ele.

Ao contrário do que diz Marinho, a maioria absoluta dos pesquisadores que estudam o tema afirma que a temperatura média do planeta está aumentando, e que este aumento é provocado pela ação humana. Principalmente por meio da emissão em larga escala dos chamados gases do efeito estufa - sobretudo o dióxido de carbono.

Martin Beniston é ex-diretor do Instituto de Ciências Ambientais da Universidade de Genebra, na Suíça, e um dos maiores especialistas sobre clima no mundo. Em julho deste ano, ele disse à BBC News Brasil que os dias que quebram o recorde de maior temperatura têm se tornado mais frequentes desde a década de 1980.

"Diversos estudos apontam que o mundo ficou 1ºC mais quente no último século. Em alguns países do mundo, como na Suíça, essa variação chegou a 3º C", disse ele.

"Se analisarmos as últimas décadas, percebemos que os dias com recorde de temperatura máxima vêm acontecendo com muito mais frequência do que os dias com recorde de temperatura mínima. Também são mais prolongados", disse o especialista.

'Debate qualificado e moderado'

Zequinha Marinho diz que vai buscar um debate moderado na comissão.

"Nós vamos buscar fazer um debate qualificado (na Comissão) que não embarque na emoção de que o mundo vai se acabar, que o clima vai cozinhar todo mundo... não é assim também. Todo mundo sabe disso. Nós queremos trabalhar um equilíbrio entre as partes, de modo que a gente possa ajudar o governo a ter uma percepção real daquilo que tem que ser feito. A política pública tem que entrar em campo", disse.

Luiz Carlos Molion, o meteorologista mencionado por Zequinha Marinho, esteve no Senado em maio deste ano para falar sobre o tema das mudanças climáticas.

"Até hoje, na série americana, o ano mais quente da história foi 1934. Dos dez anos mais quentes, quatro se deram durante aquela década. Faço parte da vertente de pesquisa científica que não nega que existem períodos de aquecimento", disse ele na ocasião.

"A diferença fundamental entre o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, órgão da ONU) e nós é que eles dizem que essas alterações são provocadas pela atividade humana. Enquanto nós apresentamos evidências físicas de que a variabilidade é natural. O homem não tem nada a ver com a ocorrência dessas alterações", afirmou.

À frente da comissão, Zequinha Marinho diz que vai propor ao governo medidas para regularizar a propriedade das terras dos moradores e produtores rurais, além de medidas para melhorar a qualidade técnica da agricultura desenvolvida na região.

O problema das queimadas, por exemplo, precisa ser enfrentado com treinamento e mais acesso a equipamentos para que os agricultores usem o fogo de forma controlada, segundo ele.

"Todas as tentativas que o governo faz aqui dão errado. Por que dá errado? Porque a Amazônia tem 23,5 milhões de habitantes, nove Estados. Como é que vamos fazer política ambiental se a gente não leva em conta o homem? Tenho que levar em conta a presença humana. Não tem como negar um debate que diz respeito à sobrevivência dos habitantes. Se algum governo quiser fazer algo que dê resultado na Amazônia, vai ter que discutir com o amazônida, com o ser humano", disse ele.

'Governo Bolsonaro manobrou para eleger Marinho', diz adversário

A chegada de Zequinha Marinho à presidência da Comissão se deu por meio de uma eleição - rompendo um acordo anterior anunciado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O amapaense queria o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) como presidente do colegiado.

"Nas últimas horas antes da instalação (da Comissão) teve uma interferência do governo, inclusive com troca de integrantes, e surgiu esse nome, do Zequinha, para participar de uma disputa que não estava prevista", disse Vieira. "Ninguém sabia que teria eleição, foi uma interferência do governo realmente na busca de ter o controle sobre a comissão."

"Ele (Zequinha) acha que não tem aquecimento", diz Vieira à BBC News Brasil. "É um retrato daquilo que o governo quer. Um controle sobre as informações, negando inclusive a ciência."

Zequinha Marinho nega que sua eleição tenha a ver com o Executivo. Por ser natural do Estado do Pará e ter passado a vida toda na região, ele se considera apto a conduzir os trabalhos do grupo.

"Não. Não foi o governo. Veja só: eu sou amigo do Alessandro, o Alessandro é de Sergipe. Eu sou nascido e criado e militante político aqui (em Belém) há muitos anos. Então eu me julguei, como alguém nascido aqui, capaz de fazer esse debate. Tenho toda uma vivência, tenho 60 anos de idade (...). Então me julgo qualificado para conversar sobre o assunto", diz.

Negacionismo climático

Ao longo dos últimos meses, várias figuras do governo de Jair Bolsonaro ou ligadas ao presidente colocaram em dúvida a existência da mudança climática provocada pela ação humana.

Na próxima quinta-feira (19), o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deve se encontrar em Washington DC (EUA) com representantes do Competitive Enterprise Institute (CEI), uma entidade que "questiona o alarmismo sobre o aquecimento global" e "opõe-se ao Acordo do Clima de Paris", segundo sua própria página na internet. A reunião foi noticiada pelo jornal Folha de S.Paulo.

Em meados de julho, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, também pôs em dúvida a existência do aquecimento global. "Só por curiosidade: quando está quente a culpa é sempre do possível aquecimento global e quando está frio fora do normal como é que se chama", escreveu ele no Twitter.

A alegação não faz sentido, segundo especialistas consultados pela BBC News Brasil à época.

Logo depois das eleições de 2018, Bolsonaro ameaçou retirar o Brasil do Acordo de Paris, um tratado assinado por 195 países e que pretende reduzir a emissão de gases de efeito estufa. O presidente, porém, voltou atrás na decisão.

No cenário mundial, o presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump, é conhecido por negar a existência da mudança climática provocada pelo homem. Em novembro deste ano, Trump disse não acreditar em um relatório de seu próprio governo sobre a mudança do clima.


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