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Com placar de 4 a 3, STF mantém suspense sobre prisão em 2ª instância

André Shalders - @andreshalders - Da BBC News Brasil em Brasília

23/10/2019 13h23

Entenda porque a decisão é uma das mais importantes do STF neste ano e impacto que pode ter sobre a pena de Lula; voto de Dias Toffoli provavelmente será o decisivo.

* Reportagem atualizada às 18h47 de 24 de outubro de 2019

O Supremo Tribunal Federal realizou na tarde desta quinta-feira (24) mais uma sessão no julgamento sobre a prisão em segunda instância. Até agora, o placar está em 4 votos a 3 a favor da prisão provisória ? e o julgamento só será retomado na primeira semana de novembro, segundo o presidente da corte, Dias Toffoli.

A Corte decide neste julgamento se um réu condenado pela segunda instância da Justiça pode começar a cumprir pena imediatamente, ou isso só pode ocorrer depois de esgotados todos os recursos disponíveis em tribunais superiores.

O resultado pode impactar os casos de 4.895 presos do país, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça.

Um deles é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Caso prevaleça a tese pelo esgotamento dos recursos, ele deverá ser solto ? o caso mais avançado contra ele, o do tríplex do Guarujá, ainda tem recursos pendentes. Isto é, ainda não transitou em julgado.

Votaram na tarde desta quinta os ministros Luiz Fux (a favor da prisão em 2ª Instância), Ricardo Lewandowski (contra) e Rosa Weber (também contra).

O voto mais esperado do dia era o da ministra Rosa Weber ? ela seguiu sua convicção pessoal no tema e votou contra a possibilidade de alguém ir para a cadeia antes de esgotados todos os recursos. Com o voto de Weber, o placar do julgamento caminha para um empate, em 5 a 5. O voto do presidente da corte, Dias Toffoli, deve decidir a questão.

Não é possível saber antecipadamente como os outros ministros votarão. Mas, com base nos julgamentos e falas anteriores dos integrantes do STF, espera-se que o julgamento fique em 5 x 5. A posição de Toffoli ainda não é conhecida e seu voto provavelmente será o decisivo.

Até o momento, apenas Weber e os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello votaram contra a prisão após segunda instância. Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux votaram à favor - no jargão do direito, a possibilidade de prender alguém antes do processo terminar é chamada de "execução provisória da pena".

O julgamento começou na última quinta-feira (17), e ocupou toda a semana de trabalho no Supremo.

A discussão no STF se baseia em três Ações Declaratórias de Constitucionalidades (ADCs), apresentadas pelo antigo Partido Ecológico Nacional (PEN, atual Patriota); pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B).

Destes três, um voltou atrás: o partido Patriota hoje defende a regra atual, isto é, a de que a prisão possa acontecer já depois da condenação pela segunda instância.

Como votou cada um dos ministros?

Ricardo Lewandowski deu um voto incomumente rápido - com pouco mais de 15 minutos. Sua fala foi similar à de Marco Aurélio: a Constituição e o Código de Processo Penal são claros, e o STF não pode transigir ao interpretá-los.

"A Constituição não é mera folha de papel, que possa ser rasgada quando contraria forças políticas do momento. Ao contrário, possui força normativa para fazer com que seus preceitos sejam cabalmente observados. Ainda que (contra) anseios momentâneos, mesmo tidos como prioritários, a exemplo do combate à corrupção, o qual o setor mais politicamente mobilizado da população hoje reclama com estridência", disse.

O ministro Luiz Fux começou seu voto na tarde apontando casos onde os réus, segundo ele, ainda estariam soltos se não fosse a prisão após a segunda instância. Mencionou tanto homicídios (casos Isabella Nardoni; Roberto Aparecido "Champinha", e Eliza Samudio) quanto casos de corrupção ("Anões do Orçamento", Banestado e juiz Nicolau dos Santos Neto).

Fux argumentou de forma parecida com Barroso: o direito, disse Fux, não pode existir descolado da realidade, e os juízes precisam considerar os efeitos práticos de suas decisões. Citando um antigo ministro do STF, Fux disse que o país tem uma "espantosa e extravagante prodigalidade (excesso) de recursos".

"Nós não fazemos leis para ficar aqui aplicando sem verificar quais serão as suas externalidades. O direito, na verdade, conforma o comportamento humano. A pessoa tem que saber o que pode, e o que não pode", disse.

Rosa Weber foi a primeira a votar na tarde desta quinta-feira. A ministra começou falando sobre a aprovação do trecho sobre presunção de inocência na atual Constituição brasileira de 1988. A Assembleia Constituinte, frisou ela, optou por deixar expresso que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado.

Weber também ressaltou que manteve-se fiel à orientação do tribunal a partir de 2016, quando o STF passou a permitir a prisão após segunda instância ? deu, por exemplo, 66 decisões individuais seguindo a mesma orientação, antes de julgar o caso do ex-presidente Lula em 2018. "A imprevisibilidade é, por si só, capaz de degenerar o direito em arbítrio", disse.

A direção do voto de Rosa Weber ficou clara quando ela disse que falou sobre as possibilidades de interpretação da Constituição. "A vontade (do intérprete) não é absoluta, mas deve render reverência ao texto (da lei) como realidade absoluta", disse. "Não há como o leitor ignorar o valor dos símbolos marcados com tinta sobre o papel".

O ministro Luís Roberto Barroso foi o último a votar antes do encerramento da sessão da quarta-feira.

De acordo com o ministro, as três ADCs em julgamento se baseiam em três argumentos: o de que a Constituição é taxativa e deve ser interpretada de forma literal; a de que a execução provisória da pena aumenta o encarceramento; e a de que os mais pobres são prejudicados pela regra atual. Para o ministro, as três ideias não se sustentam. "São ideias que não correspondem aos fatos, como diria Cazuza", disse.

O ministro ainda citou dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) que mostrariam, segundo ele, que a mudança do STF em 2009 (quando a prisão após segunda instância passou a ser permitida) não aumentou o número de presos - ao contrário, o encarceramento diminuiu.

Edson Fachin, relator dos casos da Lava Jato no Supremo, foi o terceiro a votar. Ele acompanhou a divergência aberta antes por Alexandre de Moraes (a favor da prisão após segunda instância).

Num voto bastante longo, Fachin argumentou que, na maioria dos casos, os recursos ao STF e ao STJ não têm o efeito de suspender a prisão - e por isso não há prejuízo para o réu quando se admite a prisão após segunda instância.

A posição à favor da execução provisória da pena não é "punitivista", diz ele. Trata-se apenas de garantir que todos tenham o mesmo tratamento da Justiça.

Alexandre de Moraes abriu a divergência em relação a Marco Aurélio Mello.

Para o ministro, uma mudança nas regras transformaria os tribunais de 1ª e 2ª instância em locais de "passagem" para os processos. "Não se pode afastar a efetividade da tutela judicial dadas pelos juízos de 1ª e 2ª instância, que são os juízes naturais da causa. Não se pode transformar esses tribunais em tribunais de mera passagem", disse.

Antes de discutir o assunto, porém, Moraes fez um longo parêntese sobre acusações e ataques que o Supremo estaria sofrendo, segundo ele, por causa deste e de outros julgamentos.

"O salutar debate vem sendo substituído por uma falsa pregação, de parte da sociedade, sobre a chegada de um iminente 'armagedom' judicial. Lamentavelmente, grande parte da população passou a ser bombardeada com falsos mantras. Toda vez alguma coisa iria se acabar. O mundo iria se acabar. Como diz a Bíblia (...), com chuva de enxofre e terremotos", disse.

"Ao Supremo, não se deu o direito de ter vaidade, de fazer populismo judicial. Se deu o dever de se perguntar: 'isto é certo?'", questionou Moraes.

Relator do caso, o ministro Marco Aurélio foi o primeiro a votar, ainda na manhã da quarta.

Marco Aurélio argumentou que o Artigo 283 do Código Penal está de acordo com a Constituição, como pedem os autores das ações. Em casos como este, onde a norma é clara, disse Marco Aurélio, o Poder Judiciário deve exercer "o princípio da auto-contenção", e evitar interferências indevidas.

Para ele, a mudança de entendimento que hoje permite a prisão após segunda instância representa um "retrocesso constitucional".

Além disso, disse o ministro, é impossível devolver a liberdade a alguém que seja preso após a segunda instância e depois solto por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo.

Impacto para Lula e a Lava Jato

A decisão do STF tem potencial de tirar da cadeia milhares de pessoas hoje presas, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em seu caso mais adiantado, o do chamado "tríplex do Guarujá", Lula já teve recurso negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ? o equivalente à "terceira instância" no sistema brasileiro ? mas o petista ainda tem direito a recursos no próprio STJ e no STF.

Se o STF passar a permitir a prisão apenas após o trânsito em julgado, Lula será solto ? estará totalmente livre, e não em regime semiaberto ou em prisão domiciliar.

O ex-presidente está preso desde abril de 2018, após ser condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá pelo ex-juiz Sergio Moro e pelo Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4). Neste ano, a condenação foi confirmada pelo STJ.

Outro que seria beneficiado, por exemplo, é o ex-tesoureiro do PT João Vaccari, que já cumpre pena e tem outro processo perto de ser julgado pelo TRF-4.

Já o ex-governador do Rio Sérgio Cabral, que foi condenado doze vezes em processo da Lava Jato, não deixará a prisão. "O ex-governador está preso preventivamente. Eventual decisão do STF não o colocará em liberdade", explicou seu advogado, Márcio Delambert. Também continuaria preso o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha.

Segundo comunicado da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, "38 condenados (pela operação) - dentre presos em regime fechado, semiaberto e diferenciado com tornozeleira - poderão ser beneficiados".

Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, mostra que existem hoje 4.895 pessoas presas no Brasil depois de serem condenadas pela segunda instância da Justiça, e que poderiam ser soltas, a depender do resultado no STF.

Se a mudança se concretizar, será a terceira em pouco mais de dez anos: a prisão depois da segunda instância era permitida até 2009, quando o Supremo decidiu que esta possibilidade não estava de acordo com a Constituição. Em 2016, o entendimento mudou novamente, para voltar a permitir a prisão após segunda instância ? chamada de "execução provisória" da pena, no jargão do direito.

Qual é o histórico dos ministros que ainda não votaram?

Não é possível saber o entendimento de cada um dos ministros que ainda não votaram de antemão, mas o histórico de votações de cada um deles indica qual pode ser a sua posição.

Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, sempre se manifestaram a favor da prisão já após a segunda instância - e já votaram desta forma no julgamento atual. Também pertencem a esta corrente Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Do outro lado, defendendo a prisão apenas depois do trânsito em julgado, estariam os ministros Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello - este último já votou conforme o esperado.

Rosa Weber se juntou na tarde desta quinta-feira (24) ao segundo grupo.

O ministro Gilmar Mendes já votou das duas formas ? mas recentemente tem feito críticas à prisão após segunda instância. Em entrevista à BBC News Brasil no último dia 11 de outubro, disse que pode adotar a posição de Marco Aurélio, Lewandowski e Celso de Mello. "Eu estou avaliando essa posição. Mas na verdade talvez reavalie de maneira plena para reconhecer (a possibilidade de prisão apenas depois de) o trânsito em julgado", disse.

Há menos indicações sobre o voto de Dias Toffoli. Ele estaria pendendo para uma solução de meio-termo, segundo a imprensa especializada na cobertura do STF: o presidente defenderia a prisão apenas após esgotados os recursos possíveis no STJ (apelidado de "terceira instância"). Como são necessários seis votos para formar maioria no Supremo, deve ser de Toffoli o voto decisivo.

De onde veio o pedido?

As três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que estão sendo julgadas nesta quarta-feira têm uma argumentação bastante parecida. Pedem que o Supremo declare constitucional (isto é, de acordo com a Constituição) o artigo 283 do Código de Processo Penal, o CPP.

O artigo 283 diz que "ninguém poderá ser preso senão (...) em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado". Para o PC do B, a OAB e o antigo PEN, o artigo está de acordo com o que diz a Constituição.

A argumentação se baseia no inciso 57 (LVII) do artigo 5º da Constituição, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado".

Desde 1988, quando a Constituição foi promulgada, até 2009, vinha prevalecendo o entendimento de que era possível cumprir a pena antecipadamente, mas não havia uma orientação clara do STF sobre o assunto.

Por causa disso, em 2009 o plenário do STF analisou a questão a partir de um habeas corpus (pedido de liberdade) de um réu condenado por homicídio - na ocasião, por 7 a 4, o Supremo decidiu contra a prisão antes do esgotamento dos recursos.

Em 2016, porém, o plenário voltou a analisar a questão, ao julgar outro habeas corpus, e decidiu por 7 a 4 autorizar o cumprimento antecipado da pena. O resultado foi modificado porque a composição da corte se alterou, devido à aposentadoria de alguns ministros, e também porque Gilmar Mendes mudou seu voto.

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