Topo

O que levou petistas a irem em peso comemorar vitória de Alberto Fernández na Argentina

Marcia Carmo - De Buenos Aires para a BBC News Brasil

29/10/2019 12h37

Pelo menos trinta militantes e políticos do Partido dos Trabalhadores participaram de comemorações pela eleição do candidato argentino recém-eleito, que em discurso pediu a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A expectativa de que a eleição de Alberto Fernández possa influenciar, de alguma maneira, a política brasileira e regional acabou atraindo a presença de integrantes e militantes do Partido dos Trabalhadores (PT) para a festa da vitória, na noite de domingo (27/10), na capital argentina.

Pelo menos trinta petistas, entre militantes, integrantes da direção do partido, parlamentares e ex-parlamentares, como os ex-senadores Lindbergh Farias e Aloysio Mercadante, além do ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, participaram das comemorações.

Uma multidão erguendo bandeiras da Argentina, cartazes e até camisetas com o rosto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se concentrou, na noite de domingo, em frente ao local onde Fernández e a ex-presidente e senadora Cristina Kirchner, sua vice, fizeram os discursos da vitória, no bairro portenho da Chacarita.

Os políticos e militantes brasileiros, como um dos filhos e um neto do ex-presidente Lula, estiveram no local, como contaram integrantes da comitiva.

Em sua conta no Twitter e no discurso, o presidente eleito da Argentina pediu a liberdade de Lula.

"Lula é um homem preso injustamente e temos de continuar pedindo por sua liberdade: Lula livre. Que a América Latina e o mundo escutem", disse, sendo acompanhado pelos gritos dos apoiadores.

Fernández e Cristina citaram ainda as ondas recentes de protestos no Chile e no Equador e parabenizaram Evo Morales pela reeleição ? que gera controvérsia e protestos em regiões da Bolívia.

Em entrevistas à BBC News Brasil, Amorim, Lindbergh e o jornalista e militante do PT Rogério Tomaz contaram por que participaram das comemorações. O ex-chanceler, convidado por Fernández, esteve no palanque do presidente eleito, com quem trocou abraços.

"A vitória de Alberto Fernández é muito importante para a Argentina, para o Brasil e para a região. Estou muito feliz com a vitória dele. Para nós, significa que o neoliberalismo vai acabando nos nossos países. E claro que isso também pode irradiar para o Brasil e para toda a região", disse Amorim, lembrando a onda recente de protestos no Chile, que costuma ser apontado como símbolo do neoliberalismo.

O ex-chanceler participou ainda de encontros com políticos de outros países, como Fernando Lugo, ex-presidente do Paraguai, e José Luiz Rodríguez Zapatero, ex-primeiro-minsitro da Espanha, que também foram acompanhar a eleição. Amorim disse que a postura de Fernández sobre Lula não deveria afetar a relação entre os dois governos.

"O Brasil e a Argentina têm uma longa história e espero que a integração do Mercosul seja respeitada por parte do presidente (Jair) Bolsonaro. O Mercosul é fundamental", disse Amorim. Nesta segunda-feira, Bolsonaro disse que a Argentina "escolheu mal", que não parabenizaria Fernández e o criticou por se envolver na campanha pela liberdade de Lula.

Na visão de Lindbergh, a eleição do político peronista-kirchnerista, que foi chefe de gabinete nos governos de Néstor e de Cristina Kirchner, é "um acontecimento histórico".

"Nós achamos que a vitória de Fernández significa novos ventos, ventos a favor, na região. A vitória na Argentina significa uma mudança no continente, significa a abertura de um novo período. Foi o México (com Andrés Manuel López Obrador). E antes da chegada de Bolsonaro no Brasil, tivemos um processo regional que incluiu Tabaré Vázquez, Mujica (no Uruguai), Evo Morales (na Bolívia) e Rafael Correa (no Equador). Achamos que este processo está voltando", disse o ex-senador.

Economia

Sua expectativa, como opositor do governo Bolsonaro, é que assim como a economia foi decisiva no voto dos eleitores argentinos, o mesmo poderia ocorrer no Brasil. "Aqui foi uma crise forte, que gerou desemprego e o aumento da pobreza. No Brasil, a falta de crescimento e de geração de empregos também pode ter influência no eleitor", disse Lindbergh.

Lindbergh, como o jornalista e militante Rogério Tomaz, contaram que se programaram e pagaram suas viagens especificamente para participar da festa peronista-kirchnerista.

"Paguei tudo em dez vezes e vim por conta própria. Não podia perder este momento. E outros militantes pensaram da mesma maneira. A proximidade com Buenos Aires também ajudou que pudéssemos vir", disse o jornalista e militante do PT, que mora em Brasília.

Outros integrantes do partido que estavam em Buenos Aires no domingo foram o deputado Arlindo Chinaglia e o senador Humberto Costa, observadores e integrantes do Parlasul, além de Mercadante e a secretária de relações internacionais do PT, Mônica Valente, segundo assessores.

Em sua conta no Twitter, Costa publicou uma foto de Fernández e de Cristina e escreveu: "Estamos voltando".

Além dos petistas, outra representante ilustre da esquerda brasileira foi à capital argentina para a festa: Manuela D'Ávila, do PCdoB. Ela também registrou nas redes sociais o momento. "Vencemos com Alberto e Cristina, vamos para o segundo turno no Uruguai e venceremos, tivermos vitórias importantes na Colômbia com a primeira mulher eleita prefeita de Bogotá. Voltaremos!", escreveu.

Analistas políticos argentinos ouvidos pela BBC News Brasil deram, porém, visões diferentes sobre a aproximação entre Fernández, o PT e Lula. O cientista político e professor da Universidade San Martín (Unsam), Carlos Varetto, entende que essa aproximação tem raiz na relação entre os ex-presidentes Lula e Néstor Kirchner (1950-2010). "Eles tinham uma afinidade muito forte", disse.

Kirchner, morto em 2013, foi homenageado pelo presidente eleito, que se emocionou ao citar seu nome no palanque e nas entrevistas após a vitória.

"(Na campanha), Alberto Fernández se reuniu com (Pepe) Mujica, e na noite de domingo, além de pedir pela liberdade de Lula, parabenizou Evo Morales, pela vitória. Ele tem uma postura mais ambígua sobre a Venezuela, mas é de não ingerência. Mas o kirchnerismo em geral tem uma aproximação forte com Lula e o PT", disse Varetto.

Para o cientista político Marcos Novaro, da Universidade de Buenos Aires (UBA), a aproximação de Fernández com o PT pode ser uma mensagem para o grupo político La Cámpora, braço jovem do kirchnerismo, que conta com parlamentares no Congresso Nacional.

Mas ele faz uma ressalva: "Alberto Fernández não terá a mesma energia, as ideias e os recursos fiscais que Lula teve quando foi presidente. Fernández terá que fazer uma administração de ajuste. Ele acha que com essa diplomacia ideológica poderá, a partir desta sua demonstração de força ideológica, ameaçar o FMI e os Estados Unidos, aproximando-se, por exemplo, de Evo, de López Obrador e outros, apesar de nem tanto de (Nicolás) Maduro. Acho que é uma estratégia de negociação, mas não de convicção ideológica", disse Novaro.

Na sua visão, a aproximação de Fernández com Lula, a quem o argentino visitou na prisão em Curitiba, se chocará com a realidade da crise econômica argentina e a escassez de recursos do país.

"A Argentina precisará de uma negociação rápida com os Estados Unidos e com o Fundo (Monetário Internacional) para receber recursos e gerar algum tipo de confiança (nos mercados) e algum plano de estabilização. Acho que é mais atuação do que convicção ideológica de Alberto Fernández no lulismo. Alberto Fernández vai precisar também do apoio dos parlamentares da La Cámpora no Congresso", disse Novaro.


Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!

https://www.youtube.com/watch?v=ch7WSWmlf6k

https://www.youtube.com/watch?v=607h3LmbVIQ

https://www.youtube.com/watch?v=kVkyF2ieez8