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Toffoli vota contra sua própria liminar que havia parado investigação sobre Flávio Bolsonaro

21/11/2019 14h02

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, esclareceu nesta quinta-feira (21/11) que votou para derrubar sua própria liminar, a qual em julho havia paralisado centenas de investigações e processos no Brasil a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Na sessão da véspera, em que o STF começou a julgar se órgãos de fiscalização como a Receita Federal, o antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e o Banco Central podem repassar informações sigilosas para o Ministério Público sem prévia autorização judicial, Toffoli considerou constitucional o repasse de informações pelo antigo Coaf.

Flávio Bolsonaro é investigado por suspeitas de desvio de recursos de seu ex-gabinete de deputado estadual no Rio de Janeiro, apuração que foi alimentada por dados do antigo Coaf, recentemente renomeado para UIF (Unidade de Inteligência Financeira). Em julho, Toffoli aceitou seu pedido para suspender a investigação e todos os casos similares no país até que o STF julgasse a constitucionalidade desses compartilhamentos por órgãos de controle.

Toffoli chegou a dizer hoje que sua decisão de julho já havia perdido a validade: "A conclusão do meu voto, evidentemente, na medida em que eu entendi como estão nas teses colocadas, evidentemente que cai a liminar, que a liminar era até a conclusão do voto", disse o ministro.

No entanto, questionada pela BBC News Brasil, a assessoria jurídica do STF explicou que possivelmente o ministro se enganou durante sua fala, pois apenas ao final do julgamento haverá uma decisão do plenário do Supremo sobre a manutenção ou não da liminar. Algumas horas mais tarde, a assessoria direta do ministro confirmou que a liminar continua valendo até a conclusão do julgamento.

Faltam votar nove ministros e a discussão será retomada na quarta-feira.

Nesta quinta-feira, foi a vez de o ministro Alexandre de Moraes votar. Ele também votou a favor do livre repasse de dados da UIF para o Ministério Público e as polícias do país, inclusive quando houver solicitação por parte dessas instituições. Uma das questões em discussão no Supremo é se o repasse só pode ser voluntário, sem pedido direcionado por procuradores e promotores.

"Se o Ministério Público pede, é porque tem indícios de alguma coisa. Esses indícios têm que estar fundamentados no PIC (Procedimento Investigatório Criminal)", disse Moraes.

Se mais quatro ministros seguirem o entendimento de Moraes e Toffli sobre o ex-Coaf, haverá maioria para que as investigações e processos sejam retomados ao final do julgamento. De acordo a Procuradoria-Geral da República, a liminar do presidente do STF paralisou "935 Inquéritos Policiais, Procedimentos Investigatórios Criminais e Ações Penais que tramitam com a atuação do Ministério Público Federal". O levantamento não alcança casos parados nas Justiças estaduais, como o de Flávio Bolsonaro.

Desses 935, quase metade (446) trata de crimes tributários, como sonegação fiscal, e outros 193 apuram a ocorrência de lavagem de dinheiro. Algumas dezenas de casos de corrupção também tiveram a investigação ou processo paralisados.

Divergência sobre Receita

Já no caso do compartilhamento de dados da Receita Federal, os dois ministros divergiram. Para Toffoli, a Receita só está autorizada a repassar "informações globais" que apontem indícios de crime para que o Ministério Público abra investigações. Segundo ele, informações detalhadas como extratos bancários e declarações de Impostos de Renda só podem ser obtidas depois disso, caso haja autorização da Justiça.

"Informações globais" seriam, por exemplo, a inconsistência entre o valor total patrimonial declarado pelo investigado no Imposto de Renda e outras movimentações realizadas por ele, segundo Toffoli.

Moraes, por sua vez, defendeu que a Receita Federal pode compartilhar com o Ministério Público todas as informações fiscais e bancárias levantadas pelo órgão em procedimento administrativo. "O compartilhamento dessa prova nada mais é do que prova emprestada, lícita", argumentou.

O ministro lembrou que, em 2016, o STF autorizou a Receita Federal a acessar dados de bancos, sem autorização judicial, quando houver procedimento administrativo para apurar possível sonegação fiscal. Naquele julgamento, a Corte considerou que havia uma transferência de sigilo do banco para a Receita.

Para Moraes, se o STF considerou constitucional o acesso dos dados bancários pela Receita, é possível também que esses dados sejam compartilhados diretamente com o Ministério Público. Isso só deve ocorrer, no entanto, após a Receita concluir administrativamente que houve irregularidade fiscal e lançar a cobrança do tributo, ressaltou o ministro.

"Se houver excesso, e excesso deve ser combatido, sempre haverá supervisão posterior judiciária no momento de (o juiz decidir) receber ou não a denúncia, condenar ou não", disse ainda Moraes ao autorizar o compartilhamento de dados sigilosos entre Receita e Ministério Público.

'Suspeita fundada'

Juristas que defendem a necessidade de autorização judicial antes do envio de dados fiscais e bancários ao Ministério Público argumentam que isso busca evitar abusos do Estado em investigações. Eles ressaltam que o artigo quinto da Constituição Federal estabelece que "são invioláveis" a intimidade e a vida privada das pessoas.

"O juiz só pode autorizar o conhecimento de sigilo fiscal de alguém se houver fundada suspeita da prática de um crime. O que está havendo é uma inversão de ordem", crítica o advogado criminalista Maurício Dieter, professor de direito penal na Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), que foi aceito para participar no julgamento como amicus curiae (amigo da corte).

"Ao juiz cabe avaliar se existe ou não uma base suficiente de informações que autorize violar sua privacidade, sua vida privada. O controle do juiz é para garantir que não vão devassar seu Imposto de Renda a não ser que haja a suspeita de prática de crime", reforça.

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