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Por que a China está desistindo de salvar suas 'empresas zumbis'

Cristina J. Orgaz - BBC News Mundo

22/11/2019 12h42

Nos últimos anos, o gigante asiático fez mudanças, como reforçar seu sistema judicial, para dar rumo a companhias em apuros.

Em seu longo caminho de abertura para o exterior, a China está tomando atitudes para "naturalizar" alguns comportamentos que em qualquer parte do mundo fazem parte do jogo da economia de livre mercado.

Por anos, quando uma empresa chinesa estava prestes a falir, sua dívida era comprada por bancos estatais ou recebiam injeções de capital. O principal exemplo desse esquema são as empresas "zumbis", que perdem bilhões de yuans por ano, mas continuam operando graças a estas formas de resgate.

O objetivo geralmente é manter postos de trabalho e a atividade econômica. A prática, recorrente também no Japão, mantém artificialmente muitas empresas estatais que de outro modo iriam à falência.

E é claro que o auxílio a essas empresas ineficientes significa um aumento da dívida do Estado, mas não só ? também leva a uma tensão em nível internacional, já que elas geram um excesso de capacidade.

Isto porque apenas uma porcentagem de sua produção é vendida a preços normais ? digamos, por exemplo, 60% ?, enquanto o restante é vendido no mercado internacional a preços mais baixos que o custo de produção ? no nosso exemplo, 40% da produção.

Ou seja, isto significa perdas.

Essa prática é conhecida como dumping e já causou inúmeras queixas dos Estados Unidos e de países da Europa na Organização Mundial do Comércio (OMC).

"Anteriormente, o governo chinês não permitia que empresas economicamente ineficientes ou empresas 'zumbis' parassem de pagar seus credores. Isso mudou nos últimos anos, e os formuladores de políticas públicas parecem estar muito mais dispostos a deixar para trás empresas improdutivas", resumiu à BBC Elizabeth Colleran, analista de mercados emergentes da empresa de investimentos Loomis, Sayles & Company.

Alta no número de falências

Mas a guerra comercial com os Estados Unidos causou uma onda de falências, desta vez no setor privado, e o Estado decidiu ficar à margem.

De acordo com um artigo do The Wall Street Journal, em todo o país, os tribunais chineses aceitaram cerca de 19 mil pedidos de falência de empresas em 2018, mais do que o triplo de dois anos antes.

Foi um pico de pedidos que diminuiu em 2019.

Gael Combes, analista da empresa Unigestion, sediada na Inglaterra, concorda com Colleran: "Nos últimos anos, vimos na China um número crescente de empresas que não conseguem pagar seus credores e vão à falência".

"É uma mudança que também coincide com o momento em que a China busca reequilibrar sua economia", acrescenta.

Os especialistas acreditam que a desaceleração do crescimento da gigante asiática também teve a ver com isso.

Dados oficiais indicam que, no segundo trimestre deste ano, a China registrou o crescimento mais lento em 30 anos: 6,2%. Para alguns analistas, a desaceleração possivelmente foi muito mais forte que isso.

Mais tribunais

Uma das razões para os números de 2019 serem menores que o de 2018 é que a China fortaleceu seu sistema judicial no segmento de liquidação e resgate de empresas, nomeando administradores para renegociar dívidas com credores.

A China tem agora 90 tribunais de falências dedicados à solução de disputas que surgem entre acionistas, credores e as próprias empresas, tornando a resolução desses casos mais rápida e eficiente.

A maioria dos tribunais de falências abriu após mudanças nas leis em 2015.

Naquele ano, a China "lançou um novo arcabouço jurídico para impedir o excesso de capacidade de empresas através de multas e medidas preventivas", explica Alicia García Herrero, do Natixis Bank, com sede em Hong Kong.

"As empresas estatais da China são monopólios ou oligopólios e não têm concorrência. É por isso que há excesso de capacidade", diz ele.

Preocupação com as dívidas do país

Outra razão que fez com que as autoridades desistissem mais de empresas inviáveis é a dívida crescente do país.

Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que a dívida da China em relação ao seu Produto Interno Bruto (PIB) passou de 27% em 2008 para 55,5% em 2019. Ou seja, o dobro.

"As falências são necessárias para impor uma disciplina de capital e ter um sistema mais eficiente", diz Colleran.

"Os recursos da China foram corroídos pois a dívida continuou a acumular e o déficit orçamentário aumentou. Em última instância, isso deveria levar a uma melhor gestão dos negócios e fazer desaparecer os participantes mais fracos", aponta Combes.

Mas o que preocupa não é o número (de falências) em si, mas a velocidade com que se chegou a ele, diz Mike Kerley, da gestora britânica Henderson Investors.

Mais uma mudança de orientação que reforça novamente a pergunta: quão comunista é a segunda maior economia do mundo?


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