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A influencer espiritual acusada de incentivar suicídios ao defender morte como "recomeço"

Teal Swan já foi acusada de incentivar suicídios - BBC
Teal Swan já foi acusada de incentivar suicídios Imagem: BBC

Lebo Diseko e Joanne Whalley - Da BBC News

26/11/2019 14h17Atualizada em 26/11/2019 19h56

Aviso: Este artigo contém descrições que alguns leitores podem considerar perturbadoras

Ela já tinha visto em casa o desenho a lápis da mulher de cabelos compridos casa há algum tempo. Mas Sarah não reparou nele, afinal, sua filha Casey era uma artista talentosa e passava muitas horas concentrada no trabalho.

Só algum tempo mais tarde que Sarah se perguntaria sobre o desenho e começou a investigar. Logo, descobriu que Casey havia postado a obra na internet com a legenda: "Essa mulher linda é Teal Swan, uma amada e espetacular guru espiritual".

Casey se suicidou alguns meses depois do post. Sarah, devastada pela perda de sua única filha, queria tentar melhor as últimas semanas da garota.

Entre as perguntas: quem era aquela mulher que provocou tal fascínio à jovem de 18 anos?

Teal Swan é uma professora que se autodenomina "revolucionária da transformação pessoal" e "catalisadora espiritual".

Nascida em Utah como Mary Teal Bosworth, ela criou retiros nos Estados Unidos e na América Central. Tem centenas de milhares de seguidores nas redes sociais - e seu canal no YouTube tem mais de 79 milhões de visualizações.

Ela se concentra em conselhos sobre saúde mental, muitos dos quais dirigidos a pessoas que se sentem deprimidas ou pensam em suicídio. Swan, cujas crenças incluem a reencarnação e o poder da cura por cristais, diz que sua experiência como sobrevivente de várias tentativas de suicídio lhe dá uma visão única do problema. Segundo ela, seu "conhecimento" de certa forma supre a falta de profissionais de saúde mental.

Swan diz que sua intenção é ajudar pessoas em crise e muitos afirmam ter sido ajudados pelos ensinamentos da guru em seus momentos de desespero.

Por outro lado, críticos de Swan a acusam de glorificar a morte. Especialistas em saúde mental ouvidos pela BBC News chamaram algumas das abordagens da guru de "irresponsáveis" e "perigosas".

Sentada em sua sala no noroeste dos Estados Unidos, com uma música cristã ao fundo, enquanto a luz do sol entra pelas janelas da casa, Sarah e o marido contam sobre a chamada telefônica que lhes destruiu o mundo: quando souberam que a filha havia tirado a própria vida.

Embora soubesse que Casey sofria por causa do fim de um relacionamento, Sarah não tinha ideia da gravidade da situação.

Ela começou a vasculhar as redes sociais da filha em busca de pistas. Viu que Casey compartilhara no Facebook o retrato a lápis de Teal Swan. Percebeu que a filha entrara na "Teal Tribe" - um grupo privado do Facebook, ou seja, onde apenas seus integrantes podem ver os posts.

Sarah conseguiu entrar no grupo e ficou horrorizada com o que descobriu. Um post da própria filha dizia que havia tentado tirar a própria vida. A foto com o post era uma imagem de uma mulher segurando dois dedos na cabeça como uma arma.

Em resposta, duas pessoas, incluindo um dos voluntários que ajudam a moderar o conteúdo do grupo, postaram um vídeo de Swan intitulado "Quero me matar (o que fazer se você for um suicida)".

Nele, Swan recomenda que procurem ajuda médica, mas diz que, na sua experiência, para algumas pessoas, isso pode não ajudar a longo prazo.

Ela dá entender que o suicídio pode ser visto como uma "rede de segurança ou nosso botão de redefinição que está sempre disponível para nós". Ela argumenta que ver o suicídio dessa maneira permite às pessoas desistir da ideia e, em vez disso, se concentrar no que puderem fazer para se sentir melhor.

Ela também sugere um exercício no qual os espectadores devem se deitar no chão e imaginar a própria morte com "detalhes terríveis". Swan argumenta no vídeo que, ao fazer isso, os espectadores vão perceber que "não há para onde ir, apenas voltar à vida... Então, por que sair?"

No início de novembro de 2019, o vídeo aparecia entre os principais resultados de uma pesquisa sobre suicídio no Google.

Não se sabe se Casey assistiu ao vídeo ou não. Se sim, não se sabe se ele teve alguma influência em sua decisão final. Mas suas postagens pouco antes da morte refletem parte da linguagem que Swan costuma usar, incluindo referências ao renascimento.

A mãe dela, Sarah, ficou furiosa porque a postagem do vídeo foi a única resposta do grupo da Tribo Teal à mensagem de Casey - e ninguém ligou para a polícia ou tentou entrar em contato com a família.

Duas semanas após Casey postar sobre sua tentativa de suicídio, ela se matou.

"Foi uma grande oportunidade perdida e um erro incrível", diz Sarah.

"Embora eu acredite que houve mais de uma ocorrência (de tentativa de suicídio) na vida de nossa filha, você teria que me convencer de que os ensinamentos de Teal não tiveram um papel importante na mente dela quando ela tirou a vida."

"É quase como um ensaio (de suicídio)", diz Sarah sobre os conselhos do vídeo.

O grupo fechado no Facebook do Teal Tribe tinha mais 27 mil membros. Muitas postagens são perturbadoras. Há muitas discussões sobre suicídio, com pessoas dizendo que queriam acabar com suas vidas e outros integrantes do grupo oferecendo conselhos.

Em alguns casos, as respostas sugeriam telefones de prevenção ao suicídio. Mas muitas vezes, apenas o vídeo de Swan sobre o que fazer se você quer se suicidar era publicado, em meio a conselhos de usuários do grupo.

Durante as semanas em que a BBC News acompanhou o grupo, outro jovem integrante do fórum também se suicidou dias depois de postar sobre essa possibilidade.

Ensinando pessoalmente

Além de ensinar online, Swan realiza oficinas pessoalmente nos Estados Unidos e na Europa. Os ingressos custam até U$ 200 (cerca de R$ 840). Em um evento em Chicago, a BBC News conversou com fãs que visivelmente sentem um forte vínculo com ela.

Um deles disse que Swan está "mudando o mundo". Outro a chamou de "gênio da conexão humana".

O evento durou cerca de seis horas, com pessoas da plateia subindo ao palco, onde Swan dava conselhos. Eles conversaram sobre questões profundamente pessoais, de abuso a sentimentos suicidas. Um homem disse que assistia aos vídeos dela por cinco horas todas as noites.

Após o workshop, Swan falou com a BBC News. Questionada sobre como responderia àqueles que a acusam de incentivar o suicídio, ela deu risada. "Isso é muito engraçado. É realmente engraçado para mim."

Em seguida, mais séria, refutou a acusação. Afirmou que chamá-la de defensora do suicídio era "ridículo" e que quem faz isso "obviamente não assistiu" a seus vídeos.

O clima pesou quando lembramos a Swan que dois integrantes de seu grupo haviam tirado a própria vida recentemente. "Não os conheço", respondeu.

Visivelmente irritada, disse se considerar a razão pela qual mais pessoas não se mataram. "Se você olhar para a demografia de pessoas interessadas no meu tipo de material, percebe que se trata de um grupo instável de pessoas."

"Dar a entender que sou responsável pelo suicídio de pessoas que me procuraram por causa de tentativas de suicídio é muito insano."

Sobre seu grupo no Facebook, Swan admitiu que sente muita ansiedade. "Essa é a pior parte da minha carreira", disse.

"Você inicia um grupo no Facebook na expectativa de que seja um lugar para todos esses indivíduos. Então, digamos que alguém decida se matar nesse grande grupo de pessoas que já estão sofrendo antes de chegar até você. Estou tentando convencer moderadores que estão em fusos horários diferentes, mas digamos que um de nós não veja [um suposto suicida]. E agora alguém diz que você deveria ter visto. Então, a culpa é sua porque eles cometeram suicídio."

"Pensamos nisso o tempo todo. Trata-se de pessoas vulneráveis. O que podemos fazer quando não conseguimos entender tudo isso?", questiona.

Ao mesmo tempo, ela também admite que os voluntários que ajudam a administrar a página não recebem treinamento ou instruções sobre como reagir a posts de conteúdo suicida.

"Às vezes, parece que temos uma ala psiquiátrica, mas ninguém está cuidando do prédio e não podemos pagar alguém para isso. Quem quer fazer esse tipo de trabalho?"

Mas será que redes sociais são o local certo para discussões tão sensíveis?

"Essa é realmente a minha pergunta, me pergunto muito e me lembro de quando tinha 15 anos", diz ela. "Fico pensando no que gostaria que acontecesse às 3h da manhã, quando todos os outros em minha casa dormiam. Gostaria que alguém em um vídeo do YouTube me dissesse como me sentir diferente".

É difícil saber se alguém que tirou a própria vida foi influenciado pelos ensinamentos de Swan. A guru sustenta que as pessoas agradecem sua ajuda.

"O suicídio nunca é a resposta. Meus ensinamentos têm a intenção de ajudar as pessoas a se decidirem pela vida. Qualquer suicídio é uma tragédia, e enviamos nossas mais profundas condolências à família dessa jovem", disse, em relação a Casey.

Ela também acrescentou que "muitos profissionais de saúde mental respaldam meus ensinamentos".

Recentemente, Swan lançou outro vídeo, deixando "claro" que é contra o suicídio e que sua intenção é ajudar as pessoas e, certamente, não incentivar o ato. Ela diz que tenta tirar o estigma das discussões sobre suicídio.

Neste ponto, parece que todos especialistas estão de acordo.

Preocupações dos especialistas

Especialistas ouvidos pela BBC News questionaram alguns aspectos dos ensinamentos de Swan.

Um deles é Jonathan Singer, presidente da Associação Americana de Suicidologia (estudo do comportamento e das causas do suicídio).

"Quando ouvi Teal dizer que o suicídio pode ser um 'botão de redefinição', fiquei incomodado", diz. "Isso dá a entender que a pessoa pode tentar se matar e, depois, recomeçar e melhorar, e isso não é verdade."

"Quando você diz a alguém para visualizar como seria seu suicídio, você está dizendo à pessoa para praticar o suicídio em sua mente", diz ele.

Ele explica que esse tipo de "ensaio é uma maneira muito eficaz de melhorar sua capacidade real de fazer alguma coisa". Por exemplo, esse "treinamento mental" é algo que os atletas de nível olímpico usam para melhorar o desempenho, diz ele.

"E, portanto, dizer a alguém para pensar em como vai se matar não é seguro."

Ged Flynn, CEO da Papyrus, instituição beneficente britânica para prevenção de suicídios, concorda que incentivar as pessoas a imaginar seu próprio suicídio não é a melhor maneira de tratar do assunto. "Em nenhuma circunstância é útil incentivar qualquer pessoa a ter pensamentos suicidas. Isso glorifica ainda mais esse estado", afirmou. "Este exercício só pode levar ao risco de danos e até a morte. Tais exercícios são irresponsáveis."

Swan argumenta que a técnica "pega ideias suicidas subconscientes" e as leva para lugares diferentes, resultando em algo mais positivo.

Já Singer se diz preocupado sobre como os vídeos de Swan são compartilhados.

Ele argumenta que, embora possa ser útil para pessoas em situações semelhantes oferecer apoio umas às outras, fóruns como o Facebook podem se tornar "como uma câmara de eco".

"Se você é suicida e frequenta um fórum e todo mundo está postando sobre ser suicida, isso normaliza o suicídio."

Segundo Singer, as empresas de redes sociais deveriam regular melhor conteúdos relacionados a suicídio, além de ajudar as pessoas com pensamentos suicidas a encontrar ajuda. "Eu acho que eles (redes sociais) absolutamente deveriam intervir quando as pessoas postam conteúdos suicidas."

Em reação aos questionamentos da BBC News, o Facebook encerrou o fórum fechado da tribo Teal.

"Em consulta com especialistas em prevenção de suicídio e automutilação, nossas políticas permitem algum conteúdo que expresse uma intenção de suicídio ou automutilação como uma oportunidade para alguém responder ao que pode ser um pedido de ajuda. No entanto, não permitimos conteúdo que promova ou incentive diretamente o suicídio ou a autoagressão", disse o Facebook, em nota à BBC News.

Integrantes do grupo encerrado, criaram no Facebook o "Phoenix Tribe". Embora não seja administrado por Teal Swan, pelo menos uma pessoa da sua equipe de administração integra o grupo. Já há pessoas falando sobre pensamentos suicidas, sem a oferta de qualquer linha de apoio.

O YouTube afirmou que a empresa "se esforça para encontrar um equilíbrio entre proibir vídeos que incentivam atos perigosos e oferecer um lugar, onde as pessoas podem conversar aberta e honestamente sobre seus pensamentos e experiências".

A companhia afirma que o vídeo em que Swan sugere que o espectador imagine sua própria morte foi removido por violar suas políticas. Mas ele ainda está no canal de pelo menos um outro usuário e já foi compartilhado dentro do novo grupo do Facebook.

Em sua tranquila casa suburbana no noroeste dos Estados Unidos, mãe e pai ainda lutam para lidar com a morte de sua filha Casey.

Eles não têm mais telefone em casa, por causa da associação com a ligação devastadora que mudou suas vidas.

Sarah espera que, ao compartilhar sua história, possam ajudar outros. "A vida é preciosa. A vida é um presente. A vida não vem com um botão de reiniciar."

"E se você estiver se sentindo vulnerável, um vídeo não é a autoridade em um tópico dessa natureza. Vá conversar com seu pastor, alguém que ama você, alguém que se importa com você. Essa é a sua autoridade em um tópico dessa natureza."