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O veterano de guerra que superou amputação das pernas e virou instrutor internacional de ioga

Uma amiga de Nevins que era instrutora de ioga conseguiu convencê-lo a fazer três aulas. No início, ele sentia dor e não conseguia se equilibrar, até que decidiu remover as próteses - Mark Cubbedge/Divulgação
Uma amiga de Nevins que era instrutora de ioga conseguiu convencê-lo a fazer três aulas. No início, ele sentia dor e não conseguia se equilibrar, até que decidiu remover as próteses Imagem: Mark Cubbedge/Divulgação

Alessandra Corrêa - De Winston-Salem (EUA) para a BBC News Brasil

26/11/2019 14h26

Na primeira vez que ouviu de uma amiga o conselho de que precisava de "um pouco de ioga em sua vida", o militar americano Dan Nevins reagiu com irritação.

"Eu pensei: 'esta é a coisa mais idiota que já ouvi'", diz Nevins à BBC News Brasil.

Quase 10 anos antes, quando estava em missão no Iraque, o então sargento sobreviveu a uma explosão que levou à amputação de suas duas pernas. Em 2013, depois de passar pela 36ª cirurgia, Nevins enfrentava o que descreve como "as cicatrizes invisíveis da guerra".

"Eu não conseguia dormir à noite. E quando dormia, tinha pesadelos. Misturava comprimidos e uísque, na esperança de não acordar na manhã seguinte", lembra. "Não é que eu estivesse tentando tirar minha própria vida, mas eu simplesmente não queria estar vivo."

Mas apesar da resistência inicial de Nevins, sua amiga, que era instrutora de ioga, acabou conseguindo convencê-lo a fazer três aulas.

"A primeira aula foi horrível", conta ele. "Eu sentia dor com as próteses, que tinha acabado de recolocar após a última cirurgia, e não consegui me equilibrar."

Além disso, sua amiga ficava repetindo "pressione seus pés contra o chão". "Eu tinha vontade de dizer: 'repita pés mais uma vez (para ver o que acontece)!' Eu não tenho pés!", lembra.

Momento transformador

Mesmo frustrado, Nevins cumpriu a promessa de fazer uma segunda aula. Só que, desta vez, decidiu remover as próteses. "E (na época) eu não deixava ninguém me ver sem minhas pernas. Só meus médicos, minha mulher (quando eu era casado) e minhas filhas", ressalta.

"Lembro que pensei: 'aqui estou, de joelhos, em um tapete de ioga'. E nunca me senti tão pequeno em toda a minha vida", recorda.

Mas nesse momento, enquanto seguia as orientações da instrutora, Nevins diz que começou a visualizar raízes saindo do que restava de suas pernas em direção ao solo, enquanto colocava os braços para cima, e sentiu uma "poderosa onda de energia" passando pelo seu corpo.

"E eu me senti com dois metros e meio de altura e mais poderoso do que jamais havia me sentido. Eu me senti vivo. E lágrimas começaram a correr pelo meu rosto. Eu nem estava chorando. Era meu corpo que estava tendo uma reação àquele momento."

Ao final da terceira aula, ele se matriculou em um treinamento para instrutores. Hoje, seis anos depois, Nevins percorre o mundo dando aulas de ioga, não apenas para outros veteranos de guerra como ele, mas para qualquer pessoa que possa se beneficiar da prática.

"Todos nós vivemos com as cicatrizes invisíveis de alguma guerra", afirma o militar reformado de 46 anos. "E ioga, meditação e autoconhecimento funcionam para todo mundo."

Nevins, que vive na Flórida, também trabalha com o Wounded Warrior Project, organização sem fins lucrativos que oferece programas e serviços para veteranos de guerra, e dá palestras sobre sua história e sobre como superar adversidades.

Recentemente, criou sua própria organização sem fins lucrativos, Warrior Spirit Retreat, para ajudar veteranos.

"Ajudo as pessoas a perceberem que suas vidas são bem melhores do que elas pensam", diz. "Uso as histórias da minha vida, as coisas que vi e pelas quais passei, para ajudar a criar perspectiva para elas, de que suas vidas são na verdade uma benção."

'Pensei que minha vida tinha acabado'

O ataque que levou à amputação das pernas de Nevins ocorreu na madrugada de 10 de novembro de 2004, perto da cidade de Balad, no Iraque. Uma bomba explodiu sob o veículo em que Nevins viajava. Seu amigo e chefe do pelotão, Mike Ottolini, que estava ao volante, morreu no ataque.

"Eu não sabia o que estava acontecendo, mas podia sentir e ouvir o veículo se desintegrando ao meu redor", lembra. "Percebi que estava do lado de fora, caído no chão, mas minhas pernas ainda estavam presas."

Nevins diz que achou que ia morrer. Mas ao pensar na filha, que tinha 10 anos na época, ele começou a pressionar os ferimentos com as mãos, tentando conter o sangramento. Foi socorrido pelos companheiros de pelotão.

Quando acordou depois da primeira cirurgia, ainda no Iraque, o enfermeiro disse: "Sargento, você é um homem de sorte. Conseguimos estancar o sangramento e reparar a artéria femoral. Tivemos de amputar sua perna esquerda abaixo do joelho. Conseguimos salvar a perna direita por enquanto, mas você provavelmente vai perder esta também."

"Naquele momento, eu pensei: 'o que um cara sem pernas pode fazer?' E na minha mente, a resposta era nada. Eu era um atleta, corredor. Pensei que minha vida tinha acabado", recorda.

Na manhã seguinte, ele foi transferido para um hospital na Alemanha. Depois, para o hospital militar Walter Reed, perto de Washington, onde ficou internado por 22 meses.

Três anos depois de ter a perna esquerda amputada, sofrendo de dor constante e várias infecções, ele decidiu amputar também a direita.

Esportes e Monte Kilimanjaro

Nevins conta que, na época, sentia-se bem adaptado à nova vida. Com as próteses e livre da dor, ele voltou a se dedicar aos esportes. Jogava golfe, andava a cavalo, esquiava, corria, saltava de paraquedas e chegou até a escalar o Monte Kilimanjaro, a montanha mais alta da África.

"Eu (ainda) não estava sofrendo com estresse pós-traumático, com as cicatrizes invisíveis da guerra. Eu tinha maneiras de lidar com isso, e eram todas físicas", observa.

Foi só em 2013, quando passou pela última cirurgia e teve de se recuperar em casa, sozinho, e sem poder recorrer a atividades físicas, que ele começou a enfrentar essas cicatrizes pela primeira vez.

Ele estava divorciado. Sua filha mais velha agora tinha 18 anos e havia ingressado no Exército. Sua filha menor tinha três anos de idade (hoje Nevins tem uma terceira filha, de dois anos, e uma neta da mesma idade).

"Vinte e dois veteranos de guerra tiram a própria vida a cada dia. E até então eu nunca havia compreendido isso", ressalta.

"Eu tinha o luxo de saber que, em oito semanas, poderia colocar minhas próteses de novo e caminhar, correr, escalar. Que teria de volta as ferramentas que usava para não sofrer. Mas há tantos veteranos que estão sofrendo e que não sabem se (a situação) vai melhorar."

Nevins diz que foi graças à ioga e à meditação que conseguiu superar o trauma. "A prática de ioga, em conjunto com meditação e busca por autoconhecimento, me ajudou a ver como os traumas que sofri (em combate) estavam comandando a minha vida, como eu estava vivendo em reação a todas essas coisas."

Vários dos seus alunos dizem que Nevins salvou sua vida. "Mas, na verdade, o que fiz foi oferecer a eles uma maneira diferente de encarar as coisas. E eles (então) salvaram a si mesmos", afirma.

"Eu sempre digo, convide alguém que você sabe que precisa de ajuda a fazer ioga. Você pode salvar sua vida. Foi o que aconteceu comigo."