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'Vivemos com água no pescoço': museu-símbolo da revitalização do Rio corre risco de fechar as portas

Rafael Barifouse - Da BBC News Brasil em São Paulo

11/12/2019 18h09

Inaugurado em 2013, Museu de Arte do Rio foi um dos principais projetos da recuperação do centro da cidade; mesmo com aumento da visitação, instituição teve corte de orçamento e sofre com atraso de repasses da Prefeitura que lançam incertezas sobre seu funcionamento em 2020.

O último mês foi um dos mais tensos para os funcionários, frequentadores e artistas ligados ao Museu de Arte do Rio (MAR).

Com o atraso do repasse de verbas pela Prefeitura, toda sua equipe estava em aviso prévio. Se a situação não mudasse, os funcionários seriam demitidos e o museu fecharia as portas.

O dinheiro chegou nesta terça-feira (10/12), "em cima do laço", no penúltimo dia do prazo, mas os R$ 451 mil pagos pela gestão de Marcelo Crivella (PRB) são suficientes apenas para pagar a equipe do MAR no mês de dezembro.

O Instituto Odeon, responsável pela administração do museu, disse à BBC News Brasil que o pagamento de R$ 1,5 milhão referente ao contrato vigente ainda está atrasado e que negocia com a Secretaria Municipal de Cultura uma data para o acerto das contas pendentes, além de um plano para "garantir a continuidade das atividades do museu no próximo ano".

Enquanto isso, o futuro do MAR, criado para ser um dos símbolos da revitalização do Rio, segue ameaçado pela falta de verbas.

"É uma situação precária bem angustiante e desgastante, porque esse dinheiro ainda não paga todas as contas do museu, e não temos ainda uma resposta definitiva sobre o que vai acontecer no próximo ano", diz Pollyana Quintella, curadora assistente do MAR.

Pollyana diz que esta não é a primeira crise de repasses que o MAR enfrenta e que o valor pago pela Prefeitura hoje é inferior em relação ao passado, o que obrigou o Odeon a fazer demissões e ajustes de orçamento.

"Estamos sempre com a água no pescoço. Há sempre essa iminência de uma morte anunciada, que não acontece, mas que também não tem uma solução que dê estabilidade e segurança para que o trabalho possa seguir", diz a curadora.

Visitação do MAR cresceu no último ano

O MAR foi inaugurado em março de 2013, como uma das principais iniciativas da revitalização da zona portuária do Rio, no embalo de novos projetos culturais e urbanos idealizados para a cidade tendo em vista a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Sua obra, realizada pela Fundação Roberto Marinho, custou R$ 76,6 milhões. Foram unidos dois edifícios vizinhos, construídos na Praça Mauá na primeira metade do século 20 - o Palacete Dom João VI, que é tombado, e um prédio modernista que abrigou um hospital -, para criar um complexo de 15 mil metros quadrados que se firmaria como um novo marco cultural e turístico carioca.

Sua coleção, montada nos últimos seis anos por meio de doações, reúne mais de 9 mil obras e 20 mil itens bibliográficos e objetos documentais.

Além dos espaços de exposições, o MAR também abriga a Escola do Olhar, que capacita professores e alunos da rede pública por meio de projetos de arte e educação.

Desde 2013, o museu realizou mais de 60 exposições e recebeu mais de 2,9 milhões de pessoas, e a atual crise chega em um momento em que seu público vem crescendo: neste ano, até o início de novembro, 557 mil visitantes passaram por ali, 40% a mais que em 2018.

O curador Evandro Salles, ex-diretor cultural do museu, diz que, além de estimular o turismo e a economia do Rio, o MAR também realiza atividades voltadas para comunidades carentes do entorno, como o Morro da Conceição, e de bairros periféricos da cidade.

"O MAR hoje é muito visitado e atrai um público que não é típico dos museus, muito plural, de várias classes sociais, além de fazer um trabalho muito importante com escolas públicas", diz o curador.

Salles foi demitido em novembro junto com mais oito funcionários, como parte dos cortes orçamentários na instituição. "É um processo muito doloroso. Apresentam como justificativa que não há dinheiro, mas talvez não haja uma compreensão da importância que o museu tem para a cidade."

Procurada pela BBC News Brasil, a Prefeitura não respondeu ao pedido de entrevista até a publicação desta reportagem.

Cortes de orçamento

Cabe à Prefeitura cobrir os custos de manutenção do museu, como salários dos funcionários, contas de água, luz e serviços terceirizados de limpeza e segurança, por meio de repasses ao Instituto Odeon, contratado para gerir o MAR desde sua abertura.

O Odeon é responsável por buscar junto a programas de incentivo e patrocinadores os recursos para realizar exposições e outras atividades.

O contrato de dois anos firmado entre a organização e a Prefeitura, ainda na gestão de Eduardo Paes (DEM), previa o pagamento de R$ 28 milhões. O acordo foi prorrogado em 2014 por mais dois anos, com repasses de R$ 24 milhões.

Depois de Crivella assumir, o contrato foi estendido novamente, por apenas um ano, com um valor de R$ 14 milhões. Um novo contrato foi fechado entre a Prefeitura e o Odeon, em abril de 2017, quando houve a primeira queda brusca no orçamento do MAR.

Com um prazo de dois anos, ele previa um total de R$ 19,75 milhões, quase 30% a menos que o valor repassado nos dois anos iniciais.

Em abril deste ano, foi prorrogado, mas por só cinco meses, até setembro, com um valor de R$ 3,18 milhões. Isso representou um novo corte de orçamento, de 22,6% em comparação com o valor repassado ao longo de cinco meses no período de vigência anterior.

A Prefeitura diz enfrentar dificuldades financeiras, porque teria herdado dívidas da gestão anterior, e por isso não pode manter o orçamento do MAR nos patamares de antes. O mesmo motivo estaria por trás do atraso de um novo repasse acertado com o Odeon para cobrir os últimos três meses deste ano.

Como nada havia sido pago até o início de novembro, o Odeon colocou os funcionários do MAR em aviso prévio, uma medida que disse ser necessária para garantir seus direitos trabalhistas caso não houvesse acordo com o poder público.

'O que está acontecendo é trágico'

Uma parte foi finalmente depositada nesta terça-feira, mas o grosso da verba necessária para o fim deste ano ainda não chegou. E não há por enquanto uma previsão oficial de quando isso ocorrerá nem uma definição sobre o futuro do MAR em 2020.

Evandro Salles argumenta que o museu foi fundamental na recuperação da autoestima e da imagem do Rio e de sua importância cultural e econômica, o que fica ameaçado diante das incertezas que pairam sobre o MAR.

"O que está acontecendo é trágico, uma derrocada da renovação da cidade. Não é possível uma instituição deste porte ficar nesta fragilidade, sem perspectiva. O que foi feito até agora não é uma solução, mas um paliativo que joga o problema para janeiro. É preciso pensar em uma estrutura que dê conta do museu por pelo menos dois anos", afirma ele.

É também o que demanda o movimento MAR Vive, criado diante da perspectiva do fechamento do museu e que vem se mobilizando desde então para conscientizar a população sobre o problema e pressionar a Prefeitura por uma solução.

No final de novembro, o grupo reuniu centenas de pessoas em um protesto e, desde então, se encontrou com o secretário municipal de Cultura, Adolpho Konder. Também divulgou uma carta-manifesto em defesa do museu que já recebeu mais de 44 mil assinaturas.

O Mar Vive hoje tem 85 membros, entre artistas, curadores, produtores, educadores e outros representantes da sociedade civil. A artista plástica Rosana Palazyan faz parte do movimento e diz que a crise do MAR foi o estopim de uma mobilização que agora se voltará contra o que consideram ser um desmonte do setor cultural carioca.

Ao mesmo tempo, o grupo se manterá alerta para os rumos do museu da Praça Mauá, diz Palazyan. "O pagamento feito agora é um primeiro alívio, mas não quer dizer que vamos aceitar só isso nem que nossa mobilização vai acabar. Continuaremos unidos e a dialogar com o responsáveis. Não vamos deixar o MAR fechar."


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