Ataque a bases americanas no Iraque indica recuo do conflito EUA-Irã
Após dias seguidos de ameaças, o Irã retaliou a morte do comandante militar Qassim Suleimani com ataques a duas bases aéreas americanas no Iraque nesta terça-feira (7, em Brasília).
"Ontem à noite, nós demos um tapa na cara deles", afirmou o líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, a uma multidão em Teerã, que respondeu com cantos de "morte aos Estados Unidos".
A ofensiva com dezenas de mísseis, ocorrida três dias após o assassinato de Suleimani em um ataque aéreo com um drone americano, foi o maior ataque direto do Irã contra os EUA desde a invasão da embaixada americana em Teerã em 1979.
Mas se por um lado a Guarda Revolucionária do Irã afirmou que "a vingança feroz começou", por outro, sinais dados por ambos os lados do conflito indicam uma relativa desescalada do conflito por ora.
'Diplomacia de Twitter'
O chanceler iraniano, Mohammad Javad Zarif, que, dias atrás, chamou o ataque americano de "terrorismo" e "ato de guerra", disse agora no Twitter que o ataque às bases Al-Asad e Irbil foi um ato de legítima defesa seguindo leis internacionais.
"Nós não estamos buscando escalada (dos conflitos) ou guerra, mas nos defenderemos contra qualquer agressão", escreveu em inglês.
Conhecido por uma retórica agressiva na mesma rede social, Trump publicou, pouco tempo depois do ataque, uma mensagem em que disse que "está tudo bem". Ninguém ficou ferido na ação iraniana.
Para o editor de Oriente Médio da BBC, Jeremy Bowen, o Irã tenta em sua diplomacia via Twitter "passar a bola" para os Estados Unidos em razão da disparidade militar entre os dois países.
"Eles estão dizendo aos americanos: 'Agora é com vocês, se querem ou não escalar isso'."
Jonathan Marcus, repórter de diplomacia e defesa da BBC, afirmou que a resposta do Irã foi "modesta", dada a importância de Suleimani, e feita com o objetivo de causar o mínimo de danos possível.
"Tanto os EUA quanto o Irã, para além de toda a retórica, não querem um conflito maior. Então essa pode ser uma linha traçada sobre esse tema por ora", afirmou Marcus.
Fawaz Gerges, professor de relações internacionais da London School of Economics, afirmou que os líderes iranianos agora já podem falar aos cidadãos que retaliaram a morte de Suleimani e que os próximos dias e semanas serão "extremamente perigosos", apesar do distensionamento do conflito.
"Não tenha dúvidas disso: esse é o início de um conflito bem prolongado entre Irã e seus aliados contra os Estados Unidos e seus aliados", afirmou Gerges à BBC.
Para Frank Gardner, repórter de segurança da BBC, "este é provavelmente o fim da fase 1 da retaliação do Irã".
O parlamentar britânico Tom Tugendhat, ex-chefe do comitê de relações exteriores do país, afirmou que "se os dois lados declararem vitória e voltarem a conversar, será algo extremamente bem-vindo".
Presença dos EUA no Iraque
Mas, para analistas, apesar dos sinais dados após o ataque a bases com tropas americanas, o Irã continuará perseguindo um de seus principais objetivos: a retirada dos Estados Unidos do Oriente Médio, em especial do Iraque.
Suleimani era uma figura essencial para a projeção do poder iraniano na região. Desde 1998, ele liderava a Força Quds, um poderoso braço paramilitar de elite da Guarda Revolucionária, cujas operações estão presentes em diversas partes do mundo.
A organização também está ligada ao grupo Hezbollah, no Líbano, e às milícias xiitas no Iraque e no Afeganistão - assim, o impacto da morte do general vai além das fronteiras do Irã.
"Vocês arrancaram a mão de Suleimani de seu corpo" disse o presidente iraniano, Hassan Rouhani, fazendo referência a imagens do corpo do general após o ataque. "Como vingança, nós deveríamos cortar os pés dos EUA e expulsá-los da região", acrescentou o líder em uma reunião de gabinete nesta quarta-feira.
No Twitter, Rouhani escreveu em inglês: "O general Suleimani lutou heroicamente contra Estado Islâmico, Al-Nusrah, Al-Qaeda etc. Se não fosse por sua guerra ao terror, capitais europeias estariam sob grande perigo agora. Nossa resposta final ao seu assassinato será expulsar as forças americanas da região".
A declaração faz eco ao discurso do aiatolá Khamenei horas antes em Teerã. "O que importa é que a presença corrupta dos Estados Unidos precisa chegar ao fim."
Cerca de 5 mil soldados dos EUA estão no Iraque como parte da coalizão internacional que combate o Estado Islâmico.
Essa coalizão interrompeu as operações contra o grupo no Iraque pouco antes de uma votação no Parlamento iraquiano, no domingo, na qual foi aprovada uma resolução pedindo que tropas estrangeiras deixassem o país após o assassinato de Suleimani.
Trump afirmou que a saída das tropas americanas poderia ser a pior coisa a acontecer ao Iraque, e o secretário de Defesa dos EUA, Mark Esper, negou que os EUA tenham planos de sair do território iraquiano.
Oficialmente, Trump respondeu à resolução do Parlamento iraquiano, no domingo, dizendo que haveria sérias repercussões se o Iraque expulsasse as tropas americanas do país, como sanções dos EUA contra o Iraque.
Ele também afirmou que essa retirada só ocorreria se o governo iraquiano pagasse pela base aérea que os EUA construíram no país. "Temos uma base aérea extraordinariamente cara que está lá. Custou bilhões de dólares para ser construída, muito antes de mim (na Presidência). Não vamos embora a menos que nos paguem", disse a jornalistas.
Acordo nuclear em risco
Gerges, da London School of Economics, afirmou que a Europa deveria assumir novamente a mediação do conflito entre Irã e EUA.
Depois da morte de Suleimani, o governo iraniano declarou que não vai mais cumprir nenhuma das restrições impostas por um acordo nuclear firmado em 2015 com Estados Unidos, países europeus, Rússia e China.
À época, o Irã concordou em limitar suas atividades nucleares e permitir a inspeção de fiscais internacionais em troca do congelamento de sanções econômicas impostas ao país.
Em 2018, Trump já havia abandonado o acordo, dizendo que queria forçar o Irã a negociar um novo documento que colocaria mais restrições em seu programa nuclear e também interromperia o desenvolvimento de mísseis balísticos.
O Irã recusou a proposta do presidente americano e, desde então, passou gradualmente a reverter seus compromissos firmados no acordo.
Apesar de ter anunciado que não cumpriria mais as limitações de sua capacidade de enriquecimento de urânio, estoque de material enriquecido ou pesquisa e desenvolvimento, o Irã não afirmou que estava se retirando do acordo de 2015 e acrescentou que continuaria a cooperar com a agência nuclear da ONU, a AIEA.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que o bloco europeu não medirá esforços para salvar o acordo nuclear com o Irã e pediu o fim do conflito armado na região.
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