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Coronavírus: excluídos de voo de repatriação, brasileiros no Laos e Camboja temem ser 'esquecidos'

O professor Carlos Martins viajou de férias à Tailândia, mas não conseguiu voltar ao Brasil até agora - Arquivo pessoal
O professor Carlos Martins viajou de férias à Tailândia, mas não conseguiu voltar ao Brasil até agora Imagem: Arquivo pessoal

Claudia Jardim

De Bangcoc (Tailândia) para a BBC News Brasil

21/04/2020 12h44

Dez brasileiros estão ilhados no Laos e não embarcarão no voo de repatriação fretado pelo Ministério das Relações Exteriores que deverá levar de volta ao Brasil 383 cidadãos presos entre a Tailândia, Indonésia e Vietnã.

O professor Carlos Martins viajou ao sudeste asiático para comemorar duas datas importantes em sua vida: a chegada aos 60 anos e sua aposentaria. "Planejei essa viagem durante um ano. Queria conhecer essa cultura tão diferente da nossa."

A aventura se tornou um pesadelo quando a Tailândia fechou as fronteiras aéreas e terrestres com seus vizinhos para conter a expansão da covid-19 dias poucos dias antes que Martins retornasse a São Paulo, no final de março.

Quando isso aconteceu ele estava no Laos, onde permanece desde então. "Meu único medo é ficar esquecido aqui", conta à BBC News Brasil em entrevista por videochamada.

Sua visita ao Laos, planejada para durar três dias, já dura um mês. Martins não pode regressar a Bangcoc e perdeu o voo de volta ao Brasil. "Estou muito sozinho, emocionalmente abalado, é muita solidão e não estou otimista, não sabemos quando essa crise vai passar", desabafa.

O professor está entre o grupo de 10 brasileiros que estão "ilhados" no Laos e que não embarcarão no voo de repatriação fretado pelo Ministério das Relações Exteriores que deverá levar de volta ao Brasil, nesta terça-feira, 383 cidadãos que ficaram presos entre a Tailândia, Indonésia e Vietnã. Até esta terça-feira, outras 58 pessoas aguardavam na lista de espera em Bangcoc.

Além do grupo retido no Laos, outros 15 brasileiros enfrentam a mesma situação no Camboja. De acordo com a Embaixada brasileira em Bangcoc, a Tailândia não autorizou a entrada dos brasileiros que estão nesses países nem sequer para trânsito, o que teria inviabilizado a viagem do grupo à capital tailandesa. O Itamaraty admite que não há nova data prevista para o resgate deste grupo.

'Repulsa e insegurança'

As ruas da capital do Laos, Vientiane, deixaram de ser amigáveis para os turistas. Patrulhas controlam a circulação das pessoas e o trânsito entre as Províncias está proibido —até agora, o número oficial de infectados no local é de apenas 19 pessoas. A subnotificação no país também é uma realidade.

"Não posso circular na rua livremente porque agora os turistas são vistos como transmissores do vírus. Existe uma repulsa que gera insegurança", afirma Martins.

Apesar de estar hospedado em um hotel modesto, o professor diz que precisa economizar ainda mais. "Vi um hotel de 10 dólares, vou mudar pra lá", conta.

"Planejei uma viagem de um mês e já estou há quase dois fora de casa. Minha situação financeira esta difícil. Estou tirando dinheiro do orçamento familiar para a minha manutenção aqui", relata.

Hipertenso, Martins conseguiu um remédio genérico na farmácia local para controlar a pressão, mas diz duvidar da sua eficácia.

As dores crônicas provocadas pela artrite estão sendo controladas com antiinflamatórios, porque há um mês Martins não recebe as injeções que pega no SUS para tratar a doença.

Thaís Torres está há 10 dias tentando voltar para o Brasil - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Thaís Torres está há 10 dias tentando voltar para o Brasil
Imagem: Arquivo pessoal

Apesar da idade e do mal estar crônico, Martins não se diz preocupado em contrair a covid-19. "Aqui vejo que o distanciamento social funciona e eu sou a prova disso", afirma.

O voo GA8800, da empresa aérea indonésia Garuda, deve sair de Hanói com parte do grupo, passa por BanGcoc onde 190 brasileiros devem embarcar e segue para a Indonésia para resgatar outras 144 pessoas.

De lá, o voo seguirá até Amsterdã, onde fará uma escala, e decolará rumo a São Paulo, onde a aeronave deve aterrissar no aeroporto de Guarulhos às 18h10 (horário local) nessa quarta-feira, 22.

Não só turistas

Há dois perfis de brasileiros que embarcarão no voo de volta ao Brasil: turistas, que como Martins viram as fronteiras se fecharem e voos serem cancelados, e trabalhadores imigrantes que perderam empregos devido à crise ocasionada pela pandemia e, por consequência, seus vistos de trabalho.

Esse é o caso de Thaís Torres, de 32 anos. "Espero que dessa vez dê certo, estou há 10 dias tentando voltar para casa", desabafa.

A repatriação dos brasileiros no sudeste asiático se tornou dramática. O voo que estava previsto para sair no dia 16 de abril teve de ser cancelado na última hora porque o governo do Qatar não autorizou a escala em seu país. "Estávamos saindo para o aeroporto quando nos avisaram que estava cancelado", relata Torres.

A brasileira morava na ilha de Phuket, um dos principais destinos turísticos da Tailândia, havia três anos, onde dava aulas de inglês. Em março, o número de casos de infecções na ilha aumentou drasticamente, o que levou o governo tailandês a fechar a área, proibindo a entrada e saída de pessoas.

Os efeitos da pandemia na economia local e nacional foram vistos de imediato. E Torres foi demitida. "Foi tudo muito rápido. Perdi o trabalho e consequentemente perdi meu visto, plano de saúde, salário, tudo", relata.

Dias depois, ela conseguiu trabalho em uma escola de educação infantil, mas ali trabalhou poucos dias. No final de março o governo tailandês ordenou o fechamento de todas as escolas do país, sem previsão de reabertura. Torres voltou a perder o emprego.

"Eu não tinha condições de ficar aqui sem salário, sem visto. Não estava preparada para voltar, mas a situação foi piorando muito", conta.

Ela fez contato com a Embaixada brasileira em Bangcoc, preencheu formulários e conseguiu uma vaga no voo de repatriação. Em questão de horas, relata, ela teve de abandonar o apartamento em Phuket, fretar uma van - junto com outros 8 brasileiros - para viajar à capital tailandesa, pedir autorização da prefeitura para deixar a ilha e abandonar o resto.

"Tive que empacotar tudo em uma tarde, coisas de uma casa que mantive três anos em apenas uma tarde. Deixei muita coisa para trás, só coloquei na mala o essencial, roupas, sapatos e meu computador. Foi muita tensão", afirma.

A incerteza sobre o futuro gera ansiedade. "Na minha cabeça estou dando uma pausa na minha vida. Vou para a casa da minha família e quando a vida voltar ao normal vou pegar meu trabalho de volta", relata chorando. "Isso não é uma despedida (da Tailândia)".