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À frente da SpaceX e ex-queridinho da internet, Elon Musk se aproxima da direita de Trump e Bolsonaro

Mariana Sanches - @mariana_sanches - Da BBC News Brasil em Washington

30/05/2020 07h36

Empresa deve ser a primeira sem participação estatal a lançar um foguete tripulado ao espaço, enquanto seu CEO nega a gravidade do coronavírus e viola quarentena

O nome do bilionário Elon Musk foi, durante muito tempo, sinônimo de progresso da ciência e de investimento em uma economia verde. No Vale do Silício, celeiro californiano de start-ups, ele é uma espécie de "Professor Pardal high-tech", com soluções engenhosas e ultratecnológicas para assuntos cotidianos ou extraterrestres, que lhe renderam fama e seguidores no ambiente geek e politicamente progressista, especialmente nos Estados Unidos.

Musk criou a Space X, que neste sábado tenta se converter na primeira empresa privada a enviar foguetes tripulados ao espaço. E é também o criador da fábrica de carros elétricos de luxo Tesla. Ter um Tesla até recentemente não era apenas sinal de riqueza: ao desembolsar os até 125 mil dólares (ou quase R$800 mil) que um modelo desses pode custar, o proprietário declarava a quem o visse passar pela rua que seus valores se alinhavam a uma política ambientalmente sustentável e que seu dinheiro estava à serviço do desenvolvimento da ciência.

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Essas premissas, no entanto, tem sido abaladas pelo comportamento recente de Musk.

Conhecido por alimentar pessoalmente - e em abundância - seus perfis em redes sociais, ele passou a usar as plataformas para questionar a gravidade da pandemia de coronavírus e combater as medidas de distanciamento social impostas pelas autoridades da Califórnia, onde está a sede de sua fábrica de carros.

A Tesla teve lucro recorde no primeiro trimestre de 2020, embalada por um 2019 em que a empresa produziu mais de 300 mil veículos, e seu valor de mercado, de US$ 140 bilhões, superou o de gigantes como McDonalds e Nike. Principal acionista da empresa, Musk, cuja fortuna é estimada em US$ 41 bilhões, viu seu patrimônio aumentar em US$ 13 bilhões apenas em janeiro de 2020, graças ao bom desempenho da montadora.

Para esse ano, a empresa prometia produzir 500 mil carros, mas a obrigatoriedade de fechamento da fábrica deve forçar a Tesla a rever as projeções.

Motivado ou não pelos custos financeiros que a epidemia deve impor, o comportamento político de Musk nas redes tem feito com que ele caia nas graças de políticos populistas de direita. O empresário tem sido defendido pelo presidente americano Donald Trump e há ainda um flerte em curso entre ele e o governo brasileiro de Bolsonaro.

"Tomei a pílula vermelha"

Em 6 de março, via Twitter, Musk chamou o pânico em relação ao coronavírus de "estúpido" e, duas semanas mais tarde, quando os americanos já contavam milhares de vítimas fatais, afirmou que "o temor causará mais perdas do que o próprio vírus".

Nesse meio tempo, também opinou que "crianças são essencialmente imunes" à Covid-19 e que usar cloroquina "é melhor do que nada" no tratamento à doença - há cada vez mais evidências em contrário. Criticou ainda o uso das máscaras N-95, consideradas as mais efetivas na proteção contra o Sars-CoV-2.

Os comentários de Musk já mostravam alinhamento com o posicionamento do presidente americano Donald Trump em relação à epidemia. Partiu de Trump a sugestão da cloroquina como remédio e o comportamento negacionista foi a tônica de seus primeiros movimentos em relação ao assunto.

Mas, conforme o número de casos aumentava no país, que essa semana ultrapassou os 100 mil mortos na pandemia, a semelhança de posturas entre ambos se tornou tal que Trump e seus aliados passaram a endossar Musk.

O empresário qualificou como "fascistas" as medidas de distanciamento social adotadas pelo governo da Califórnia e passou a pressionar as autoridades locais a permitir a reabertura da planta da Tesla.

"Liberte a América agora", ele tuitou no dia 29 de abril. E ameaçou mudar a fábrica para estados já reabertos, como o republicano Texas.

No dia 11 de maio, Musk anunciou via Twitter que promoveria a desobediência de milhares de trabalhadores à quarentena imposta pelas autoridades locais: "A Tesla está reiniciando a produção hoje contra as regras de Alameda County (onde a fábrica está localizada). Estarei na linha (de produção) com todo mundo. Se alguém for preso, peço que seja apenas eu".

Trump, que concorre à reeleição em novembro e tem tentado forçar a reabertura econômica do país para aliviar a recessão - mesmo que isso contrarie recomendações dos órgãos de saúde pública -, apresentou seu apoio nas redes: "A California deve deixar a Tesla e Elon Musk abrirem a fábrica, AGORA. Isso pode ser feito de forma rápida e segura".

Há pouco mais de dez dias, Musk pareceu ter tornado definitiva sua conversão à direita ao postar que havia "tomado a pílula vermelha".

A frase é uma referência a uma cena do filme Matrix, em que o protagonista deve escolher entre a cápsula azul, para viver preso em um mundo de ilusões, ou a vermelha, para receber a revelação da verdade sobre a Matrix. Em um contexto de polarização política americana, "tomar a pílula vermelha" se tornou uma metáfora de posicionamento em favor da direita trumpista. O post do empresário foi replicado pela filha de Trump, Ivanka Trump: "Tomado", ela escreveu.

À direita nos EUA e no Brasil

Não é inédito que Musk poste comentários polêmicos ou desgastantes para sua imagem ou de suas empresas.

Em 2018, em meio aos esforços de salvamento de 12 meninos tailandeses e seu treinador de futebol presos em uma caverna, Musk chegou a chamar de "pedófilo" um dos mergulhadores responsáveis pelo resgate.

Ainda em 2018, ele repentinamente anunciou a intenção de fechar o capital da Tesla, pegando de surpresa acionistas e seus próprios executivos - dias mais tarde, voltou atrás. Naquele mesmo ano, deu uma entrevista emotiva ao jornal The New York Times em que mencionou trabalhar 120 horas por semana e apareceu em um podcast de um comediante fumando maconha.

Em maio de 2020, em meio ao enorme sucesso da Tesla no mercado, ele disse que o valor das ações da companhia estavam "altas demais" - os papéis perderam 10% de seu valor imediatamente.

Embora causem desconforto em seu público, além de perdas financeiras - esse tipo de comentário compõe o folclore em torno do empresário e costuma ser visto como ato de excrescência de um bilionário ou como o resultado de estafa mental de um gênio atormentado a cargo de uma série de empresas.

O próprio Musk já admitiu arrependimento em relação a alguns de seus comentários, mas afirmou que o número de posts positivos superava o de negativos.

Dessa vez, no entanto, os posts de Musk sugerem um realinhamento político consistente. E a corte entre o dono da Tesla e a direita não teria como palco apenas os Estados Unidos.

Em 21 de fevereiro, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro tuitou: "Em março estarei nos Estados Unidos. Em nossa extensa agenda a possibilidade da Tesla no Brasil." Era o primeiro sinal público de uma relação entre o magnata do Vale do Silício e o governo brasileiro.

Outro ponto de aproximação é a base de Alcântara. A Space X já informou ao Ministério de Ciência e Tecnologia que pretende ser beneficiária do acordo de salvaguardas tecnológicas firmado entre Brasil e Estados Unidos e lançar foguetes a partir do Maranhão. Um encontro entre o ministro Marcos Pontes e representantes da empresa chegou a ser estudado, mas os planos foram interrompidos pela pandemia.

A intermediação da relação tem sido feita, por um lado, pelos deputados federais Daniel Freitas e Eduardo Bolsonaro e, por outro, por Bill Popp, ministro-conselheiro da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil.

"A Embaixada fez o contato com a empresa e eles demonstraram interesse. Era pra ter havido uma reunião com o Elon Musk quando o presidente foi pra Miami, em março, mas ele estava fora dos Estados Unidos naquele momento. Ele até demonstrou interesse de vir ao Brasil, mas com a pandemia deu uma esfriada", afirmou à BBC News Brasil o deputado Daniel Freitas.

Freitas, que é de Santa Catarina, tem um projeto de lei para dar isenção fiscal a Tesla e defende que a empresa teria interesse em se instalar no país não apenas pelo mercado brasileiro - que, no ano passado, comercializou menos de 12 mil carros híbridos - mas também pelo acesso ao parque consumidor da América do Sul. Mas, especialistas no setor em Brasília veem com ceticismo os planos e negam que exista qualquer tratativa consistente entre o governo e a empresa.

Consultado, o Ministério da Ciência e Tecnologia não respondeu à BBC News Brasil até o fechamento dessa reportagem. A reportagem também procurou a Tesla e a SpaceX, mas não houve resposta.

Contradições entre negar e combater o aquecimento global

"Elon Musk se tornou um completo republicano, então?" A pergunta, feita na página do empresário, partiu de JT Lewis, um político republicano de Connecticut que ostenta fotos com Trump em seus perfis.

A surpresa da própria direita com seu novo aliado tem razão de ser. Musk já disse, em 2016, que Trump não lhe parecia "ter o tipo de personalidade que refletia bem os Estados Unidos".

A agenda de Trump colide frontalmente com os princípios que os negócios de Musk historicamente defendem.

O caso mais evidente é o da própria Tesla: sua fundação se baseia na noção de que a queima de combustíveis fósseis por ação humana tem levado ao aquecimento do planeta e que vale a pena pagar mais por uma tecnologia que limite o uso dessas formas de energia. Mas não é o único exemplo. Musk também preside uma empresa de painéis de energia solar.

O problema é que Trump (e também Bolsonaro) é um negacionista da gravidade das mudanças climáticas e da necessidade de ação sobre elas. Tanto assim que, em 2019, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, que estabelecia metas aos diferentes países de redução de emissão de CO2 na atmosfera. Domesticamente, Trump se engajou em uma guerra regulatória contra autoridades estaduais que tentavam impor regras mais rígidas de emissões de carbono para o setor automobilístico.

O principal antagonista do presidente republicano nessa empreitada foi justamente o estado da Califórnia, onde Musk mantém sua base.

Consultado sobre o assunto, o deputado Freitas deixou claro que o interesse do Brasil na Tesla não tem a ver com a preocupação com o meio ambiente. "Eu acho que o governo está primeiro pensando na economia, na geração de emprego e renda que uma cadeia produtiva dessas significa. Não necessariamente essa questão ambiental", afirmou.

Em um fórum do qual o próprio empresário costuma participar na plataforma geek Reddit, um fã resumiu a contradição: "Eu me pergunto o que Musk pensou consigo mesmo quando percebeu que as pessoas que apóiam sua demanda para forçar o trabalho em meio à pandemia têm como líder Donald Trump? O presidente Trump tuitar sobre você não é bom para os negócios, especialmente se você é um garoto-propaganda de um 'mundo pós-petróleo', de 'cuide da Terra' como Musk é".

Há quem veja na postura do bilionário como um risco iminente para a saúde das empresas. É o que comentou no Twitter o escritor e co-fundador do grupo de mídia Vox Markos Moulitsas: "Honestamente, Musk está se tornando uma ameaça e o conselho da Tesla precisa considerar seriamente retirá-lo do comando. E eu digo isso como um orgulhoso proprietário de um Tesla e um fanático da SpaceX que realmente aprecia o que ele construiu".

Para a analista conservadora Tiana Lowe, da Washington Examiner, a reação dos fãs é desmedida. Lowe argumenta que se Musk está perdendo parte de sua base, ele pode estar agregando novos admiradores ao seu séquito de seguidores e ajudando a estabelecer posicionamentos comuns entre grupos que parecem tão antagônicos, como os apoiadores de Trump e os fãs de Musk.

"Não estamos vendo ele acenar para a extrema-direita, nem concordar com racismo ou sexismo. A atitude é mais sobre querer manter seus negócios abertos, e acho que isso ressoa com Trump", afirmou.


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