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Decotelli diz a interlocutores que caiu por mistura de 'racismo e antibolsonarismo'

Ricardo Senra - @ricksenra - Da BBC Brasil em Londres

06/07/2020 15h17

Após passagem relâmpago elo MEC, professor tem falado sobre 'perseguição ideológica e política' em instituições acadêmicas e um tratamento diferenciado de outros ministros que foram questionados por informações curriculares incorretas mas que não perderam cargos.

Ainda envolto na tempestade gerada pela descoberta de informações falsas em seu currículo acadêmico, o professor Carlos Alberto Decotelli tem afirmado a interlocutores que sua passagem fugaz pelo Ministério da Educação seria fruto de dois elementos: racismo e "perseguição ideológica" contra o presidente Jair Bolsonaro no meio acadêmico.

Segundo a BBC News Brasil apurou, Decotelli tem usado o termo "imperfeições curriculares" para se referir às informações falsas presentes em seu currículo Lattes e as acusações de plágio em sua dissertação de mestrado.

Decotelli teve sua nomeação para o cargo de ministro da Educação publicada em 25 de junho, mas não chegou a assumir o cargo. No começo daquela semana, o governo decidiu adiar a cerimônia de posse depois de um crescente mal-estar gerado após uma série de desmentidos.

Primeiro, a universidade de Rosário, na Argentina, negou que o professor tivesse concluído seu doutorado na instituição, ao contrário do que o próprio informava. Depois, a Universidade de Wuppertal, na Alemanha, fez o mesmo ao contestar a informação de que Decotelli teria feito ali um pós-douturado.

A gota d'água para a revogação da nomeação ao topo do Ministério da Educação teria acontecido no último dia 29, quando a FGV enviou nota à imprensa negando que Decotelli tivesse sido "professor de qualquer das escolas da Fundação".

"Da mesma forma, não foi pesquisador da FGV, tampouco teve pesquisa financiada pela instituição", informara então a FGV, que se tornou alvo de críticas após a confirmação de que Decotelli deu aulas em cursos da instituição desde 2001.

À reportagem, Decotelli informou que "está impedido de dar entrevistas" no momento. A pessoas próximas, no entanto, ele tem dito que a nota da FGV teria sido "plantada para destruir um professor com mais de 20 anos de trabalho por perseguição política".

Perseguição

Segundo a narrativa de Decotelli, a posição da FGV teria sido fruto de uma suposta oposição ao governo Bolsonaro.

O quase-ministro, que não chegou a assumir o cargo nos cinco dias entre a nomeação e a revogação de seu nome, tem usado o termo "perseguição ideológica contra Bolsonaro" para explicar o que aconteceu.

Para ele, a faculdade teria se adiantado em negar que Decotelli fosse seu professor para que não fosse associada ao governo bolsonarista. Decotelli tem dito que a fundação "plantou fake news" para destruir sua carreira "por razões de perseguição política".

A FGV concedeu uma série de placas comemorativas a Decotelli, nas quais "parabeniza o professor Carlos Alberto Decotelli por sua atuação destacada como docente". Em 2012, por exemplo, ele foi parabenizado com um troféu da FGV Management "por ser o professor mais representativo da turma 02 do MBA em Gestão Financeira com ênfase em Mercado de Capitais".

A reportagem teve acesso a seis troféus concedidos pela FGV e ao calendário de docentes da instituição, que aponta centenas de aulas ministradas por Decotelli entre dezembro de 2001 e setembro de 2018, em cidades como Porto Alegre, Salvador, Rio de Janeiro, Vitória, Santos, Florianópolis, Uberlândia, Campinas e outras.

Após a contestação, a FGV mudou de tom e disse que "vem esclarecer, uma vez mais, que o professor Decotelli ministrava aulas em seus cursos de educação continuada, coordenados pelo Instituto de Desenvolvimento Educacional (IDE/FGV), que englobavam, além dele, outros quase 950 professores desde o início da pandemia em março do corrente ano, sendo 199 especialistas, 503 mestres e 247 doutores".

A entidade continua, em nota enviada ao jornal Folha de S. Paulo: "A afirmação de que não era professor das escolas FGV se trata de simples rigor técnico inerente às classificações terminológicas das Portarias da CAPES, uma vez que não lecionava em turmas de graduação e pós-graduação stricto sensu, o que não reduz, em absoluto, a importância de tais cursos de educação continuada".

Questionada pela BBC News Brasil, a FGV afirmou que "em seus 75 anos de existência sempre se portou de forma apartidária e (...) repudia, com veemência, as insinuações e inverdades que têm sido lançadas contra ela, notadamente essa fantasiosa - e inédita até aqui - alegação de motivação ideológica para suas declarações, que nada mais reportaram do que a verdade dos fatos, com todos os rigores técnicos. Em nenhum momento se negou que o Sr. Carlos Alberto Decotelli era professor, ao contrário, se esclareceu inclusive que, como tal, lecionava nos cursos de educação continuada. Qualquer outra forma de interpretação ou de ilação consiste em distorção indevida e maledicente".

Racismo

Decotelli também tem dito que seu caso ilustra o racismo à brasileira.

O professor tem inclusive ressaltado, sem citar nomes, que outras figuras da estrutura do governo "não foram atacadas tão covardemente" quanto ele por informações falsas no currículo.

Antes de ser ministra, Damares Alves, por exemplo, disse em diversas palestras em igrejas que era mestre em temas ligados a direito e educação. Após a posse, ela foi questionada sobre a ausência de um currículo Lattes - plataforma acadêmica mantida pelo CNPq (Conselo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Confrontada, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos acabou confirmando que não fez mestrados acadêmicos e alegou que "diferentemente do mestre secular, que precisa ir a uma universidade para fazer mestrado, nas igrejas cristãs é chamado mestre todo aquele que é dedicado ao ensino bíblico."

Já Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, também teve um mestrado na Universidade de Yale desmentido após escrutínio da imprensa. Após ser apresentado assim em uma série de artigos e programas de TV, Salles atribuiu o erro a sua assessoria de imprensa.

Abraham Weintraub, antecessor de Decotelli à frente da Educação, chegou a ser apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais como doutor - questionado, o presidente corrigiu a informação e disse que o apontado era mestre em administração e finanças.

Diferentemente de Decotelli, nenhum deles precisou se afastar ou foi demitido do cargo, que, na visão do agora ex-ministro, explicaria a associação ao racismo - todos os demais citados são brancos.

A tese sobre racismo é endossada por autoridades como o doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito Silvio Almeida, um dos principais pensadores que discutem o racismo no Brasil.

Autor de Racismo Estrutural (Editora Pólen), Almeida disse à Folha de S.Paulo que "o racismo está presente nas relações de poder e na política de maneira fundamental, especialmente em um contexto político conflagrado, em um governo de extrema-direita".

"Ele não é o primeiro ministro que mente no currículo. Mas foi tratado de maneira diferente", avaliou Almeida.

Ao portal UOL, a filósofa e escritora Djamila Ribeiro, autora de Pequeno manual antirracista (Companhia das Letras) e Lugar de Fala (Pólen), foi na mesma linha.

"É sempre importante frisar que estamos em lados opostos. É claro que a gente não apoia esse governo e tudo o que ele representa, porém não tem como a gente não observar que existem ministros que fraudaram também seus currículos e continuam ocupando seus cargos. Tem um outro peso quando são homens brancos que fraudam e não há a mesma cobrança."

Justificativas do ex-ministro

Ao mesmo tempo, nenhum dos demais citados teve tantos questionamentos simultâneos ao seu currículo. O caso de Decotelli também chama atenção pelo fato de ele ter sido convocado justamente para a pasta da Educação.

Após a eclosão das acusações de falsidade no currículo, Decotelli deu entrevista a jornalistas, na portaria do MEC, e afirmou ter obtido os créditos do doutorado na Argentina, mas disse que não chegou a defender uma versão final da tese.

A banca que analisou seu trabalho pediu "readequações" na tese, mas o ministro disse que precisou voltar ao Brasil por conta de "dificuldades financeiras" e que não retornou para apresentar o texto.

"A banca falou que a tese tinha um ponto de corte muito longo e me mandou fazer readequações. Essa foi a recomendação formal da banca. [Mas] Eu precisava voltar ao Brasil, porque toda a despesa foi pessoal, não havia bolsa. Com dificuldade, não mais voltei. Eu fiquei com o diploma de créditos concluídos, posso apresentar a vocês", afirmou o ministro, segundo a Agência Brasil.

Sobre o pós-doutorado na Alemanha, o ministro também argumentou que a pesquisa foi concluída, apesar de não ter sido oficialmente considerada um título de pós-doutorado.

"A pesquisa foi concluída? Foi. A estrutura da pesquisa, do pós-doutorado. Não tem sala de aula, não tem nota de uma disciplina, é uma orientação. Foi caracterizado que, quando foi concluído o trabalho, a pesquisa tinha que ser registrada em um cartório acadêmico. E você tem a pesquisa lá, registrada [no cartório]. Agora, o pós-doutorado é um título de pesquisa. Se você olhar o documento de Rosário, vai ver que os créditos foram concluídos", disse.

Já sobre a acusação de plágio, o ministro negou qualquer tipo de cópia, e destacou que pode ter havido uma "distração" nas citações bibliográficas e revisão do texto.

"Quando você escreve, tem que ter disciplina mental para escrever, revisar e mencionar o que citar. Cuidado. É possível haver distração? Sim, senhora. Hoje, a senhora tem mecanismos para verificar, [tem] softwares. Mas naquela época, pela distração... Não houve plágio, porque o plágio é quando faz 'Control + C, Control + V', e não foi isso", justificou aos jornalistas.

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