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A obscura teoria que Trump usa para questionar candidatura de Kamala Harris como vice-presidente

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em entrevista coletiva na Casa Branca - Brendan Smialowski/AFP
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em entrevista coletiva na Casa Branca Imagem: Brendan Smialowski/AFP

14/08/2020 08h11

Juristas classificaram de "estúpida", "lixo" e "racista" hipótese que questiona elegibilidade por causa do status migratório dos pais dela à época do nascimento da filha.

O presidente americano, o republicano Donald Trump, afirmou ter lido que a candidata à vice-presidente na chapa democrata, a senadora Kamala Harris, "não se qualifica" para o cargo que disputará na eleição de novembro.

A declaração amplifica uma teoria jurídica pouco aceita, que críticos de Trump consideram racista. O mandatário, aliás, promoveu por anos a teoria de conspiração de que o presidente Barack Obama não havia nascido nos Estados Unidos.

Filha de um jamaicano com uma indiana, Kamala nasceu em Oakland, no Estado da Califórnia, em 20 de outubro de 1964. Ao ser escolhida como vice do candidato Joe Biden, ela se tornou a primeira mulher não branca a disputar a eleição presidencial em um dos dois grandes partidos.

Mas um professor de direito conservador escreveu um artigo no qual questiona a elegibilidade da senadora democrata, com base em interpretações suas da Constituição. Em reação, juristas americanos afirmaram que a teoria é estúpida e racista.

Em entrevista a jornalistas, Trump foi questionado sobre essa hipótese e respondeu: "Eu ouvi falar hoje que ela não atende aos requisitos, e o advogado que escreveu esse artigo é muito qualificado e talentoso. [...] Eu não tenho ideia se isso está certo. Eu acredito que os democratas tenham checado isso antes de ela concorrer à vice-presidência."

E completou: "Mas isso é algo muito sério, estão dizendo que ela não se qualifica porque não nasceu no país".

Um jornalista rebateu a declaração de Trump e afirmou que não há dúvidas se Kamala Harris nasceu nos Estados Unidos, mas sim sobre o status dos pais dela à época, se eles tinham ou não permissão legal para residir no país.

Nesta semana, Jenna Ellis, membro da campanha de Trump, retuitou uma postagem de Tim Fitton, líder do grupo conservador Judicial Watch. No texto, ele afirma que Kamala é inelegível sob a cláusula de cidadania da Constituição dos EUA.

Fitton também compartilhou um artigo opinativo de John Eastman, professor de direito da Universidade Chapman, na Califórnia. Segundo este, o artigo 2º da Constituição afirma que "ninguém exceto cidadãos naturais [...] serão elegíveis para o cargo de presidente".

Eastman também aponta a 14ª Emenda à Constituição, que estabelece que "todas as pessoas nascidas nos Estados Unidos, e sujeitas à legislação vigente, são cidadãs".

Ele então argumenta que Kamala pode não se enquadrar nisso se os pais dela viviam com vistos estudantis no país quando a filha nasceu na Califórnia.

Em 2010, Eastman disputou as primárias republicanas para o cargo de procurador-geral da Califórnia, mas perdeu para Steve Cooley. Este, inclusive, seria em seguida derrotado nas urnas pela democrata Kamala Harris.

O artigo despertou críticas furiosas, mas a editora da revista Newsweek defendeu a decisão de publicar o texto de Eastman, sob o argumento de que ele não tem "nada a ver com racismo".

12.08.2020 - Kamala Harris, vice na chapa de Joe Biden, discursa em Wilmington (EUA) - REUTERS/Carlos Barria - REUTERS/Carlos Barria
12.08.2020 - Kamala Harris, vice na chapa de Joe Biden, discursa em Wilmington (EUA)
Imagem: REUTERS/Carlos Barria

O que dizem outros constitucionalistas?

O professor Erwin Chemerinsky, que está à frente da faculdade de direito da Universidade Berkeley, afirmou que o argumento de Eastman é "verdadeiramente estúpido".

"Segundo a seção 1ª da 14ª Emenda Constitucional, qualquer pessoa que nascer nos Estados Unidos é um cidadão americano. A Suprema Corte assegura isso desde 1890. Kamala Harris nasceu nos EUA."

Para Laurence Tribe, professor de direito constitucional da Universidade Harvard, o argumento de Eastman que contesta a elegibilidade de Kamala é um "lixo racista".

Jessica Levinson, professora da Faculdade de Direito Loyola, afirmou que a teoria é apenas uma faceta da tropa racista que reagiu a uma candidatura de alguém que não é branco nem filho de cidadãos americanos.