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'Exemplo' na luta contra a covid-19, Coreia do Sul está à beira de 'surto nacional'

País apontado como modelo por sua resposta à pandemia de coronavírus está enfrentando um novo perigoso - EPA
País apontado como modelo por sua resposta à pandemia de coronavírus está enfrentando um novo perigoso Imagem: EPA

Laura Bicker

BBC News, Seul (Coreia do Sul)

25/08/2020 10h31

País apontado como modelo por sua resposta à pandemia está enfrentando novo perigoso surto, que pode ter se alastrado por membros de igreja que acreditam que coronavírus foi plantado como parte de conspiração para confinar população do país.

A Coreia do Sul, país apontado como modelo por sua resposta à pandemia de covid-19, está à beira de um novo surto nacional, dizem autoridades locais.

O mais recente surto de casos de coronavírus envolvendo uma igreja presbiteriana de direita se espalhou para todas as 17 províncias do país pela primeira vez.

Desde então, a cada dia, o total de infectados aumenta na casa das centenas.

As regras de distanciamento social foram intensificadas. As máscaras são agora obrigatórias na capital, Seul. O governo também está considerando o fechamento de escolas e empresas.

Especialistas em doenças infecciosas do país pediram às autoridades que intensifiquem ainda mais as medidas de distanciamento social, alertando que "os leitos hospitalares estão lotando rapidamente e o sistema médico se aproxima do limite".

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças da Coreia (KCDC) admitiram que cerca de 20% de todos os novos casos são de origem desconhecida — apesar do eficiente sistema de rastreamento de contatos do país, que pode rastrear cerca de mil pacientes potencialmente infectados em uma hora.

Até agora, Coreia do Sul tinha sido exemplo de sucesso no combate ao novo coronavírus - Getty Images - Getty Images
Até agora, Coreia do Sul tinha sido exemplo de sucesso no combate ao novo coronavírus
Imagem: Getty Images

A luta da Coreia do Sul contra a covid-19 começou em fevereiro, após um surto em um culto da Igreja de Jesus de Shincheonji, na cidade de Daegu, cerca de 200 quilômetros ao sul de Seul. Dentro de semanas, estava sob controle.

Mas dessa vez a realidade é diferente.

Teorias de desconfiança e conspiração

A maioria dos novos casos ocorre perto da capital, densamente povoada, onde vivem mais de 10 milhões de pessoas.

E uma das maiores preocupações é que muitos dos fieis da igreja presbiteriana (mencionada no início da reportagem) potencialmente infectados acreditam que o vírus foi plantado como parte de uma conspiração para confinar a população do país.

Muitos se recusam a ser contatados, quanto mais testados.

E há também um outro fator de risco importante. Os membros infectados da igreja Shincheonji eram em sua maioria jovens — na casa dos 20 anos. Mas o surto atual está afetando uma faixa etária muito mais velha.

Os membros da Igreja Sarang Jeil ("O amor vem primeiro", em tradução livre para o português) são conservadores de direita. Segundo eles, o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, é comunista, fantoche da China e da Coreia do Norte.

Antes do surto do coronavírus, eles se reuniam às centenas no centro de Seul todos os sábados, fazendo barulho e marchando em frente ao palácio presidencial para denunciar o líder sul-coreano.

Um dos pastores da igreja, Lee Hae-suk, disse à agência de notícias Reuters na semana passada — depois de ser diagnosticada com o vírus — que a covid-19 era um complô para "matar a Igreja Sarang Jeil, aumentando o número de casos confirmados".

Quando questionada sobre quem acreditava estar por trás da "trama", ela disse: "Moon Jae-in".

O líder da igreja, o polêmico pastor Jun Kwang-hoon, emitiu um comunicado no YouTube alegando ter "cinco informações diferentes de que havia um vírus terrorista que se infiltrou na Igreja Sarang Jeil".

Outros membros alegaram que o coronavírus foi espalhado por frascos contaminados de desinfetante para as mãos. Em uma entrevista coletiva na semana passada, um porta-voz da igreja afirmou que simpatizantes pró-Coreia do Norte se infiltraram na igreja e espalharam o vírus deliberadamente.

As teorias da conspiração representam um desafio para os rastreadores de contato da Coreia do Sul. No total, mais de 875 membros testaram positivo até agora, mas as autoridades de saúde dizem acreditar que centenas de outros podem estar infectados e espalhando a covid-19 para outras pessoas.

Os membros da Igreja participaram de uma grande manifestação em 15 de agosto no centro de Seul junto com dezenas de milhares de outras pessoas, a maioria das quais tinha mais de 50 anos.

Cerca de 200 pessoas foram diagnosticadas com o vírus após a manifestação.

O governo disse que pediu à igreja uma lista completa dos membros que compareceram, mas não obtiveram a informação.

Isso levou a polícia a pedir à Justiça um mandado de busca e apreensão na noite de sexta-feira (21). De posse do documento, as autoridades conseguiram ter acesso à sede da igreja para encontrar uma lista completa de nomes de membros e tentar contatá-los.

A igreja nega as acusações.

"A Igreja Sarang Jeil e o pastor Jun Kwang-hoon cumpriram as atuais medidas de prevenção do governo", disse o advogado Kang Yeon-jae. "Fechamos a igreja assim que houve um caso confirmado. Dissemos a todos os membros para não irem à igreja e fazerem o teste do vírus."

Mas a mídia local mostrou imagens do que afirma ser membros da igreja gritando e xingando os rastreadores de contato.

Enquanto isso, o vírus continua a se espalhar, inclusive entre sete policiais que trabalharam durante o comício de 15 de agosto para manter a ordem.

Igrejas de todo o país foram instadas a realizar cultos online no domingo (23), mas o governo da cidade de Seul disse que 17 delas não cumpriram a medida.

O presidente sul-coreano pediu que aqueles que obstruem deliberadamente as medidas antivírus sejam penalizados, incluindo quem conduza "campanhas de desinformação total".

Pico ainda 'por vir'

Novos casos de vírus com rotas de infecção desconhecidas continuam a surgir e as autoridades de saúde estão intensificando os alertas e a preparação para um surto no país.

A diretora do KCDC, Jeong Eun-kyeong, disse que o pico desse surto ainda está por vir.

Hoje, ela implora às pessoas que cumpram as medidas de distanciamento social para manter as taxas de infecção as mais baixas possíveis.

"Por favor, fique em casa e use uma máscara se você sair. Junte-se a nós nesta campanha de distanciamento social mais uma vez para que possamos continuar a educar nossos alunos, apoiando nossa economia local e evitando o colapso do sistema médico. E para que nós mantenhamos nossos pacientes longe do perigo", disse.

Em entrevista à BBC, o médico Ju Young-Su, do Centro Médico Nacional de Seul, afirmou que seu objetivo era manter a taxa de mortalidade o mais baixa possível. Seu trabalho é alocar leitos críticos para os pacientes. Ele está se preparando para o pior cenário possível — de que a manifestação de 15 de agosto possa ter infectado mais de 2 mil pessoas.

"As equipes médicas coreanas farão o possível para mantê-los vivos", disse ele.

No total, 309 pessoas morreram na Coreia do Sul por causa da pandemia de covid-19, uma das taxas de mortalidade mais baixas do mundo.

Contribuíram para isso a testagem em massa e o rastreamento de contatos de infectados.

Durante meses, as autoridades de saúde conseguiram evitar que o vírus se propagasse.

Mas esse último surto mostra como o coronavírus pode ser difícil de conter. Os números de casos ainda são muito mais baixos do que em outras partes do mundo, mas o medo e o pânico em Seul cresceram.

Esta pode ser a maior prova de fogo enfrentada pela Coreia do Sul até o momento.