Por que anúncio de Bolsonaro sobre cota de açúcar dos EUA para o Brasil não é vitória diplomática
Presidente foi às redes sociais comemorar uma medida temporária e sazonal, que não representa mudança na relação bilateral dos países.
Depois de uma sequência recente de derrotas diplomáticas para os Estados Unidos no comércio bilateral, o presidente Jair Bolsonaro foi ao Twitter nesta segunda-feira, dia 21, anunciar que os americanos aumentarão a compra de açúcar brasileiro em 80 mil toneladas e, junto com uma foto do chanceler Ernesto Araújo, afirmou que esse é "o primeiro resultado das recém-abertas negociações Brasil-EUA para o setor de açúcar e álcool".
A manifestação ocorre semanas após o aço brasileiro ter sido cortado em mais de 80% das importações americanas e de o Brasil ter renovado uma isenção de tarifas à entrada de quase 200 milhões de litros de etanol americano no país, o que o setor sucroalcooleiro classificou como "enorme sacrifício".
De acordo com fontes com conhecimento direto das negociações ouvidas pela BBC News Brasil, o Itamaraty teria tomado as medidas para tentar colaborar com a campanha de reeleição do presidente Donald Trump, que tem entre os operários da siderurgia e os fazendeiros de milho parte de sua base eleitoral.
Oficialmente, o chanceler Araújo afirmou que a concessão era necessária para abrir negociações que poderiam resultar em uma redução das barreiras tarifárias de 140% que os americanos impõem sobre o açúcar brasileiro há décadas.
Mas as negociações caíram mal politicamente e geraram críticas de subserviência do país diante de seu aliado preferencial. A tensão ainda aumentou depois que Araújo serviu de cicerone ao secretário de Estado americano Mike Pompeo em uma visita relâmpago à Roraima, na última sexta-feira, quando o americano fez críticas ao regime venezuelano.
"No geral, há uma percepção de que o Brasil não está sendo tratado de uma maneira justa perante os Estados Unidos, por isso o governo está tentando dar uma publicidade para algo trivial e esperado, para buscar um equilíbrio nessa imagem para o seu público", afirmou reservadamente à BBC News Brasil um embaixador especializado em comércio internacional.
Segundo o diplomata, trata-se de algo "trivial" e "esperado" porque embora o presidente sugira que houve um incremento permanente na quantidade de açúcar que o Brasil poderá exportar aos americanos, o que aconteceu na verdade foi uma realocação temporária de fornecedores feita pelos americanos.
Os Estados Unidos importam anualmente mais de 3 milhões de toneladas de açúcar - e dão preferência a vendedores da África ou América Central. Mas, caso esses fornecedores habituais não vendam a quantidade necessária e haja um subabastecimento do mercado americano, a Secretaria de Agricultura dos Estados Unidos informa o representante comercial do país que redireciona suas compras para outros produtores, como o Brasil.
A mesma coisa aconteceu no ano passado e em fevereiro desse ano, sem que Bolsonaro fizesse do fato motivo de comemoração nas redes nessas duas ocasiões.
"Os Estados Unidos não fizeram nenhum favor ao Brasil, apenas realocaram algum volume (de açúcar) ao Brasil, dentro do mercantilismo geral deles. Isso precisa ser esclarecido, para que não pareça uma vitória diplomática que não foi", afirmou o embaixador Paulo Roberto de Almeida.
Mas o momento político atual pode ter levado a essa mudança de postura do presidente. No último fim de semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, criticou a visita de Pompeo a Roraima e acusou sua presença de eleitoreira e de afronta à autonomia do país.
"A visita do Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, nesta sexta-feira, às instalações da Operação Acolhida, em Roraima, junto à fronteira com a Venezuela, no momento em que faltam apenas 46 dias para a eleição presidencial norte-americana, não condiz com a boa prática diplomática internacional e afronta as tradições de autonomia e altivez de nossas políticas externa e de defesa", afirmou Maia.
Suas críticas foram endossadas em carta por seis ex-chanceleres do período democrático: Fernando Henrique Cardoso (governo Itamar Franco), Francisco Rezek (governo Collor), Celso Lafer (governos Collor e FHC), Celso Amorim (governos Itamar Franco e Lula), José Serra e Aloysio Nunes Ferreira (governo Temer).
O clima político ficou tão difícil que nesta segunda-feira senadores chegaram a cogitar o adiamento da sabatina de mais de 20 candidatos brasileiros a embaixadores pelo mundo, que esperam confirmação pela Casa de seus postos. O boicote foi desmobilizado depois que Ernesto Araújo aceitou comparecer ao Senado na próxima quinta-feira para explicar em detalhes a visita de Mike Pompeo.
Os principais interessados no anúncio de Bolsonaro, os produtores de açúcar, tampouco consideraram o aumento na cota uma vitória. De acordo com dados da Câmara de Comércio Exterior, nas últimas cinco safras o Brasil exportou em média 25,6 milhões de toneladas de açúcar no total. Nesse universo, as 80 mil toneladas que os Estados Unidos devem comprar agora representam apenas 0,3%.
Em nota, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) e o Fórum Nacional Sucroenergético (FNS) afirmaram que "essa cota adicional de açúcar é consideravelmente inferior à cota mensal de etanol que o Brasil ofereceu novamente aos Estados Unidos em setembro" e reafirmou que a medida não é "uma concessão americana".
"Devemos esclarecer que se trata de um procedimento normal adotado pelos EUA nos últimos anos, sem representar qualquer avanço estrutural para um maior acesso do açúcar brasileiro àquele país", dizem os produtores na nota.
A BBC News Brasil consultou o Itamaraty a respeito das negociações com os americanos e da cota de açúcar, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Dentro do órgão, auxiliares do ministro afirmam que relações comerciais nesses moldes são normais, mas que fica difícil compreender esses movimentos a partir de um prisma "em que concessões brasileiras representam submissão absoluta do Brasil enquanto que qualquer medida americana é 'prêmio de consolação'".
Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro operou uma profunda mudança na política internacional brasileira, transformando os Estados Unidos em seu aliado preferencial.
O embaixador especialista em comércio ouvido reservadamente pela BBC News Brasil afirma que cotas e concessões são comuns nas relações internacionais, mas que em ambientes polarizados, onde que esse tipo de transação tem chamado a atenção, tem levado políticos a tentar explorá-los a seu favor.
"Nesse caso do açúcar, não há o que se falar em vitória diplomática, é uma questão circunstancial. O Itamaraty e o setor produtivo sabem disso. Mas o resto da população, especialmente os apoiadores do presidente, não sabem. E vão se satisfazer com a mensagem dele", afirma.
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