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O homem que ensinou a Uber a pedir desculpas

David Edmonds - BBC World Service

29/10/2020 12h42

Após reclamar de experiência ruim com Uber, economista John List foi convidado a ajudar empresa a encontrar formas mais eficientes de pedir desculpas.

Quando o Uber que ele tinha chamado foi para o destino errado, um professor levou sua reclamação às instâncias máximas ? e aprendeu, assim, algo valioso sobre a ciência de se desculpar.

Em janeiro de 2017, John List faria um discurso de abertura em um prestigioso encontro de economistas. Pegou o celular e pediu um Uber para fazer a viagem de 30 minutos partindo de sua casa. Durante o trajeto, chegou a olhar pra fora quando o carro acelerava ao longo da Lake Shore Drive, nas margens do Lago Michigan, e avistou a cidade que se aproximava, com seu fabuloso horizonte de arranha-céus. Então abaixou a cabeça e voltou a trabalhar, no laptop, em sua palestra.

Cerca de 20 minutos depois, ele olhou para cima novamente, acreditando estar quase lá.

"Oh não!!", gritou.

Ele estava de volta ao ponto de partida. Algo deu errado com o aplicativo, que instruiu a motorista a voltar para a casa do professor. Esta não queria incomodá-lo, pois ele estava muito concentrado em seu trabalho.

List estava compreensivelmente furioso. Mas o que o deixou mais indignado foi que a Uber nunca lhe enviou um pedido de desculpas.

Nem todo mundo que tem uma reclamação a fazer com a Uber tem acesso ao seu presidente-executivo, mas John List tinha, então ligou para Travis Kalanick naquela noite.

Kalanick ainda era o CEO da empresa; mais tarde, ele seria forçado a renunciar ao cargo devido à pressão dos acionistas após uma série de controvérsias sobre práticas da empresa, incluindo o tratamento de alegações de assédio sexual.

Depois que List contou a história e desabafou um pouco, Kalanick fez a seguinte pergunta: "Como o Uber deve se desculpar quando esse tipo de problema ocorre? Qual é a melhor maneira de manter os clientes leais, mesmo quando eles tiveram uma experiência horrível?"

Na verdade, são perguntas que toda empresa tem interesse em saber a resposta. E John List estava em uma posição singular para descobri-la.

Não são muitas as pessoas com a origem de John List que tornam acadêmicos de destaque. Ele cresceu em uma família da classe trabalhadora em Sun Prairie, a nordeste da capital de Wisconsin, Madison. Seu pai era motorista de caminhão e esperava que o filho entrasse no negócio da família.

Mas John tinha outras ideias. Seu sonho era se tornar um jogador de golfe profissional e, graças a uma bolsa de estudos para atletas do esporte ele conseguiu bancar a faculdade. Ali, descobriu duas coisas: primeiro, que ele não era tão bom no golfe como pensava e, segundo, que era fascinado por economia.

Ele agora faz parte do corpo docente de economia de uma das melhores universidades da América, a Universidade de Chicago.

Mas, há alguns anos, ele também tem feito um trabalho paralelo. Primeiro, porque a Uber o contratou para ser seu economista-chefe e, depois que ele deixou a empresa, ingressou em outro aplicativo de motoristas, o Lyft, no qual ocupa o cargo equivalente.

Sem dúvida, o trabalho é generosamente remunerado, mas para John List tem outro apelo: para os geeks de dados, os aplicativos de automóveis são como minas de ouro ? só nos Estados Unidos, antes da pandemia, havia dois milhões de motoristas do Uber, fazendo dezenas de milhões de viagens por semana.

John List passou sua carreira estudando o comportamento econômico no mundo real, então trabalhar com a Uber "foi um sonho que se tornou realidade". Com essa abundância de informações, ele poderia analisar todos os tipos de preferências do consumidor: de que tipo de carro as pessoas gostam, a distância e o horário que costumam viajar, como reagiram a uma mudança no preço das tarifas. Ele também poderia aprender a melhor maneira de se desculpar.

Seu primeiro passo foi olhar o que aconteceu com usuários do aplicativo depois de uma viagem que demorou muito mais do que o aplicativo havia previsto inicialmente. O aplicativo pode prever, por exemplo, que uma viagem levaria nove minutos e acabar levando 23 minutos.

Ao analisar os números, ele e seus colaboradores descobriram que os passageiros que experimentaram uma viagem tão ruim gastam até 10% menos no Uber no futuro. Isso representa uma perda significativa de receita para o aplicativo.

O próximo passo foi apresentar uma variedade de pedidos de desculpas e testá-las aleatoriamente com aqueles que haviam passado por uma viagem dessas.

Acontece que existe uma espécie de ciência da desculpa. Cientistas sociais ? psicólogos em particular ? estudaram que tipos de desculpas funcionam. Mas John List tinha uma grande vantagem; ele realmente poderia medir o impacto.

"Notamos que sua viagem demorou mais do que prevíamos e sinceramente pedimos desculpas": é o que ele chama de um "pedido de desculpas básico".

Um pedido de desculpas mais sofisticado envolve a admissão de que a empresa errou. Outro tipo de pedido de desculpas envolve um compromisso, como "tentaremos garantir que isso não aconteça novamente."

Em nome da Uber, John List testou todos eles. Além do mais, com algumas dessas desculpas, a empresa ofereceu um desconto de US$ 5 (equivalente a R$ 28) na viagem seguinte. No experimento, também houve um grupo de clientes que não recebeu nenhum pedido de desculpas.

O resultado foi surpreendente. Sozinhas, as desculpas em qualquer forma se mostraram ineficazes. Mas um pedido de desculpas junto com o cupom de desconto manteve muitas pessoas leais. "Assim, acabamos trazendo milhões de dólares de volta ao aplacar os consumidores com um pedido de desculpas e um desconto."

O que os consumidores querem, ao que parece, é que uma empresa demonstre seu remorso ao aceitar uma perda financeira. Mas olhando mais a fundo nas estatísticas, List percebeu que até mesmo esse dispositivo deixava de funcionar se houvesse uma segunda ou terceira viagem muito ruim. Na verdade, um segundo ou terceiro pedido de desculpas parecia afastar ainda mais os clientes.

Essas informações são valiosas para a Uber e também para outras empresas.

Muitos economistas sentam em suas mesas e fazem previsões sobre a atividade econômica com base em modelos. O que torna John List um pouco incomum para um economista é que ele gosta de testar teorias no mundo real. Ele conduziu experimentos da Tanzânia à Nova Zelândia, da China a Bangladesh.

Os vastos conjuntos de dados digitais mantidos pelo Uber e outros aplicativos de automóveis permitiram que ele identificasse certas peculiaridades no comportamento humano que outros economistas podem não ter descoberto.

Por exemplo, quando você pede um Uber, você nunca sabe se terá um motorista do sexo masculino ou feminino, então você pode esperar que os motoristas do sexo masculino e feminino ganhem o mesmo. Mas, na verdade, os motoristas do sexo masculino ganham cerca de 7% a mais por hora do que as mulheres. Chocado com essa disparidade, List começou a tentar descobrir o motivo disso.

Ele encontrou várias explicações. Uma delas é que as mulheres tendem a ficar mais sobrecarregadas com as responsabilidades com os filhos, portanto, há menos motoristas mulheres disponíveis em horários lucrativos, como início da manhã e fim da tarde. Mas, de longe, o fator mais importante acaba sendo a velocidade: motoristas homens de Uber dirigem em média cerca de 2,5% mais rápido do que as mulheres que dirigem Uber, então eles fazem mais viagens por hora.

Essa não é a única diferença relacionada a gênero.

Por achar que isso deixaria os motoristas do Uber mais felizes, List convenceu o conselho da empresa a adicionar uma função de gorjeta (colocar a Uber em linha com outros aplicativos de carro). E aí, pode estudar o comportamento de dar gorjetas.

Para cada US$ 4 que as mulheres dão de gorjeta, descobriu-se, os homens dão cerca de US$ 5. Além disso, as mulheres motoristas recebem mais gorjetas do que os homens ? exceto quando essas mulheres têm 65 anos ou mais. Acho que podemos interpretar isso como mais uma evidência da superficialidade masculina.

O estudo do comportamento econômico por meio de dados de aplicativos de carros foi chamado de Ubernomics ? embora a caixa de brinquedos de dados de John List agora seja entregue a ele pela empresa Lyft, não pela Uber ? e ele continua a produzir uma série de resultados fascinantes.

Analisando o comportamento dos usuários da Lyft, ele calculou recentemente o poder do que chama de "efeito do dígito à esquerda". Cortar o preço de uma viagem de US$ 15,99 para US$ 15 tem praticamente o mesmo impacto na demanda do consumidor do que reduzi-la de US$ 15 para US$ 14,99.

Algumas das descobertas da Ubernomics, no entanto, não são surpreendentes. Os consumidores se preocupam com o preço: quanto menor o custo, maior a probabilidade de pedir um carro. Mas a análise de como usamos os aplicativos para carros também está revelando alguns dos preconceitos e idiossincrasias do comportamento econômico humano.

A propósito, se você decidir se tornar um motorista de Uber e achar que ser legal com o cliente terá um impacto significativo em sua receita, há más notícias. Receio que não. Mesmo quando os clientes avaliam um motorista 10% mais do que outro pela gentileza, diz John List, os dois recebem a mesma gorjeta.


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