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Três presidentes em uma semana: como o Peru foi da estabilidade econômica ao caos político

Martín Vizcarra, Manuel Merino e Francisco Sagasti ocuparam a presidência do Peru na última semana - STR, Cesar Von Bancels e Luka Gonzales/AFP/Arte UOL
Martín Vizcarra, Manuel Merino e Francisco Sagasti ocuparam a presidência do Peru na última semana Imagem: STR, Cesar Von Bancels e Luka Gonzales/AFP/Arte UOL

Marcia Carmo

De Buenos Aires, para a BBC News Brasil

16/11/2020 21h08Atualizada em 17/11/2020 13h30

Na última semana, os peruanos tiveram dois presidentes da República e amanheceram na segunda-feira (16) com a cadeira presidencial vazia.

Após um dia sem presidente, o congressista Francisco Sagasti, do Partido Morado, foi eleito por 97 votos a favor e 26 contrários. Antes da eleição de Sagasti, alguns parlamentares disseram que o impeachment de Martín Vizcarra, na semana passada tinha sido "um erro".

A expectativa é que Sagasti, de 76 anos, seja empossado ainda nesta segunda-feira ou na terça-feira. Ele é o quinto na linha sucessória que expôs as dificuldades peruanas.

O país, que até o ano passado vinha sendo apontado como exemplo na área econômica, refratário às frequentes turbulências políticas, enfrenta agora uma combinação de várias crises — política, econômica e social.

Além da incerteza de como chegará a julho de 2021, quando deverá ser a nova posse após as eleições presidenciais de abril, de acordo com o calendário oficial.

O que aconteceu?

Por que o país passou de exemplo a motivo de preocupação regional?

Até a segunda-feira da semana passada (9), o Peru era presidido por Martín Vizcarra, que, após denúncias de corrupção, dos tempos em que era governador, foi alvo de impeachment com apoio da maioria dos congressistas.

Sua saída provocou críticas, como a do escritor e prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, que disse que o Parlamento tinha "violado a constituição", por falta de provas concretas de que ele tinha cometido corrupção.

Vizcarra foi substituído na Presidência pelo então presidente do Congresso, Manuel Merino, que renunciou no domingo (15), após fortes protestos e a morte de dois estudantes. As mortes e os vários feridos por balas de metal, como informou a imprensa local, levaram 13 dos 18 ministros de Merino a deixarem seus cargos, na noite de sábado, acelerando sua saída no dia seguinte.

Desde 2018, quando o então presidente Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK, renunciou ao cargo, após denúncias de irregularidades sobre compra de votos e suposto favorecimento por parte da Odebrecht, o país era governado por Vizcarra. Por ser então segundo vice-presidente, ele era o terceiro na linha de sucessão. A primeira vice-presidente não teve apoio parlamentar para assumir a Presidência.

Os jovens foram os principais protagonistas dos protestos da última semana, após a queda de Vizcarra.

"Diante de manifestações imensas, descentralizadas, lideradas pelos jovens e, principalmente, pelas mulheres, e sem líderes, ficou clara a rejeição diante da política tradicional peruana, baseada nos interesses pessoais, na corrupção, no clientelismo e no abuso de poder. O Congresso não mediu as consequências da sua decisão (de impeachment de Vizcarra e falta de apoio ao sucessor) e o governo de Merino não soube como reagir", disse a professora de ciências políticas da Universidade del Pacifico, Paula Muñoz, à agência EFE, antes de Francisco Sagasti ser eleito por seus colegas congressistas para a Presidência — o terceiro presidente do país em uma semana.

Para ela, o "motor dos protestos" da semana passada foram os jovens, que se organizam rápido pelas redes sociais, enquanto "os políticos tradicionais não entenderam que o mundo mudou".

Até recentemente, Vizcarra tinha respaldo popular, mas "suas críticas abertas ao Congresso, que não tem boa imagem junto à opinião pública, e as comprovações de corrupção, que incluíram áudios e supostos subornos de quando era governador de Moquegua", no sul do país, o levaram a perder o cargo, contou de Lima o professor da Universidade de San Marco, Carlos Aquino.

"Para completar, Vizcarra não tinha quem o defendesse no Congresso, porque não tem partido e na última eleição legislativa, convocada por ele mesmo, não apresentou candidatos", disse Aquino.

Vizcarra tinha dissolvido o Congresso e convocado eleições, que foram realizadas no início deste ano. As medidas, que tinham gerado dúvidas no âmbito internacional, tiveram, porém, forte respaldo popular, como disse o analista Alfredo Torres, do instituto Ipsos, da capital peruana.

País com cerca de 32 milhões de habitantes, o Peru tinha sido notícia nos últimos tempos pelo envolvimento de três ex-presidentes nas investigações sobre os tentáculos da Lava Jato, de acordo com investigadores peruanos. Mas as sacudidas políticas que também envolveram candidatos presidenciais não tinham afetado a economia, como ocorre agora, neste ano de pandemia do novo coronavírus.

O ex-presidente Alejandro Toledo, que governou o país entre 2001 e 2006, foi preso nos Estados Unidos, e após pagar fiança foi para casa com tornozeleira eletrônica, já que tem idade de risco para covid-19.

Outro ex-presidente, Ollanta Humala (2011-2016), esteve preso no próprio país, enquanto Alan García se matou em abril do ano passado, em meio às investigações. Ele tinha governado o Peru entre 1985 e 1990 e entre 2006 e 2011.

Mas neste ano, pela primeira vez em quase vinte anos, a crise política não está sozinha, ou não caminha sem afetar a economia.

"Com o vazio de poder que tivemos agora, com o país sem presidente, durante mais de um dia, a recessão e o aumento da pobreza poderiam ser maiores que o esperado. Na pandemia, o Estado é o único que está realizando investimentos. Como em outros países, o setor privado sente os efeitos da pandemia. Mas com essa crise política, as crises econômica e social podem piorar", disse Aquino.

Na América do Sul, o desempenho da economia peruana, neste ano, só não será pior que o da Venezuela, com queda de 25%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Entre 2002 e 2013, o país andino registrou um dos crescimentos mais altos da América Latina, com média anual de 6,1% do PIB, de acordo com o Banco Mundial. A pobreza caiu quase à metade, passando de 52% para 26%. A pobreza extrema encolheu de 30,9% para 11,4%, ainda de acordo com a instituição.

Entre 2014 e o ano passado, o crescimento foi de cerca de 3,1% ao ano, refletindo o impacto da queda nos preços das commodities, e ainda assim com expansão mais alta que a dos seus vizinhos. O Brasil registrou 1,1% positivo, a Argentina queda de 2,2% e a Bolívia, que também viu sua economia crescer nos últimos anos, anotou crescimento de 2,2%, segundo o Banco Mundial.

No Peru, estima-se que quase 70% da população ativa esteja na informalidade. Muitos não puderam respeitar o isolamento social para evitar o coronavírus, contribuindo para o alastramento da covid-19. Com os hospitais lotados e sem infraestrutura, muitos familiares das vítimas da doença fizeram filas para comprar balões de oxigênio, nem sempre com procedência segura.

Em muitos casos, os balões eram levados para as casas dos doentes porque os hospitais não tinham cama. A situação estaria menos grave nestes dias, segundo analistas. Mas o drama evidenciou que apesar de ter organizado seus números e registrado forte crescimento, o país não tinha investido na rede hospitalar.

A pandemia mostrou ainda a vulnerabilidade não só dos mais idosos, mas dos mais jovens que, com a queda no orçamento familiar, provocada pelo desemprego ou pouca arrecadação dos pais, trabalhadores informais, devem, por exemplo, deixar universidades privadas. Ou enfrentam dificuldades para encontrar trabalho.