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Qin Jiushao, o matemático chinês que 'era violento como um tigre e venenoso como um escorpião'

"Violento como um tigre" não é uma expressão comumente usuada para descrever um matemático brilhante - Getty Images
'Violento como um tigre' não é uma expressão comumente usuada para descrever um matemático brilhante Imagem: Getty Images

Marcus du Sautoy - BBC

21/02/2021 17h06

Na Idade de Ouro da matemática chinesa, Qin Jiushao se destacou por vários motivos ? alguns deles um tanto atípicos para um estudioso.

Reza a lenda que Qin Jiushao era um canalha. Mas ele também foi "um dos maiores matemáticos de seu tempo e, na verdade, de toda a história", como escreveu o historiador científico George Sarton.

Embora não haja uma biografia do peculiar personagem no Sòng Sh? ? o registro oficial da história da dinastia Song (960-1279) ?, especialistas reconstruíram sua trajetória compilando fragmentos de informações.

Documentos como, por exemplo, uma carta enviada ao imperador, na qual Qin é descrito por um de seus contemporâneos como "... tão violento quanto um tigre ou um lobo e tão venenoso quanto uma víbora ou um escorpião".

Sabemos que...

Ele nasceu em Sichuan, na China, por volta de 1202.

Quando jovem, estudou no Conselho de Astronomia, em Nan Sung, e mais tarde foi ensinado por um eremita, como ele mesmo contou no prefácio de sua famosa obra Shushu Jiuzhang ou Tratado de Matemática em Nove Seções (1247).

O livro, além de ser valioso por questões puramente matemáticas, tem comentários práticos, de maneira que fornece informações valiosas sobre as condições sociais e econômicas na China durante o século 13.

Também sabemos que...

Ele foi um burocrata do império incrivelmente corrupto que pulava de uma função para outra por ser constantemente pego cometendo infrações.

- Como administrador em Qizhou (hoje Qichun) na província de Hupeh, seu comportamento foi tão terrível que causou uma revolta militar.

- Logo depois foi nomeado governador de Hui-chou (hoje She-hsien), na província de Anhwei, onde era responsável pelo comércio de sal, e aproveitou a oportunidade para vender ilegalmente o mineral e ficar muito rico.

- Em 1259, foi destituído do cargo de governador de Qiongzhou, em Hainan, acusado de corrupção e exploração, após 100 dias na função, e voltou para casa depois de ter adquirido uma enorme fortuna ilegalmente.

- Apesar de seu histórico, ele conseguiu um posto de assistente no distrito de Yin (perto de Ningpo), em Zhekiang, mas, em 1260, após ser novamente acusado de corrupção, foi transferido para Meizhou (hoje Meixian), onde pouco tempo depois morreu.

Talentoso

A informação restante sobre ele revela que, além da propensão a desviar dinheiro público, Qin tinha o hábito de envenenar qualquer pessoa que atravessasse o seu caminho.

Mas também mostra um homem com enorme talento em muitas áreas.

Segundo o escritor Chou Mi (1232-1298), ele não só era "extremamente engenhoso por natureza", como possuía um profundo conhecimento de "astronomia, harmonia, poesia e até arquitetura".

"Quando se tratava de esporte ? polo, tiro com arco, esgrima ?, não havia nada que ele não fosse capaz de aprender."

E a tudo isso se soma outra faceta: a de guerreiro.

Por 10 anos, ele lutou contra os invasores mongóis, mas durante grande parte desse tempo, reclamou que sua vida militar o afastava de sua verdadeira paixão: a matemática.

Incógnitas elevadas à 3ª potência

Qin procurou resolver as equações que surgem quando tentamos medir o mundo ao nosso redor.

As equações quadráticas envolvem números ao quadrado ou com a potência de dois, como 5 x 5.

Os antigos mesopotâmicos já haviam percebido que essas equações eram perfeitas para medir formas planas e bidimensionais, como uma praça.

Mas Qin estava interessado em equações mais complicadas: as cúbicas.

Elas envolvem números que são elevados à potência de três ? por exemplo: 5 x 5 x 5 ?, e são as indicadas para medir formas tridimensionais.

Qin encontrou uma maneira de resolvê-las que funcionava assim:

Digamos que Qin queria saber as dimensões exatas do mausoléu do líder comunista chinês Mao Tsé Tung, sabendo qual é o volume do edifício e as relações entre as dimensões.

Para obter sua resposta, Qin usa o que sabe para produzir uma equação cúbica. Em seguida, ele dá um palpite fundamentado sobre as dimensões.

Embora tenha coberto uma boa parcela do mausoléu, ainda faltam partes do espaço.

Qin pega essas partes e cria uma nova equação cúbica.

Assim, pode refinar sua primeira suposição tentando encontrar uma solução para essa nova equação cúbica, e assim por diante.

Cada vez que faz isso, as partes que sobram ficam cada vez menores, e seus palpites se aproximam da resposta exata.

4 séculos antes de Newton

O que é surpreendente é que o método de resolução de equações de Qin não foi encontrado no Ocidente até o século 17, quando Isaac Newton criou uma abordagem muito semelhante.

O poder dessa técnica é que ela pode ser aplicada a equações ainda mais complicadas.

Qin chegou a usar seu método para resolver uma equação envolvendo números elevados à potência de 10. Foi algo extraordinário; uma matemática muito complexa.

Mas embora Qin estivesse anos à frente de seu tempo, havia um problema com sua técnica: ela apenas nos oferece uma solução aproximada.

Isso pode ser bom o bastante para um leigo, mas não para um matemático.

A matemática é uma ciência exata ? e Qin não conseguiu encontrar uma fórmula que desse uma solução exata para essas equações complicadas.

Ele morreu por volta de 1261. E foi um dos grandes nomes da Idade de Ouro da matemática chinesa, na qual o Império deu saltos enormes no desenvolvimento dessa ciência.

Os próximos grandes avanços aconteceriam em um país que se encontra a sudoeste da China, uma nação com uma rica tradição matemática que mudaria tudo para sempre: a Índia.


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