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Câmara pede explicações ao Executivo após OCDE tomar medida contra Brasil por sinais de recuo no combate à corrupção

Ernesto Araújo é um dos ministros que devem dar explicações após OCDE tomar medidas contra o Brasil - Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo
Ernesto Araújo é um dos ministros que devem dar explicações após OCDE tomar medidas contra o Brasil Imagem: Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo

Mariana Sanches - @mariana_sanches - Da BBC News Brasil em Washington

17/03/2021 19h31

A Câmara dos Deputados pediu formalmente explicações ao Ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, ao Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e ao Banco Central sobre o que motivou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a determinar a criação de um grupo estrangeiro de monitoramento da atual situação do combate à corrupção no Brasil.

A medida, revelada pela BBC News Brasil, jamais foi tomada pela entidade contra nenhum outro país e representa uma escalada nos posicionamentos da OCDE, que vinha alertando o Brasil desde 2019 sobre sinais de retrocessos na área de combate à corrupção, tanto por meio de notas públicas quanto pelo envio de uma missão de alto nível da entidade para conversar com autoridades brasileiras.

"A missão aconteceu em novembro de 2019 e saímos do país bastante satisfeitos, apenas para descobrir logo depois que os problemas - com raras exceções - ainda existiam e que novos problemas que ameaçavam a capacidade do Brasil de combater o suborno internacional continuam a surgir", afirmou à BBC News Brasil Drago Kos, presidente do Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE e membro do Conselho Consultivo Internacional Anticorrupção.

A entidade, na qual o Brasil pleiteia entrada, está preocupada com o "fim surpreendente da Lava Jato", o uso da lei contra abuso de autoridade e as dificuldades no compartilhamento de informações de órgãos financeiros para investigações. As duas últimas questões foram o motivo principal para a criação do grupo de monitoramento pela OCDE.

Autor do requerimento da Câmara, o deputado federal Alex Manente, líder da bancada do Cidadania, justifica o pedido dizendo que os esclarecimentos dos órgãos brasileiros são fundamentais para que "o Parlamento possa conhecer o que vem ocorrendo nos últimos dois anos acerca do combate à corrupção no país".

Bolsonaro e Pacheco - Marcos Correa/PR - Marcos Correa/PR
Documentos públicos da OCDE mostram repetidas advertências ao Brasil desde o primeiro ano do governo Bolsonaro
Imagem: Marcos Correa/PR

À BBC News Brasil, o deputado se disse "chocado" com a decisão da OCDE. "Nos causa grande preocupação até porque percebemos que houve uma queda de atenção no assunto, com o qual o presidente Bolsonaro se comprometeu durante a campanha. Das atuais prioridades do governo, nenhuma tem a ver com o combate da corrupção", critica Manente, que declarou voto em Bolsonaro no segundo turno de 2018.

O deputado, que é relator da PEC da segunda instância, que pretende alterar a Constituição para permitir a prisão de condenados em segunda instância, também articula a possível criação de uma comissão externa, composta por deputados e senadores, para acompanhar os trabalhos do grupo de monitoramento da OCDE e sua comunicação com o governo brasileiro.

O Ministério da Justiça, o Itamaraty e o Banco Central terão 30 dias para responder à Câmara.

Em nota em resposta à reportagem da BBC News Brasil, o Itamaraty confirmou a criação do grupo de monitoramento anticorrupção da OCDE para o Brasil: "A iniciativa de criação do subgrupo para o atual monitoramento do País contou com a anuência da delegação brasileira, interessada em aprimorar o processo de apresentação dos elementos de interesse do Grupo (de Trabalho Antissuborno da OCDE)", diz a nota do órgão.

Um dia após a publicação da reportagem sobre a criação do grupo pela OCDE, o Itamaraty, a Casa Civil, o Ministério da Justiça e a Controladoria Geral da União enviaram nova nota conjunta à imprensa em que afirmavam "que, desde 2019, nunca houve por parte da OCDE qualquer manifestação oficial ao Governo Brasileiro sobre suposto retrocesso do país no combate à Corrupção", negavam que a motivação para a criação do grupo tivesse sido preocupações com fatos recentes sobre o tema no Brasil e questionavam o ineditismo da medida.

Documentos públicos da própria OCDE, no entanto, mostram repetidas advertências ao Brasil desde o primeiro ano do governo Bolsonaro. Além disso, a OCDE também mantém em seu site as regras para fiscalização dos países signatários da Convenção Antissuborno. "Nos casos em que um país implementou de forma inadequada ou continuamente falhou em implementar de forma adequada a Convenção Antissuborno da OCDE, outras etapas podem ser consideradas, tais como a criação de um grupo de monitoramento", diz a OCDE.

Novamente questionada sobre se a criação do grupo de monitoramento já havia ocorrido antes, a OCDE reafirmou o ineditismo da medida, contradizendo o governo federal.