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CPI da Covid: o que acontece com Roberto Dias, que pagou fiança após ter sido preso na CPI da Covid

07/07/2021 20h26

O senador Omar Aziz, presidente da comissão pela primeira vez ordenou a detenção de um depoente por supostamente mentir. Dias afirma estar 'sendo acusado sem provas'.

O texto foi atualizado às 4h44 de 8 de julho de 2021.

Em andamento há cerca de dois meses, a CPI da Covid terminou, pela primeira vez, com a prisão de um depoente.

Trata-se de Roberto Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde acusado de ter participado de um suposto esquema de propina na compra de vacinas ? algo que ele negou com veemência durante seu depoimento, alegando estar sendo "acusado sem provas".

"Ele (Dias) está mentindo desde de manhã, dei chances o tempo todo", afirmou o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), ao determinar que Dias fosse preso pela Polícia Legislativa, no final da tarde desta quarta-feira (7/7).

Segundo a assessoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, na delegacia da Polícia Legislativa é feito um mandado de prisão, depois entregue à Polícia Federal.

Depois da prisão, disse Rodrigues em entrevista coletiva após a sessão, o destino de Dias "não cabe mais à CPI". "Sua defesa pode entrar com habeas corpus, creio que isso (prisão) nem vai chegar à audiência de custódia".

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), que se posicionou contra a prisão em flagrante, também afirmou acreditar que os desdobramentos da detenção iriam se limitar a "ir para a delegacia, pagar fiança e ir embora". Foi mais ou menos o que aconteceu.

Segundo informações da TV GloboNews e do jornal Folha de S.Paulo, Dias deixou a sede da polícia legislativa no Senado, onde ficou detido por cerca de cinco horas, após pagar fiança no valor de R$ 1.100.

Para Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Administração Pública pela FGV-SP, a detenção do ex-servidor deveria ser tratada como uma prisão em flagrante comum, nesse caso por crime de falso testemunho. O Código Penal prevê pena de dois a quatro anos de reclusão caso haja condenação, embora seja raro que pessoas permaneçam presas sob acusação de cometer esse crime, segundo Chemim.

Alguns senadores contestaram a decisão de Aziz de prender Dias, como Marcos Rogério (DEM-RO), que acusou o presidente da CPI de abuso de autoridade e afirmou que não havia um fato concreto para prender Dias. A advogada do depoente, Maria Jamile José, disse se tratar de "uma ilegalidade sem tamanho, um absurdo".

Para Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), considerando-se que Roberto Dias pode ser, em tese, implicado no suposto esquema de corrupção de vacinas, ele tem o direito de não produzir provas contra si mesmo, independentemente da condição formal sob a qual depôs ou de prestar juramento à CPI.

Nesse caso, "não se aplicaria a ele o crime de falso testemunho", explica Badaró.

Agora, Dias responderá pela acusação de ter mentido à CPI e pode acabar indiciado pelos senadores ao final da investigação sob acusação de participação no suposto esquema de corrupção em torno da compra de vacinas pelo Ministério da Saúde do governo Bolsonaro.

'Historinha, versãozinha'

A determinação de Aziz de prender Dias pegou de surpresa até os senadores de oposição e levou a uma discussão quanto à validade da decisão.

Aziz respondeu: "Tenho tido respeito por todos os colegas senadores e tenho sido desrespeitado ouvindo historinha, versãozinha (de depoentes). Não aceito que a CPI vire chacota. Temos 527 mil mortos (por covid-19 no Brasil) e os caras brincando de negociar vacina. Por que (Dias) não teve esse empenho para comprar a (vacina) da Pfzer, que era de responsabilidade dele naquela época? Está preso por mentir, por perjúrio, e se for abuso de autoridade que a advogada dele ou qualquer outro senador me processe. (...) Todo depoente que estiver aqui e achar que pode brincar terá o mesmo destino dele. Ele recorra na Justiça. Está preso e a sessão está encerrada".

Dias, por sua vez, afirmou à CPI que nunca pediu "nenhum tipo de vantagem ao senhor Dominghetti", em referência ao depoimento de Luiz Paulo Dominghetti, que afirmou ter tentado vender vacina ao Ministério da Saúde e recebido pedido de propina como resposta, acusando Dias nominalmente.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) afirmou que a prisão, no caso de depoentes que digam mentiras à CPI, "é uma obrigatoriedade". "Se faltou com a verdade, impõe-se a prisão em flagrante", declarou.

Já governistas viram abusos na decisão de Aziz. "Foi uma prisão arbitrária e ilegal", disse o senador Ciro Nogueira (PP-PI).

Exaltado, Aziz respondeu às críticas. "Ele está preso por mentir, por perjúrio. E, se eu estiver tendo abuso de autoridade, que a advogada dele ou qualquer outro senador me processe, mas ele vai estar detido agora pelo Brasil, porque nós estamos aqui pelo Brasil, pelos que morreram, pelas vítimas hoje sequeladas. Nós não estamos aqui para brincar de ouvir historinha de servidor que pediu propina".

Prisão em flagrante

O auto de prisão assinado por Aziz alega que "foram verificadas diversas contradições" no depoimento de Dias, desde sua permanência no cargo no Ministério da Saúde até seu relacionamento com Dominghetti e outros acusados de participar do suposto esquema de propina.

Nos depoimentos prestados até agora, houve diversos pedidos de senadores para que depoentes fossem presos, acusando-os de terem mentido perante a comissão. Nenhum, no entanto, foi aceito por Omar Aziz.

Tanto o Código Penal quanto a legislação que regula as CPIs estabelecem que é crime "fazer afirmação falsa" como testemunha.

Portanto, caso algum depoente faça uma afirmação falsa em uma CPI, isso pode configurar crime.

A Constituição Federal e o Código de Processo Penal preveem a possibilidade de prisão em flagrante. "É a prisão por qualquer cidadão. Qualquer pessoa pode dar voz de prisão em flagrante a alguém que esteja praticando um crime", explicou, em entrevista concedida em maio à BBC News Brasil, o professor da FGV Direito Rio Wallace Corbo ? antes, portanto, da prisão de Roberto Dias.

"Em tese qualquer pessoa na CPI, qualquer senador, até um membro da imprensa, poderia dar voz de prisão em flagrante se verificasse uma afirmação falsa, mas isso não tende a acontecer", disse ele.

"Por uma lógica de uma organização, parece se consolidar uma interpretação de que, nesta CPI, quem tem autoridade para dar voz de prisão em flagrante seria o presidente da CPI", observou Corbo.

Isso foi confirmado nesta quarta-feira pelo senador Randolfe Rodrigues e Humberto Costa (PT-PE) durante a entrevista coletiva após a sessão.

"Respeitamos a atribuição do presidente (Aziz)", afirmou Randolfe.

"Somos solidários à decisão dele. Ele já vinha dizendo que sua paciência estava se esgotando porque o número de pessoas que faltaram com a verdade foi muito grande", agregou Costa.

'Motivação processual'

A professora de Direito Constitucional da UFRJ Carolina Cyrillo discorda da prisão em flagrante por falsa afirmação na CPI. Para ela, o correto é que o Ministério Público seja oficiado para implementar um inquérito e apurar se aquela pessoa fez uma afirmação falsa.

"É um tipo de crime que não tem sentido prisão em flagrante. Não é simplesmente porque o senador acha que o depoente mentiu que ele efetivamente mentiu. Para enquadrar como falso testemunho, precisa de apuração", afirmou, também em maio, à BBC News Brasil.

Foi isso que Aziz mandou fazer no caso do depoimento de Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro, que também depôs à CPI e foi alvo de pedidos de prisão - que foram negados pelo presidente da comissão.

Na interpretação dela, a prisão em flagrante é uma prisão processual, ou seja, que visa a garantir que um processo tenha sua continuidade.

Em outras palavras, para que uma prisão em flagrante ocorresse, na opinião de Cyrillo, deveria haver uma motivação processual por trás ? se a pessoa ficasse solta, por exemplo, ela poderia atrapalhar a investigação do processo.

*Com reportagem de Leandro Machado e Paula Adamo Idoeta, da BBC News Brasil em São Paulo, e Juliana Gragnani, da BBC News Brasil em Londres.


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