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Talebã toma Cabul e diz que 'guerra acabou' no Afeganistão

15/08/2021 07h29

Com conquista da capital, o grupo fundamentalista retomou controle do país neste domingo - um mês após a saída das tropas americanas, que ficaram 20 anos na região.

Com a tomada de Cabul neste domingo (15/08), o Talebã derrubou o governo civil e afirma que "a guerra acabou" no país.

A capital era a única grande cidade ainda nas mãos do governo civil até este domingo, mas combatentes do grupo fundamentalista entraram na cidade por todos os lados e publicaram imagens de homens armados tomando o palácio presidencial. Com a conquista do último refúgio civil, o Talebã domina praticamente o país todo novamente.

O presidente afegão, Ashraf Ghani, deixou o país. Relatos iniciais apontavam que ele havia ido ao Tajiquistão, mas a rede de TV Al Jazeera divulgou que o presidente, sua família, seu chefe de gabinete e seu conselheiro de segurança foram para o Uzbequistão. O destino do presidente não foi confirmado pelo governo.

Em seu primeiro pronunciamento após deixar o país, Ghani disse, em uma postagem no Facebook, que foi embora para evitar derramamento de sangue.

Um porta-voz do Talebã disse à rede de TV Al Jazeera que "a guerra acabou no Afeganistão".

"Conseguimos o que queríamos, a libertação do país e a independência do povo", disse o porta-voz, que afirmou também não acreditar que as potencias ocidentais vão querer repetir "sua experiência fracassada no Afeganistão novamente."

Milhares de pessoas haviam se refugiado em Cabul nos últimos dias, conforme o Talebã foi tomando conta do resto do pais.

A cidade teve cenas de pânico no domingo com a chegada do grupo fundamentalista.

Testemunhas relataram caos no aeroporto de Cabul após se espalhar um rumor de que passagens estavam sendo emitidas para políticos e pessoas importantes.

"Vi pelo menos três deputados, alguns ministros e celebridades nas filas", disse uma testemunha à BBC. "Esperamos por oito horas, até que os funcionários do aeroporto começaram a deixar seus postos e diferentes rumores geraram caos. Algumas pessoas correram para os portões de embarque e outras fugiram do aeroporto."

Rodovias ao redor da cidade ficaram congestionadas, com centenas de afegãos tentando chegar ao aeroporto ou fugir em direção à fronteira. Aglomerações se formaram em frente aos bancos de Cabul, com pessoas tentando sacar dinheiro por medo de terem suas poupanças confiscadas.

A secretário-geral da ONU Antonio Guterres pediu que o Talebã e todos os outros envolvidos atuem de forma "contida" para que as vidas sejam protegidas.

"O secretário-geral está especialmente preocupado com o futuro das mulheres e meninas, cujos direitos conquistados com esforço precisam ser mantidos", disse uma nota da organização.

O que aconteceu em Cabul?

O Talebã havia ordenado que seus combatentes permanecessem nos pontos de entrada da capital ? citando o risco para a população civil ? segundo um comunicado do grupo na manhã deste domingo.

O grupo acrescentou que a responsabilidade pela segurança da cidade permanecia com o governo e afirmava que as negociações para a "transferência pacífica do poder" continuavam.

No entanto, em um desdobramento no início da tarde, Zabihullah Mujahid, um porta-voz do Talebã, afirmou em entrevista à emissora de TV afegã Tolo que o grupo autorizou a seus militantes entrar em partes de Cabul para evitar caos e saques.

Testemunhas dizem que tiros foram ouvidos e militantes vistos nas ruas com bandeiras do grupo.

Imagens de combatentes no palácio presidencial foram publicadas pelo grupo na tarde de domingo, após a fuga do presidente. O Talebã diz ter o controle de 11 distritos na capital.

"Não haverá vingança", diz Talebã

Na nota, o Talebã também exortou os afegãos a permanecer no país e insiste que deseja que as pessoas "de todas as esferas da vida se vejam em um futuro sistema islâmico com um governo responsável que sirva e seja aceitável para todos".

Um líder do Talebã em Doha, no Catar, disse à agência de notícias Reuters que a organização determinou que seus combatentes se abstenham de perpetrar atos de violência em Cabul e permitam a saída de qualquer pessoa "com segurança". Ele também solicitou que as mulheres fossem para as áreas protegidas.

Outro porta-voz do Talebã disse à apresentadora da BBC Yalda Hakim que "não haverá vingança" contra o povo do Afeganistão.

Suhail Shaheen ligou para a apresentadora ao vivo e garantiu aos afegãos, especialmente na cidade de Cabul "que suas propriedades e suas vidas estão a salvo".

Neste domingo, o ministro do interior afegão em exercício apareceu em um vídeo, transmitido pela emissora local Tolo TV, dizendo que haveria uma "transferência pacífica de poder" para um governo de transição. Ele disse que Cabul não seria atacada.

A agência de notícias Associated Press, citando uma autoridade afegã, disse que negociadores do Talebã estavam indo para o palácio presidencial para se preparar para uma "transferência" de poder.

Como as potências ocidentais estão reagindo?

Os Estados Unidos começaram a evacuar funcionários de sua embaixada em Cabul. Na manhã deste domingo, eles foram levados ao aeroporto, onde foram vistos embarcando em seis grandes aviões de transporte militar. Os EUA destacaram 5 mil soldados para ajudar na operação.

O principal diplomata dos EUA no Afeganistão, o encarregado de negócios Ross Wilson, foi um dos que deixaram a representação diplomática.

O presidente americano Joe Biden defendeu sua decisão de intensificar a retirada dos EUA do Afeganistão, dizendo que não poderia justificar uma "presença infinita dos EUA no meio do conflito civil de outro país".

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, afirmou que "ninguém quer que o Afeganistão se torne terreno fértil para o terrorismo" e que o país está negociando com outras potências para não reconhecer nenhum novo governo sem que antes haja um acordo.

Johnson também disse que a prioridade agora é retirar os cidadãos britânicos que estão no país. Cercas de 600 tropas britânicas chegaram no país para esse fim. A maior parte dos funcionários da embaixada já foi retirada do país, mas o embaixador e um pequeno número de funcionários continua por lá ajudando os cidadãos britânicos a deixar o país.

Canadá e Alemanha também estão fazendo esforços para retirar seus cidadãos do país.

Talebã já obriga famílias a seguirem suas regras, dizem afegãos

Mais de 250 mil pessoas foram deslocadas pelos combates e muitas buscaram refúgio em Cabul.

Algumas das que fugiram de áreas controladas pelo Talebã disseram que os militantes exigiam que as famílias entregassem meninas e mulheres solteiras para se tornarem esposas de seus combatentes.

Muzhda, de 35 anos, uma mulher solteira que fugiu de Parwan para Cabul com suas duas irmãs, disse que tiraria a própria vida em vez de permitir que o Talibã a obrigasse a se casar.

"Estou chorando dia e noite", disse ela à agência de notícias AFP.

Mulheres de áreas controladas pelo Talebã também descreveram ser forçadas a usar burcas ? veste que cobre todo o corpo, e apresenta uma estreita tela, à altura dos olhos, através da qual se pode ver  ? e militantes espancaram pessoas por infringirem as regras sociais.

A vida sob o Talebã na década de 1990 forçou as mulheres a usar a vestimenta. Os islamistas radicais restringiram a educação para meninas com mais de 10 anos e punições brutais foram impostas, incluindo execuções públicas.

"Deus nos livre, veremos a guerra em Cabul", disse o morador Sayed Akbar, de 53 anos, ao jornal americano New York Times. "As pessoas aqui passaram por 40 anos de tristezas. As estradas que percorremos são construídas sobre os ossos das pessoas."

Um jovem de 17 anos, identificado apenas como Abdullah, disse à AFP que ele e sua família fugiram da cidade de Kunduz, no norte, depois que ela foi tomada pelo Talebã e agora dormiam sob uma tenda em um parque de Cabul.

Abdullah disse que ele e outros jovens em Kunduz foram forçados a carregar granadas e outras munições para os militantes.

Os moradores de Cabul formaram longas filas nos bancos tentando sacar suas economias. Algumas filiais já ficaram sem dinheiro.

Também houve relatos de um motim na prisão de Pul-e-Charkhi, nos arredores da capital, com moradores locais dizendo que tiros foram ouvidos.

Em um discurso pré-gravado na TV no sábado, o presidente afegão, Ashraf Ghani, disse que uma das principais prioridades era a remobilização das forças armadas afegãs para evitar mais destruição e deslocamento de pessoas. O discurso foi feito em meio a especulações de que Ghani renunciaria.

A situação no resto do país

Neste domingo, os militantes assumiram também o controle de Jalalabad, uma cidade importante no leste do país, sem encontrar nenhuma resistência.

"Não há confrontos ocorrendo agora em Jalalabad porque o governador se rendeu ao Talebã", disse uma autoridade local afegã à Reuters. "Permitir a passagem para o Talebã era a única maneira de salvar vidas civis."

O jornalista Tariq Ghazniwal tuitou imagens que supostamente mostravam o governador da província entregando o controle ao Talebã.

Com a captura de Jalalabad, o Talebã passou a dominar as estradas que ligam o país ao Paquistão.

A tomada de Jalalabad ocorre após o Talebã ter passado a dominar outro importante bastião, a cidade de Mazar-i-Sharif, no norte do Afeganistão, no sábado (14/8). O grupo também teria reconquistado Bamiyan, onde há 20 anos explodiu dois Budas gigantes, parte do patrimônio histórico-cultural do país, provocando condenações de todo o mundo.

Nili, capital da província central de Daykundi, também se rendeu ao Talebã sem muita resistência, noticiou a imprensa.

E, nas últimas horas, o grupo afirmou ter tomado o campo de aviação e a prisão de Bagram, nos arredores de Cabul. O complexo foi o epicentro da guerra contra o Talebã e a Al-Qaeda por cerca de 20 anos, até o mês passado, quando os militares dos EUA partiram na calada da noite sem avisar os afegãos.

As forças da coalizão lideradas pelos Estados Unidos invadiram o Afeganistão durante dezembro de 2001 e Bagram tornou-se uma enorme base capaz de abrigar até 10 mil soldados.

Os ex-presidentes americanos George W. Bush, Barack Obama e Donald Trump visitaram a base durante seus mandatos.

Bagram também possui uma prisão, com cerca de 5 mil membros do Talebã presos. Fontes ligadas ao grupo extremista alegaram que os prisioneiros foram libertados.

A prisão de Bagram foi apelidada de 'Guantánamo do Afeganistão' ? em alusão à infame prisão militar dos EUA em Cuba.

Foi originalmente construída e administrada pelos americanos, mas entregue ao controle afegão em 2013.


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