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Em reação a Bolsonaro, Fux fala em crime de responsabilidade, mas Lira não cita impeachment

Rafael Barifouse e Mariana Schreiber - Da BBC News Brasil em São Paulo e Brasília

08/09/2021 16h34

Presidente do STF alertou que descumprir decisão judicial pode levar a cassação, enquanto chefe da Câmara fez críticas a gestos do presidente sem mencioná-lo. O vice Hamilton Mourão minimizou risco de processo contra Bolsonaro, enquanto o procurador-geral Augusto Aras saiu em defesa do respeito da Constituição.

Um dia após os protestos em apoio a Jair Bolsonaro (sem partido), em que o presidente voltou a atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) e a colocar em dúvida a segurança da votação eletrônica, os presidentes da Câmara dos Deputados e do STF fizeram críticas às atitudes de Bolsonaro.

O discurso mais duro veio do ministro Luiz Fux. Atualmente à frente do STF, ele alertou Jair Bolsonaro que sua ameaça de descumprir decisões da mais alta corte do Judiciário configuraria crime de responsabilidade e que, caso ele venha a agir assim, poderá se tornar alvo de um processo de impeachment no Congresso Nacional.

Por sua vez, o deputado Arthur Lira (PP-AL), aliado do Palácio do Planalto e presidente da Câmara, falou pela primeira vez contra gestos do presidente de forma direta e pública e pediu um fim à escalada de tensão entre os poderes e das bravatas em redes sociais.

Por sua vez, o vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), ao comentar a crise entre Executivo e Judiciário, fez coro com Bolsonaro nas críticas ao STF e minimizou o risco de que o presidente possa vir a sofrer um impeachment, porque o Planalto teria apoio no Congresso para barrar o processo.

Já o chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR), Augusto Aras, não fez menções diretas ao presidente nem às suas ameaças contra o Judiciário e, embora tenha elogiado os protestos que pediram o fechamento do STF e do Congresso Nacional, defendeu o respeito à Constituição.

Fux: 'Ninguém vai fechar essa Corte'

Na terça-feira (7/9), em discursos durante os atos de 7 de setembro, Bolsonaro voltou a atacar o ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de "canalha".

O ministro é relator de investigações no STF contra o presidente e seus apoiadores por supostos ataques criminosos às instituições democráticas, cobrou que o presidente do STF o "enquadre", caso contrário tomaria medidas "indesejadas", e afirmou que poderá não cumprir decisões de Moraes.

Em reação a isso, o presidente do STF elevou o tom, defendeu a Corte e enfatizou que ignorar decisões judiciais configuraria crime de responsabilidade, o que poderia culminar na a abertura de um processo de cassação contra Bolsonaro.

"O Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções", disse Fux, ao abrir a sessão na quarta-feira no STF.

"O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional", reforçou.

"O Supremo Tribunal Federal jamais se negou ? e jamais se negará ? ao aprimoramento institucional em prol do nosso amado país. No entanto, a crítica institucional não se confunde ? e nem se adequa ? com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal e de seus membros, tal como vem sendo gravemente difundidas pelo Chefe da Nação", declarou Fux.

"Ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis, em respeito ao juramento constitucional que fizemos ao assumirmos uma cadeira na Corte", continuou.

"Ninguém, ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor, perseverança e coragem."

Fux ainda alertou contra o que chamou de "falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra as suas instituições". "Todos sabemos que quem promove o discurso do "nós contra eles" não propaga democracia, mas a política do caos", afirmou

"Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos inimigos da nação. Mais do que nunca, o nosso tempo requer respeito aos poderes constituídos."

Os atos bolsonaristas de 7 de setembro tiveram como foco principal os ataques ao STF, com frequentes pedidos de fechamento da Corte. O presidente e seus apoiadores consideram que Moraes tem cometido abusos ao determinar a prisão de seus aliados, inclusive porque algumas dessas decisões foram tomadas sem participação da PGR.

Já os que apoiam a atuação do ministro dizem que os investigados nesses inquéritos cometem crimes ao ameaçar ministros do STF e defender o fechamento da Corte e do Congresso Nacional.

Apesar do predomínio de mensagens autoritárias contra o Supremo, Fux não criticou diretamente os manifestantes, elogiando em sua fala o fato de os atos terem ocorrido sem registro de "incidentes graves" e reconhecendo que, nos atos, os participantes fizeram "duras críticas à Corte e a seus membros".

"Com efeito, os participantes exerceram as suas liberdades de reunião e de expressão ? direitos fundamentais ostensivamente protegidos por este Supremo Tribunal Federal", ressaltou.

Por outro lado, ele cobrou de Bolsonaro solução para os "problemas reais" do país, como a pandemia de coronavírus e a crise econômica.

"Em nome das ministras e dos ministros desta Casa, conclamo os líderes do nosso país a que se dediquem aos problemas reais que assolam o nosso povo: a pandemia, que ainda não acabou e já levou 580 mil vidas brasileiras", destacou.

"Devemos nos preocupar com o desemprego, que conduz o cidadão ao limite da sobrevivência biológica; a inflação, que corrói a renda dos mais pobres; e a crise hídrica, que se avizinha e que ameaça a nossa retomada econômica."

Lira: 'A Constituição jamais será rasgada'

Arthur Lira, um dos líderes do Centrão, bloco informal de partidos que hoje dá sustentação política ao presidente, fez críticas diretas a gestos de Bolsonaro.

"Diante dos acontecimentos de ontem, quando abrimos as comemorações de 200 anos como nação livre e independente, não vejo como possamos ter ainda mais espaço para radicalismo e excessos", disse Lira na abertura de seu pronunciamento na tarde de quarta-feira (8/9), explicando em seguida que havia esperado para fazer isso para não ser "contaminado pelo calor de um ambiente já por demais aquecido".

"É hora de dar um basta a esta escalada, em um infinito looping negativo", afirmou. "A Constituição jamais será rasgada."

"Bravatas em redes sociais, vídeos e um eterno palanque deixaram de ser um elemento virtual e passaram a impactar o dia a dia do Brasil de verdade. O Brasil que vê a gasolina chegar a R$ 7 reais, o dólar valorizado em excesso e a redução de expectativas. Uma crise que, infelizmente, é superdimensionada pelas redes sociais, que apesar de amplificar a democracia estimula incitações e excessos."

Em outra crítica a gestos de Bolsonaro nos atos de 7 de setembro, Lira disse que os poderes "têm limitações". É "o tal quadrado, que deve circunscrever seu raio de atuação", declarou. Isso define respeito e harmonia."

Em seguida ele disse que "não pode admitir questionamentos sobre decisões tomadas e superadas" e esclareceu claramente que falava sobre a proposta de Bolsonaro de que fosse implantado um voto impresso, que foi rejeitada duas vezes pela Câmara em agosto, primeiro na comissão especial e depois no plenário.

"Uma vez definida, vira-se a página", enfatizou o deputado. "Assim como também vou seguir defendendo o direito dos parlamentares à livre expressão - e a nossa prerrogativa de puni-los internamente se a Casa com sua soberania e independência entender que cruzaram a linha."

O presidente da Câmara também se distanciou do presidente, que disse em um protesto pelo voto impresso no início de agosto que "sem eleição limpa, não terá eleição", ao afirmar que a votação em 2022 é "o único compromisso inadiável e inquestionável em nosso calendário" e reforçou: "Com as urnas eletrônicas".

"São nas cabines eleitorais, com sigilo e segurança, que o povo expressa sua soberania", disse.

Ao mesmo tempo, Lira se colocou à disposição para mediar o diálogo entre o Executivo e o Judiciário para dar fim à escalada de tensão entre os poderes a fim de elaborar medidas que combatam a crise socioeconômica a qual o país atravessa.

"Esta Casa tem prerrogativas que seguem vivas e quer seguir votando e aprovando o que é de interesse público. E estende a mão aos demais Poderes para que se voltem para o trabalho, encerrando desentendimentos", disse Lira.

"A Câmara dos Deputados está aberta a conversas e negociações para serenarmos. Para que todos possamos nos voltar ao Brasil Real que sofre com o preço do gás, por exemplo", declarou, dizendo que a Casa que preside é hoje um "motor de pacificação" do país e ressaltando que, com a crise institucional que está instaurada, "todos perdem".

"Conversarei com todos e com todos os poderes", afirmou. "Nossa Casa tem compromisso com o Brasil real - que vem sofrendo com a pandemia, com o desemprego e a falta de oportunidades."

O presidente da Câmara evitou no entanto criticar diretamente os protestos em si ou seus participantes, muitos dos quais reivindicaram pautas antidemocráticas, entre elas o fechamento do STF e do Congresso Nacional, do qual Lira faz parte,

"Em tempo, quero aqui enaltecer a todos os brasileiros que foram às ruas de modo pacífico. Uma democracia vibrante se faz assim: com participação popular e liberdade e respeito à opinião do outro."

Mourão: 'Não há clima para impeachment'

O vice-presidente disse não enxergar que Bolsonaro corra risco de ser alvo de um processo de impeachment. Em declarações feitas antes de embarcar para a Amazônia, ele declarou: "Eu não vejo que haja clima para o impeachment do presidente, tanto na população como um todo como dentro do próprio Congresso".

Mourão disse que o Planalto tem uma "maioria confortável, de mais de 200 deputados" na Câmara, o que não seria suficiente para aprovar projetos do governo, mas que seria o bastante para barrar um processo contra o presidente.

O vice havia dito inicialmente que não estaria nos atos de 7 de setembro, mas acabou comparecendo e esteve ao lado de Bolsonaro enquanto ele fazia ameaças ao Supremo. Mourão não quis, no entanto, comentar as declarações do presidente alegando que isso seria antiético.

Mas reconheceu a crise instaurada e fez, assim como Bolsonaro, críticas ao ministro Alexandre de Moraes. "Na minha visão existe um tensionamento principalmente entre o Judiciário e o Executivo", declarou.

"Eu tenho a ideia muito clara que o inquérito que é conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes não está correto, juiz não pode conduzir inquérito. Eu acho que tudo se resolveria se o inquérito passasse para a mão da PGR e acabou. Isso aí distensionaria todos os problemas."

Aras: 'Divergir, sim, descumprir, jamais'

O procurador-geral da República fez breve pronunciamento sobre o 7 de Setembro logo depois da fala de Luiz Fux e adotou um tom elogioso em relação aos protestos.

"Acompanhamos ontem uma festa cívica, com manifestações pacíficas, que ocorreram hegemonicamente de forma ordeira pelas vias públicas do Brasil. As manifestações do 7 de setembro foram uma expressão de uma sociedade plural e aberta, característica de um regime democrático", disse Aras, ao iniciar sua fala.

Augusto Aras detém a autoridade de propor um eventual processo criminal contra Bolsonaro, mas assim como Arthur Lira, é considerado nos bastidores de Brasília um aliado do presidente.

O procurador-geral deu declarações vagas sobre a atuação do Ministério Público neste momento de instabilidade institucional.

"Como previsto na Constituição Federal de 1988 e no ordenamento jurídico erigido a partir dela, quando discordâncias vão para além de manifestações críticas, merecendo alguma providência, hão de ser encaminhadas pelas vias adequadas, de modo a não criarem constrangimentos e dificuldades, quiçá injustiças, ao invés de soluções", ressaltou.

"Eis o primado do devido processo em face do voluntarismo: construir decisões legítimas, respeitáveis, sólidas, ainda que não sejam unânimes. O Ministério Público brasileiro, como instituição constitucional permanente, segue trabalhando pela sustentação da ordem jurídica e democrática, pois não há estabilidade e legitimidade fora dela", acrescentou.

No entanto, Aras saiu em defesa das instituições, ao afirmar que elas são assim como o povo "a voz da liberdade" e exaltou a separação e a harmonia entre os poderes.

Aras também citou um discurso histórico de Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, ao promulgar a Constituição de 1988, marco da redemocratização do Brasil.

"A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca", disse o procurador-geral, reproduzindo a palavras de Guimarães.


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