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Novo partido de Bolsonaro: PL esteve no centro do escândalo do mensalão no governo Lula

O presidente Jair Bolsonaro (E) e o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto - Divulgação PL
O presidente Jair Bolsonaro (E) e o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto Imagem: Divulgação PL

Luiz Antônio Araujo - De Porto Alegre para a BBC Brasil

11/11/2021 13h33

Provável destino partidário do presidente Jair Bolsonaro, o Partido Liberal (PL) esteve no centro do escândalo do mensalão, que abalou o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005. O presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, anunciou que a cerimônia de filiação de Bolsonaro ao PL acontecerá no próximo dia 22 em Brasília.

O PL e o próprio Costa Neto foram manchete em 2005 durante o chamado escândalo do mensalão, em que o governo Lula foi acusado de pagar dinheiro a deputados em troca de apoio a projetos do governo.

A participação de integrantes do PL no caso foi denunciada pelo presidente nacional do PTB e então deputado federal Roberto Jefferson (RJ). Na época apoiador de Lula e hoje aliado de Bolsonaro, o ex-parlamentar está preso por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes no inquérito das fake news.

Foi Jefferson o primeiro a utilizar o termo "mensalão", em entrevista à jornalista Renata Lo Prete, então editora da coluna Painel do jornal Folha de S. Paulo, publicada em 6 de junho de 2005. Ele acusou o então tesoureiro nacional do PT, Delúbio Soares, de pagar parlamentares do partido e do PP para votar favoravelmente a projetos de interesse do Palácio do Planalto.

O deputado afirmou: "Um pouco antes de o Martinez (José Carlos Martinez, presidente do PTB morto em 2003 num acidente aéreo) morrer, ele me procurou e disse: 'Roberto, o Delúbio está fazendo um esquema de mesada, um mensalão, para os parlamentares da base. O PP, o PL, e quer que o PTB também receba. R$ 30 mil para cada deputado. O que você me diz disso?'".

PTB, PP e PL, entre outros partidos, faziam parte da base parlamentar do governo Lula.

No dia seguinte, o presidente nacional do PL, deputado federal Valdemar Costa Neto (SP), ingressou com representação contra Jefferson na Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara.

"A ofensa, da forma como foi praticada, atingiu e maculou, quiçá de forma irreparável, a reputação ilibada não só dos parlamentares nominados, mas também a credibilidade, o conceito moral e administrativo desta Casa", afirmou Costa Neto.

Na dupla condição de acusador e acusado, Jefferson redobrou a aposta: citou como beneficiários dos pagamentos o próprio Costa Neto e os deputados do PL Sandro Mabel (GO) e Bispo Rodrigues (RJ), além de três parlamentares do PP (Pedro Corrêa, então presidente da sigla, José Janene e Pedro Henry).

Na sessão da Comissão de Ética em que Jefferson foi ouvido, em 14 de junho, Costa Neto confrontou-o: "Então dê os nomes".

O presidente do PTB respondeu: "Afirmo que Vossa Excelência recebe e repassa".

Jefferson foi condenado em votação secreta à perda de mandato por quebra de decoro.

Jefferson, Costa Neto, Corrêa, Henry e Rodrigues, entre outros, foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República no caso do mensalão e, posteriormente, julgados e condenados a penas variadas pelo Supremo Tribunal Federal em 2012.

No total, 41 pessoas foram julgadas e 26 condenadas no processo, incluindo o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente nacional do PT José Genoino.

"O PL é um partido estruturado nacionalmente, mas é também uma das siglas mais implicadas em corrupção na história recente. Essa escolha de Bolsonaro entra em contradição com o discurso do presidente contra a velha política, o toma-lá-dá-cá e a moralidade. Os bolsonaristas terão de se contorcer para explicar essa opção", afirma Victor Gandin, cientista político e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Base dos governos Lula e Dilma

Desgastado pelo episódio, o PL mudou de nome para disputar as eleições do ano seguinte.

Assumiu a identidade de Partido da República (PR), após fusão com o Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona), do deputado federal e ex-candidato à Presidência Enéas Carneiro (SP). O objetivo declarado da fusão foi assegurar o cumprimento da cláusula de barreira, que exigia de cada sigla um percentual mínimo de 5% dos votos para eleger deputados.

No ano seguinte, já com 34 deputados, o então PR passou a fazer parte da base parlamentar de Lula, reeleito para um segundo mandato, e indicou Alfredo Nascimento para o Ministério dos Transportes. Mais tarde, compôs a aliança que elegeu a também petista Dilma Rousseff por dois mandatos.

Em 2019, o PR mudou novamente de identidade e voltou a se chamar PL.

O partido foi criado em 1985, logo após o fim da ditadura militar. Seus fundadores provinham sobretudo de partidos que haviam sustentado o antigo regime, como o então Partido Democrático Social (PDS, hoje PP), ou desertado no último minuto, como o Partido da Frente Liberal (PFL, hoje Democratas) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

À frente da nova sigla, destacavam-se políticos como Afif Domingos, ex-secretário de Agricultura do governo Paulo Maluf, de São Paulo, e Álvaro Valle, dissidente do PFL do Rio de Janeiro. Em 1989, o PL lançou Afif à Presidência, mas obteve apenas o sexto lugar entre 21 candidatos, com 3,2 milhões de votos (4,8% do total).

O partido apoiou as candidaturas presidenciais de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1994 e Ciro Gomes (PPS) em 1998, mas chegou ao poder em 2002 ao emplacar o então senador por Minas Gerais José Alencar como vice de Lula.

Fundador do conglomerado têxtil Coteminas, Alencar tivera uma passagem frustrada pelo PMDB nos anos 1990, tendo sido preterido por caciques tradicionais do partido em disputas pelo governo do Estado. Sua presença na chapa presidencial ao lado de Lula ajudou o candidato do PT a se tornar mais palatável a setores conservadores. Na prática, a relação de Alencar com o PL, no qual era novato, permaneceu distante.

Nos últimos 10 anos, o PL consolidou-se como um dos pilares do Centrão, bloco de partidos que domina a Câmara dos Deputados e serve de fiel da balança em votações decisivas na relação do Legislativo com o governo federal.

A sigla soma atualmente 43 deputados, atrás apenas do PSL (54 parlamentares) e do PT (53). Os votos do PL foram fundamentais para a eleição de Artur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara, e o partido emplacou a deputada federal Flávia Arruda (DF) como ministra-chefe da Secretaria de Governo.

"O movimento de Bolsonaro em direção ao PL é um casamento de conveniência. Ele precisa de estrutura partidária e tempo de TV se quiser disputar com chances a reeleição. Por outro lado, o PL e o Centrão também buscam crescimento. Será difícil governar sem o Centrão a partir de 2023", analisa Paulo Sergio Peres, professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).