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Quem é Xiomara Castro, 1ª mulher presidente de Honduras que devolve esquerda ao poder

Xiomara Castro já comemorou o resultado eleitoral no próprio domingo - Reuters
Xiomara Castro já comemorou o resultado eleitoral no próprio domingo Imagem: Reuters

01/12/2021 10h49

Ela foi primeira-dama, duas vezes candidata e agora será presidente.

Xiomara Castro, do partido de esquerda Liberdade e Refundação (Libre) e casada com o presidente destituído Manuel Zelaya, venceu as eleições em Honduras, tornando-se a primeira mulher a comandar o país.

Sua vitória encerra 12 anos de governo conservador e representa a volta da esquerda hondurenha ao poder pela primeira vez desde que Zelaya foi deposto em um golpe de Estado apoiado pela direita em 2009.

Após dois dias de incertezas devido à lentidão na contagem dos votos, Nasry Asfura, candidato do governista Partido Nacional (PN) reconheceu a derrota e parabenizou Castro.

"Nasry Asfura Zablah, candidato do PN, aceita a vontade do povo, reconhece a vitória do Libre em coalizão e meu triunfo como presidente eleita de HN (Honduras). Obrigada!" escreveu Castro em sua conta pessoal no Twitter.

"Gente, não vou decepcionar vocês! Com minhas promessas vamos voltar à ordem democrática", acrescentou.

Já na noite de domingo (28/11), quando tudo indicava que sua vantagem era ampla, Castro, de 62 anos, disse: "Vamos formar um governo de reconciliação, paz e justiça. Vamos iniciar um processo para garantir uma democracia participativa, uma democracia direta".

Xiomara Castro já havia comemorado o resultado eleitoral no mesmo domingo.

A ex-primeira-dama prometeu: "Vou convocar um diálogo com todos os setores da sociedade hondurenha para que possamos usar posições comuns e formar as bases mínimas para um próximo governo".

Castro, vestida de vermelho e preto, encerrou seu discurso de domingo com a frase "até a vitória sempre", uma das mais utilizadas pela Revolução Cubana (1953-1959) em um contexto em que seus rivais acusavam seu partido de ser comunista.

Um dos slogans de campanha de seu oponente, Nasry Asfura, era "pátria sim, comunismo não".

Castro tem se mostrado favorável em temas polêmicos como o aborto, que defende sob três condições, e também uma relação mais estreita com a China — Honduras está tradicionalmente vinculada aos Estados Unidos.

Acordos-chave

Para conseguir tirar a direita do poder, Castro fez uma coalizão ampla, envolvendo a União Nacional de Oposição de Honduras (Unoh), liderada por Salvador Nasralla, vice em sua chapa, bem como outros partidos.

Durante a campanha presidencial, Nasralla, o narrador esportivo mais famoso do país, propôs uma "refundação de Honduras", com um programa de governo que tinha por objetivo reformar várias leis do mandato anterior. Chegou, inclusive, a propor a convocação de uma Assembleia Constituinte para alterar a Constituição hondurenha.

Dirigindo-se a seus apoiadores na noite de domingo (28/11), ele disse que sua vitória significa acabar com "a corrupção, o tráfico de drogas e os esquadrões da morte". E acrescentou que não decepcionará as "mulheres" e que exigirá respeito por elas, "bem como pelo que mais desejam: filhos e infância".

Ele também propôs legalizar o aborto sob determinadas circunstâncias e estender os programas sociais.

Nasralla prometeu ainda revogar a Lei Orgânica das Zonas de Emprego e Desenvolvimento Econômico (ZEDE), aprovada em maio deste ano e que estabelece áreas do território nacional sujeitas a um "regime especial" em que os investidores são responsáveis pela política fiscal, segurança e resolução de conflitos, entre outras atribuições.

"Para gerar emprego e desenvolvimento no país, não precisamos vender nossa soberania. Vamos gerar aquela esperança que o povo exige", disse durante a campanha.

Castro assumirá as rédeas do governo em um momento difícil para o país, abalado pela pandemia do coronavírus, a migração em massa e os efeitos de vários desastres naturais.

No ano fiscal de 2021 (que vai de outubro de 2020 a setembro de 2021), Honduras foi a segunda nação com o maior número de imigrantes detidos na fronteira sul dos Estados Unidos. Foram cerca de 320 mil, alta de 670% em relação a 2020 e número inferior apenas ao do México (655.594).

Além disso, o Partido Nacional (PN), do presidente Juan Orlando Hernández, que deixa o cargo, tem estado no centro de várias denúncias de narcotráfico e corrupção, o que ele nega.

Seu irmão foi condenado neste ano à prisão perpétua nos Estados Unidos por tráfico de drogas e o próprio Hernández corre o risco de ser extraditado e julgado naquele país pelo mesmo motivo, após o fim de seu mandato.

Dupla Castro-Zelaya

Castro nasceu em 1959 em uma família de fazendeiros. Aos 16 anos, casou-se com o primo Manuel Zelaya e ambos se estabeleceram na região de Olancho, onde tiveram cinco filhos. Ela é formada em Administração de Empresas.

Seu nome começou a soar nacionalmente junto com o de seu marido, que chegou ao governo apresentando-se inicialmente como candidato de centro-direita do Partido Liberal (PLH) e depois firmou-se no campo da esquerda.

Em 2005, como parte da campanha presidencial de Zelaya, Castro fez sua primeira incursão na política, organizando o braço feminino do Partido Liberal de Honduras na região de Catacamas. Também participou de diversos comícios.

Após vários meses de crise política entre os diferentes poderes e uma tentativa fracassada de mudar a Constituição para que pudesse ser reeleito, Zelaya foi deposto em julho de 2009 por um grupo de militares apoiados pelo Congresso.

Eles invadiram sua casa na capital de Honduras, Tegucigalpa, de madrugada e o enviaram ainda de pijamas em um voo para a Costa Rica. A deportação não estava autorizada pela Justiça, responsável por emitir o mandado de prisão cumprido pelo Exército.

Na época, a ONU considerou a destituição de Zelaya um "golpe militar", apesar de ele ser acusado pela oposição de vários crimes. Vários países da América Latina, incluindo o Brasil, então governado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também defenderam sua restauração ao poder.

Zelaya voltou a Honduras às escondidas e passou quatro meses vivendo na embaixada brasileira em Tegucigalpa até embarcar para a República Dominicana com um salvo-conduto expedido pelo novo governo.

Em novembro daquele ano, novas eleições foram convocadas em Honduras e, apesar de os pedidos de Zelaya para que os hondurenhos boicotassem o pleito, a população foi às urnas em grande número e elegeu um novo presidente, Porfírio "Pepe" Lobo.

Mas Castro já havia ganhado as manchetes da imprensa internacional quando, após o golpe, fez uma passeata em Tegucigalpa para exigir a reintegração do marido no cargo.

Assim, tornou-se uma das faces mais visíveis da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), que buscava trazer Zelaya de volta ao poder.

Foi então que passou a acumular mais correligionários e também adversários.

A partir daquele momento, ela passou a ser vista como uma figura política a ser reconhecida em um país onde o poder é tradicionalmente exercido pelos homens.

Caminho rumo à presidência

Três anos depois, em julho de 2012, ela lançou sua primeira candidatura presidencial pelo Partido Livre, criado com seu marido.

Na ocasião, perdeu as eleições para o atual presidente, Juan Orlando Hernández, reeleito quando Castro voltou às urnas como companheira de chapa de Nasralla em 2017.

Inicialmente, a ex-primeira-dama decidiu apresentar sua candidatura pelo Libre nas eleições há quatro anos, mas depois decidiu aliar-se a Nasralla em eleições marcadas não apenas pelo questionamento dos resultados, mas também pela estreita margem que deu a vitória a Hernández.

A reeleição não é permitida pela Constituição de Honduras, mas o Tribunal Constitucional autorizou Hernández a concorrer a um segundo mandato.

Desde então, Castro se tornou uma das maiores críticas do atual governo, que descreve como "ditadura" e acusa de ser "corrupto". Hernández é acusado de tráfico de drogas nos Estados Unidos.

No início deste ano, Castro voltou a lançar a sua candidatura após anunciar suas aspirações presidenciais no final de 2020.

Ao contrário de outros candidatos, ela nunca foi associada a casos de corrupção, embora seu marido tenha sido acusado disso durante seu governo, o que ele sempre negou.

Agora no poder, seus desafios transcendem os problemas políticos e econômicos, e os desastres climáticos dos últimos anos.

Honduras é uma das nações mais pobres e violentas das Américas, com um alto índice de criminalidade e pobreza que atinge quase 70% de seus 9,5 milhões de habitantes.

Castro assumirá o poder em 27 de janeiro como a primeira mulher a governar o país. Ela o fará sob a sombra do governo de seu marido, deposto em 2009.