O psicólogo Steven Pinker, da Universidade Harvard e autor de best-sellers, explica como escapar de armadilhas comuns da irracionalidade.
Muitas pessoas usam o Ano Novo para virar a página - ou seja, mudar o comportamento agindo de forma mais racional e em favor dos próprios interesses. Mas isso é mais difícil do que parece.
Aqui estão três exemplos da minha série - Think with Pinker, da BBC 4 - sobre armadilhas comuns da irracionalidade e como evitá-las.
1. Você amanhã
Quando as pessoas comparam o que elas "pensam" com o que "sentem", muitas vezes elas querem falar sobre a diferença entre uma recompensa imediata ou a longo prazo. Por exemplo - um banquete agora ou estar em forma amanhã?; uma comprinha sem muita necessidade neste momento ou dinheiro suficiente para o aluguel no fim do mês?; seguir a paixão sem limites ou encarar possíveis consequências depois?
Esse contraste entre tempos presentes e tempos futuros pode parecer uma luta interna, como se um lado da pessoa quisesse ver séries de streaming hoje e uma outra parte lembrasse da obrigação de ir bem na prova de amanhã.
Em um episódio de Os Simpsons, Marge alerta seu marido sobre seu comportamento e ele responde: "Isso é um problema para o Homer de amanhã. Cara, coitado dele". Isso levanta uma questão: devemos sacrificar o agora em benefício do nosso futuro?
A resposta é: não necessariamente. Afinal, talvez a gente morra e nosso sacrifício terá sido em vão. Como diz um adesivo de carro: "A vida é curta. Como sobremesa primeiro".
Talvez a compensação prometida nunca venha - por exemplo, quando um fundo de pensão quebra. No final das contas, você é jovem apenas uma vez. Não faz sentido guardar dinheiro por décadas para comprar um equipamento de som caríssimo quando seu ouvido não conseguirá mais perceber a diferença.
Então, o nosso problema não é viver apenas no futuro, mas viver demasiadamente no presente. A gente come, bebe e vai para a farra como se fosse morrer em poucos anos. É uma miopia que interfere em como enxergamos o futuro. Nós sabemos que em algum ponto teremos que nos preparar para a época de vacas magras, mas não conseguimos resistir a um gasto aqui e outro acolá.
A disputa entre o "eu" que prefere uma pequena recompensa agora e o "eu" que prefere uma melhor mais para frente está entranhada na condição humana. A arte e os mitos já trataram diversas vezes desse tema ao longo da história. Há a história bíblica de Eva, que come a maçã apesar dos avisos de Deus sobre a pena de expulsão do Paraíso. Há a fábula da cigarra que prefere curtir o verão, enquanto a formiga trabalha para estocar provisões para o inverno.
Mas a mitologia também já apresentou exemplos de autocontrole. Ulisses se amarrou ao mastro de sua embarcação para não se encantar pelo canto das sereias - e evitar o choque contra as pedras. O nosso "eu" presente pode superar o nosso "eu" futuro restringindo as opções.
Quando estamos saciados, temos a opção de jogar fora o resto da caixa de chocolate para não cair na tentação de comer além da conta. Muitos autorizam que o empregador separe uma parte do salário automaticamente para a aposentadoria.
É uma maneira de usar a racionalidade para vencer a tentação - sem confiar demais na força de vontade, que pode fraquejar no momento da decisão.
2. Aquela nuvem parece um animal
Hamlet não foi o único a olhar para o céu e encontrar figuras nas nuvens - é um passatempo da nossa espécie. Nós procuramos padrões no caleidoscópio da nossa experiência porque eles parecem sinais de causas ou agentes escondidos. Mas isso nos deixa vulneráveis a alucinações sobre correlações falsas em meio a um ruído sem sentido.
Quando eventos ocorrem aleatoriamente, nossas mentes tendem a agrupá-los - a não ser que haja um evento não-aleatório que os deixe em escaninhos separados. Nós temos a tendência de achar que coisas ruins acontecem em sequência de três ou que algumas pessoas nascem com alguma maldição ou que Deus está testando a nossa fé.
O perigo está justamente na ideia de aleatoriedade - que, na verdade, são duas ideias.
A aleatoriedade pode se referir a um processo desordenado, que cospe informação sem lógica ou ritmo definido - como jogar uma moeda para cima. Mas pode se referir a informação, quando não há uma boa e simples explicação.
Por exemplo: uma sequência "cara, coroa, coroa, cara, coroa, cara" parece aleatória. Mas "cara, cara, cara, coroa, coroa, coroa" não, porque pode ser resumida como "três caras e três coroas seguidas".
As pessoas julgam que a segunda sequência é menos provável, embora toda sequência com uma moeda é igualmente possível. Existem apostas de que uma moeda vai dar necessariamente cara após uma sequência de coroas - como se a moeda adquirisse uma memória ou tivesse o desejo de ser justa. É a famosa falácia do apostador.
O que nós não conseguimos enxergar é que um processo aleatório pode gerar dados não-aleatórios. Na verdade, isso vai de fato acontecer com o passar do tempo. Nós ficamos impressionados pelas coincidências porque nos esquecemos quantas chances existem de coincidências acontecerem.
Por exemplo, você está numa festa com uns 25 convidados. Qual é a chance de duas dessas pessoas terem nascido no mesmo dia? A resposta: mais que 50%. Numa festa com 60 convidados? 99%!
A alta probabilidade surpreende porque pensamos que é extremamente improvável encontrar um convidado que faz aniversário no mesmo dia que a gente. O que esquecemos é quantos aniversários existem por ano - 365 ou 366, a depender do ano - e quantas oportunidades existem para coincidências.
A vida é cheia dessas oportunidades. Talvez a placa do carro à frente tenha uma sequência de números igual à do meu celular. Talvez um sonho ou um mau pressentimento se realize - afinal, bilhões deles circulam nas cabeças das pessoas todos os dias.
O perigo de atribuir significados a coincidências se concretiza quando nós ligamos algum sinal a um fato - como o vidente que propagandeia que fez uma previsão correta e quer que todos esqueçam as predições furadas que já fez. É a chamada "falácia do atirador do Texas" - que se refere ao homem que atirou em qualquer lugar uma parede qualquer e depois pintou um alvo em torno do buraco como "prova" do acerto.
Descobrir padrões é sedutor especialmente quando a totalidade parece nos indicar um sinal - quando nós, como Hamlet, dizemos que aquela nuvem é uma doninha, um camelo ou uma baleia.
Interpretar demais a aleatoriedade começa a ficar perigoso quando monitoramos o andamento aleatório dos mercados financeiros e achamos que é a hora de fazer um movimento. Resistir a uma tentação pode representar uma oportunidade para um investidor que reflete mais a respeito de decisões.
Também fornece uma oportunidade na vida de alguém - de evitar pensar que qualquer coisa acontece por um motivo e evitar guiar suas decisões pessoais por razões que não existem.
3. Estar certo ou entender corretamente
Sempre que entramos numa discussão intelectual, nosso objetivo deve ser em torno da verdade. Mas humanos são primatas - e frequentemente o objetivo é ganhar uma discussão.
Isso pode ser feito de forma não-verbal - o jeito de arquear a sobrancelha, o olhar duro, a voz forte, o tom agressivo, as constantes interrupções e outras demonstrações de domínio.
Estratégias de domínio podem ser empregadas em um argumento ao usar uma série de truques sujos. Esses podem incluir:
- Argumentando "ad hominem" - atacando a pessoa em vez de contradizer o argumento que ela usou
- Com a "falácia do espantalho" - distorcendo o que a outra pessoa falou e criticando o que foi distorcido, não o real argumento dela
- Pela culpa por associação - chamar a atenção que pessoas de reputação duvidosa que já manifestaram apoio à ideia em questão no debate
Combate intelectual pode ser um esporte divertido para o espectador. Leitores de revistas literárias se deliciam com réplicas tréplicas entre gladiadores intelectuais.
Um gênero popular no YouTube é o do herói que "destrói" ou "acaba" com as ideias de uma outra pessoa.
Mas se o objetivo do debate é melhorar o nosso entendimento - mais do que ganhar uma discussão - temos que achar modos de controlar esses péssimos hábitos.
Todos nós podemos promover a razão ao modificar as normais habituais de um debate de forma que as pessoas possam tratar suas crenças mais como hipóteses a serem testadas do que slogans que precisam ser defendidos.
Steven Pinker é professor de psicologia na Universidade Harvard, apresentador da série da BBC 4 Think with Pinker e autor do livro Rationality: What It Is, Why It Seems So Scarce, Why It Matters
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