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Como funciona o rigoroso sistema de pontos para imigrar para o Canadá

Andrea Díaz Cardona - BBC News Mundo

25/06/2022 13h33

Em 2021, brasileiros ocuparam sétima posição entre estrangeiros que mais receberam residência permanente deste país da América do Norte, respondendo por 2,9% do total de 405 mil.

Atualmente, cerca de 1 milhão de latino-americanos vivem no Canadá.

Segundo dados do governo canadense, entre 2007 e abril de 2021, cerca de 92 mil latino-americanos foram admitidos como residentes permanentes no país, a maioria deles do Brasil, Colômbia, México e Venezuela.

Geralmente são profissionais que costumam se inscrever em um programa destinado a atrair trabalhadores qualificados.

No processo, eles devem passar por uma avaliação rigorosa, por meio de um sistema de pontos, para receber a residência permanente no Canadá.

E esse status legal lhes garante acesso gratuito à saúde, educação subsidiada, mercado de trabalho, além de permitir que, depois de um tempo, obtenham a cidadania canadense.

No ano passado, o Canadá acolheu 405 mil residentes permanentes, um recorde histórico. Os brasileiros ocuparam a sétima posição no ranking de imigrantes, respondendo por 2,9% do total ? depois de Índia, China, Filipinas, Nigéria, França e Estados Unidos.

Mas como funciona esse programa de pontos? Quão eficaz é? E como é a vida de quem escolhe viver no Canadá?

A BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, conversou com dois especialistas e várias pessoas sobre a experiência de viver neste país da América do Norte.

Sistema de pontos

"Meus pais sempre quiseram morar fora da Colômbia, pensaram em vários países, mas finalmente decidiram pelo Canadá porque viram nos jornais um anúncio de que o país estava procurando imigrantes", diz María (nome fictício).

Anúncios como o que María menciona são frequentes porque o Canadá, há décadas, enfrenta um importante desafio demográfico: o número de aposentados está aumentando a um ritmo mais veloz do que o de trabalhadores em idade ativa, muito devido à baixa taxa de nascimentos no país.

"Estima-se que nos próximos cinco anos, 20% da população canadense vai se aposentar. Falta mão de obra e força de trabalho para manter a economia", explica Vilma Filici, professora do Seneca College em Toronto e especialista em migração e refúgio, à BBC News Mundo.

É por isso que a migração regular permite que famílias como a de María se instalem no Canadá.

"Meus pais são engenheiros, naquela época (2008) eles estavam na casa dos 40 anos e a idade lhes dava pontos, assim como ter mestrado e filhos."

María se refere ao sistema de pontos que avalia potenciais migrantes e está em vigor no Canadá desde a década de 1960.

"Digamos que a ideia por trás da origem do sistema de pontos foi atrair os melhores dos melhores, gerar conhecimento, impulsionar a economia local e apoiar a demografia", explica Alejandro Hernández, sociólogo e professor da Universidade Concórdia, em Montreal.

Desde então, dependendo de vários fatores, são atribuídos pontos por idade, profissão, educação, experiência profissional, composição familiar e nível de idioma.

Como é o processo?

"Lembro que meus pais tiveram que preencher muitos formulários, pegar muitos documentos, também levantar uma certa quantia de dinheiro. Isso não demorou muito, e eles conseguiram enviar o pedido, mas a resposta só chegou cerca de sete anos depois. Eles se candidataram quando eu tinha 13 anos e nos mudamos quando eu já tinha 20 anos", conta María.

Não é fácil encontrar um padrão nas experiências dos imigrantes porque cada caso depende de circunstâncias particulares.

Assim como María e sua família esperaram anos para que a residência permanente se mudasse para Toronto, Arturo (nome fictício), um cubano que imigrou para a província de Quebec, teve que esperar apenas 11 meses.

É que o programa e o sistema de seleção vem mudando ao longo do tempo, sua evolução depende, em parte, do governo no poder e das prioridades estabelecidas por cada província.

Hoje, para entrar no Canadá como residentes permanentes no programa de trabalhadores qualificados, os candidatos devem passar por duas avaliações de pontuação.

"Uma para entrar como trabalhador qualificado no qual são dados pontos por idade, experiência profissional, estudos, conhecimento de inglês e francês, se tiver família no Canadá, se tiver trabalhado ou estudado no Canadá e se tiver oferta de emprego", explica Filici.

Mas, mesmo que os candidatos tenham a pontuação necessária para o programa, eles não podem iniciar o processo oficialmente a menos que recebam um convite do Ministério das Migrações.

Esse convite é conhecido como express entry ("entrada expressa", em tradução livre), um sistema ou metodologia de processamento de solicitações que também estabelece quantos pontos são atribuídos a cada variável e qual pontuação total mínima é necessária para passar nessa seleção.

Mas o mais complexo é que a cada duas semanas o Ministério das Migrações atualiza esses critérios dependendo do contexto político e econômico. Portanto, o resultado de quem se candidata depende de por qual medida será avaliado no momento em que se candidatar.

"Na realidade, o express entry é como uma válvula, quando mais imigrantes são necessários, menor é a pontuação. Em contrapartida, a pontuação sobe quando o número de imigrantes previstos para o ano é atingido. Trata-se de uma loteria", diz Filici.

Um exemplo claro disso ocorreu no contexto da pandemia. Havia demanda de trabalhadores e para cumprir a cota de migração, a pontuação normalmente exigida caiu de 465 pontos para 75.

"Nesse sorteio quase 28 mil pessoas se qualificaram, quando normalmente esse número varia entre 2.500 e 3.000", acrescenta a especialista.

Expectativas x realidade

"Ninguém disse que seria um mundo cor-de-rosa, sabíamos que estávamos começando do zero", diz Luisa Ríos, que emigrou para Montreal em 2012.

Atuando no setor de finanças, ela emigrou para o Canadá com seu então marido, que é engenheiro mecânico, e a filha, de quatro anos.

"Vim com a ideia de continuar trabalhando na minha área, mas me exigiram não só o francês, mas também o inglês, e isso foi uma pedra no meu sapato."

Embora existam pessoas que, ao chegar ao Canadá, encontraram um emprego semelhante ao que sonhavam logo no primeiro ano, outras tiveram que estudar novamente para fortalecer ou mudar seu perfil profissional e, assim, responder à oferta de emprego.

Foi o caso de María. Ela veio para o Canadá com um diploma de design gráfico, mas teve que fazer outra graduação e agora está começando um mestrado. María conta ter tomado essa decisão após só conseguir contratos curtos de trabalho por vários anos, o que não lhe permitia ter estabilidade.

A outra questão é que muitos migrantes têm que fazer trabalhos não qualificados para se sustentarem, pelo menos por um tempo, enquanto buscam empregos melhores.

"Consegui um emprego com muita facilidade, mas sempre fazendo faxina. Foi como um doutorado em humildade, é incrível o que você vive, mas são experiências que te moldam", diz Luisa.

Ela já teve três empregos ao mesmo tempo: como caixa de supermercado, como balconista em uma loja de departamentos e como substituta de secretária em uma escola.

E essa é, talvez, a principal crítica ao programa. Migrantes latino-americanos investem tempo e recursos para se candidatar, mas quando chegam ao Canadá não é tão fácil para eles encontrarem empregos em sua profissão, porque seus diplomas e experiência acabam sendo descartados diante de quem tem credenciais locais ou de países desenvolvidos.

"Trazemos pessoas superqualificadas para desperdiçá-las. É muito triste", diz Filici.

E a situação é ainda mais complexa para quem exerce profissões como engenharia, arquitetura, medicina, que são regulamentadas por associações profissionais. Isso significa que para poder trabalhar, eles devem pertencer à ordem, mas esse processo não é fácil porque envolve a homologação do título, o que pode levar até cinco anos.

"Por um lado, o sistema, em tese, favorece o conhecimento e o recompensa oferecendo residência permanente, mas, ao mesmo tempo, uma vez cruzada essa barreira, pune quem tem essas profissões porque não reconhece nem a experiência internacional ou educação que essas pessoas obtiveram no exterior. Isso as obriga a entrar em um sistema próprio de classificação e discriminação", explica Hernández.

Adaptação difícil

"Achei que levaria seis meses para nos adaptar; meu marido pensou que seria um ano e meio, mas a realidade é que demora cerca de cinco anos", diz Dolly Valbuena, que mora no Canadá há 10 anos.

Valbuena não está exagerando. Estudos realizados pelo próprio governo canadense estimam que, para um migrante alcançar a plena integração em sua nova sociedade, são necessários, em média, cinco anos.

Nesse sentido, as autoridades oferecem programas de orientação e subsídios para apoiar os recém-chegados ao assentamento, caso necessitem.

"O sistema de imigração canadense é muito robusto e refinado. O imigrante tem acesso a inúmeros recursos na chegada e o sistema de orientação é muito eficiente", diz Arturo Lima.

"Em Cuba, era músico e no Canadá esse era meu hobby porque as chances de ganhar dinheiro fazendo música lá eram pequenas. Sabia disso desde o início, então trabalhei no setor bancário e de tecnologia", acrescenta.

Embora tenha conseguido obter a cidadania canadense depois de vários anos, Arturo decidiu se estabelecer nos EUA para ficar mais perto de parte de sua família.

Luisa também conseguiu se firmar em seu campo depois de alguns anos. Um dia, ela encontrou uma amiga que lhe contou que o banco onde trabalhava estava buscando funcionários. Luisa saiu-se bem nas entrevistas e foi contratada como caixa.

"Estou aqui há quatro anos, tive duas promoções e espero que a próxima seja pelo cargo que tive na Colômbia. Estou feliz, gosto muito do meu trabalho e da minha vida aqui".

Mas... e se a pontuação não for suficiente?

"A maioria das pessoas que está fora do Canadá não atinge a pontuação necessária para ser convidada a se candidatar porque não tem pós-graduação ou não tem fluência em outros idiomas", diz Filici.

É que, segundo ela, o candidato ideal é uma pessoa que tenha até 29 anos (pelas regras atuais, depois dos 29 anos, perde-se cinco pontos por ano e, depois dos 40, 11 pontos por ano), que tenha pelo menos seis anos de experiência de trabalho em empregos qualificados, ter mestrado e ser fluente em inglês e/ou francês.

Por isso, cada vez mais latino-americanos chegam ao Canadá com status de estudante internacional.

Esse é o caso de Adriana Pérez.

"Vim do México com meu marido, somos ambos administradores de empresas com vasta experiência de trabalho".

O casal decidiu viajar com visto de estudante para melhorar seu nível de inglês e ganhar experiência de trabalho canadense, o que, posteriormente, os ajudou a ganhar pontos para seu perfil.

Eles puderam fazer isso por dois motivos: primeiro, quando alguém chega como estudante internacional no Canadá, seu parceiro legal recebe uma permissão de trabalho e, segundo, porque quando alguém estuda no Canadá e se forma, recebe uma permissão de trabalho após a formatura pela mesma duração de seus estudos.

"Meu marido teve que estudar por mais um ano em escola pública. Depois, ele recebeu uma permissão de trabalho após a formatura e eu tive uma permissão de trabalho por dois anos. Com isso, conseguimos ter experiência de trabalho no Canadá e, assim, acumular os pontos necessários. Conseguimos residência permanente depois de cinco anos".

"Parece fácil, mas não é."

Para quem consegue fazer todo o trâmite de seu país de origem, a grande diferença é que tem que viver viver com status temporário e depende de que o processo avance a seu favor para permanecer no Canadá.

Isso sem falar que a pós-graduação é três vezes mais cara para os estrangeiros do que para os residentes e cidadãos. Além disso, é preciso pagar por um seguro de saúde privado.

Para Filici, "desde 2015, quando o mecanismo de express entry foi implantado, o sistema tornou-se super classista. É difícil se qualificar porque o nível do idioma tem que ser avançado, os imigrantes precisam de ensino superior, têm que ter dinheiro, há muitos fatores que excluem muitas pessoas."

O governo canadense já disse que o imigrante ideal para o Canadá é um estudante internacional.

"A razão para isso é que esse tipo de imigrante mantém a economia das áreas onde estão as universidades e institutos; também porque quando estuda no país é mais fácil para ele encontrar um emprego e quando consegue residência permanente já está estabelecido, então o Estado não tem que oferecer-lhe subsídios ou qualquer outro tipo de ajuda", acrescenta.

O Canadá anunciou que em julho deste ano reabrirá as inscrições para trabalhadores qualificados e, certamente, milhares de latinos-americanos vão continuar se candidatando.

"Nos últimos anos temos visto um aumento de profissionais da Venezuela, México e Colômbia. Acho que isso se deve à necessidade de sair do país, por causa dos problemas por lá e eles estão procurando uma forma de imigrar para o Canadá", conclui Filici.

'Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61939165'

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