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Jungmann: 'Militares não embarcarão em nenhuma aventura golpista'

Ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann afirma que militares foram demitidos por não aceitar inconstitucionalidades - DIVULGAÇÃO/INSPER
Ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann afirma que militares foram demitidos por não aceitar inconstitucionalidades Imagem: DIVULGAÇÃO/INSPER

Giulia Granchi - Da BBC News Brasil em São Paulo

19/08/2022 14h08

Ex-ministro da Defesa avalia que as Forças Armadas são garantia da democracia e afirma que militares foram demitidos por não aceitar inconstitucionalidades.

"Um golpe militar está fora do radar das Forças Armadas", diz Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa e também da Segurança Pública do Brasil, que atuou por cerca de dois anos no governo de Michel Temer (MDB).

Ele assegura que não haverá participação em qualquer tentativa de ruptura, tampouco em "qualquer ato que vise rasgar a Constituição Federal e a democracia".

"Os militares são uma das garantias democráticas. E eles não vão embarcar em nenhuma aventura golpista", acrescentou.

"Não vai haver golpe. E digo pelo que conheço, pelo que converso [com militares] e pela minha passagem lá dentro", afirmou à BBC News Brasil após apresentar suas análises em um debate sobre segurança pública no Centro de Gestão de Políticas Públicas do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa).

O ex-ministro defende que as Forças Armadas estão do lado da democracia. "E vou além: se você olhar as demissões do Ministro da Defesa, dos Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, por que saíram? Não eram ineficientes ou insubordinados. Foram demitidos por não alimentarem qualquer saída que não fosse constitucional."

Oficialmente, os três comandantes citados por Jungmann - Edson Pujol, do Exército, Ilques Barbosa, da Marinha, e Antônio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica - apresentaram renúncia coletiva por discordar do presidente da República, Jair Bolsonaro.

O anúncio e a justificativa foram dados pelo Ministério da Defesa no dia 30 de março de 2021, sem muitos detalhes sobre as discordâncias.

Na avaliação de Jungmann, que mantém bom trânsito entre os oficiais, há uma confusão no reconhecimento de quem são, de fato, os integrantes das Forças Armadas da ativa.

Entre os três regimes militares existentes há o ativo, trabalhando atualmente, a reserva, composta por profissionais que podem ser chamados de volta caso o país entre em estado de calamidade e os reformados, nos quais ficam pessoas acima de, em média, 70 anos (pode haver diferenças de idade a depender do cargo).

"Quem fala sobre as forças militares armadas são os militares da ativa. Generais da reserva e militares em cargos civis não falam pelas Forças Armadas. Então quando a gente ouve um ministro que é general da reserva, como temos vários, como o [Augusto] Heleno, o Braga [Netto]... Isso às vezes é tomado como se fosse a opinião dos militares, mas não. Eles falam como governo."

O governo Bolsonaro conta hoje com 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis, de acordo com levantamento do TCU (Tribunal de Contas da União). O número é mais que o dobro do que havia em 2018, no governo de Michel Temer, período no qual a presença de militares em cargos políticos aumentou em larga escala.

'Militares não deveriam atuar em qualquer cargo civil'

"É verdade que o número de militares cresceu muito, mas é o Congresso Nacional que deveria fazer algo relação a isso. Se o Executivo, digamos, o presidente da República, que é o comandante supremo chama os militares, não existe nenhuma trava e ele precisa aceitar."

Na opinião de Jungmann, a atuação de militares da ativa na política deveria ser regulamentada pelo Congresso Nacional e se resumir às áreas de segurança do presidente e do vice-presidente da República, área nuclear e atômica, área de segurança espacial e na segurança cibernética.

"Os militares não têm formação para assumir outras áreas e tampouco precisamos dos serviços. Deslocar militares da defesa, que é a função deles, defender o país, para esses cargos."

Como exemplo, ele usa o caso do ex-ministro Eduardo Pazuello, que atuou na Saúde.

"Pegou-se um general três estrelas e colocou em um ministério onde o Brasil tem profissionais da melhor qualificação e de reconhecimento internacional. Na área de endemias, vacinas, o Brasil era exemplo. Não precisamos deslocar militares nos quais tanto investimos na formação para áreas nas quais civis têm grandes formações."

No caso específico de seu antigo cargo, ministro da Defesa, Jungmann não vê a liderança militar como um problema.

"Eu já achei que era, e hoje não vejo mais dessa forma. Há nações profundamente democráticas, como os Estados Unidos, que já tiveram Secretários de Defesas militares. Quem faz a supervisão do controle das políticas da Defesa e das Forças Armadas é o Congresso Nacional - o problema é que a função não é cumprida, o Congresso brasileiro não assume suas responsabilidades.

Jungmann opina que, na prática, há pouca diferença se é um militar ou um civil quem ocupa a cadeira, já que "há uma alienação do Congresso Nacional, que é a soberania popular, que representa a todos nós, em relação a esse tema".

Ele cita um caso que acredita ser um bom exemplo.

"Quando Nelson Jobim era ministro da Defesa e eu era deputado federal, criamos a Frente Parlamentar da Defesa Nacional e eu fui relator da Lei Complementar 136 - a qual definia que o Executivo montaria a política e a estratégia nacional de defesa, e claro, das Forças Armadas."

"E mais: entregamos o 'Livro Branco da Defesa Nacional', que é um mostruário de tudo o que são, onde estão e o que fazem as Forças Armadas, feito de quatro em quatro anos, no meio do mandato. Pela primeira vez na nossa história política ele passaria pelo Congresso Nacional, o que é o correto. Mas o Congresso Nacional nunca deu bola para isso."

Em 2016, quando já era ministro da Defesa, Jungmann conta que já haviam se passado quatro anos e era a hora de atualizar o livro. Uma nova versão foi enviada ao Congresso.

"Em vez de chamar os militares para debater, conversar sobre os cenários, orçamentos... O Congresso ignorou o documento por dois anos. No dia 17 de dezembro de 2018, passou pelo Senado, que enviou ao presidente Temer, que disse que o governo dele havia acabado. Depois, quando Bolsonaro foi eleito, ele disse: 'isso é do governo anterior.' E não, não é. É um documento do Estado. Passados 8 anos, não tínhamos nenhuma atualização aprovada."

'7 de setembro não pode ser uma data politizada'

Nos últimos anos, a data de 7 de setembro, na qual se comemora a independência do Brasil, foi atrelada socialmente às manifestações de apoio ao governo de Bolsonaro.

O presidente havia informado que a parada prevista para acontecer no centro Rio de Janeiro seria transferida para Copacabana, onde manifestações de apoio a ele eram esperadas. Mas, faltando cerca de 20 dias para o desfile, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), informou no Twitter que a parada foi cancelada na cidade.

Embora a presença do presidente da República seja de praxe nos desfiles, Jungmann afirma que "não tem nenhum cabimento tentar politizar a data".

"Entendo que houve um recuo justamente porque não pode haver motivação política em uma coisa que pertence a todos os brasileiros e brasileiras. Se trata da nossa independência, da nossa soberania."

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62600301


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