Nas barbas da lei
da BBC, em Londres
Outro dia mesmo, neste espaço que me cabe, e onde tento com desespero lamentável caber, nem sempre com sucesso, andei falando das leis ou projetos de lei bizarros que andaram rondando e ainda rondam nosso legislativo.
Além da criação de diversos dias extraordinários – Dia da Verdade, Dia do Macarrão, Dia do Sono –, acabei me esquecendo de um projeto dos mais sérios: o do deputado do PL, Maurício Rabelo (TO) (Como”tô”? Tá onde, Maurício?), apresentou proposta para que a leitura da Bíblia passasse a vigorar, como reza, ora e prega sua oração, em “disciplina dos horários normais de todas as séries do ensino fundamental”.
O nobre deputado acrescentou, de viva voz e por escrito, que “a Bíblia ocupa um lugar insuperável na literatura mundial (…) Ocorre, no entanto, que a Bíblia é de difícil leitura e compreensão”. Por isso, frisou com sagacidade Rabelo, quer ajudar o estudante brasileiro a adquirir essas habilidades, mediante seu projeto de lei, que foi – ó Deus! – arquivado. Por gente que, se leu o Livro Sagrado, com certeza não entendeu nada.
Muitos pensarão que estou debochando. É questão entre mim apenas e esses muitos. Recuso-me a discutir com multidão. Principalmente multidão de leitores. Leitor lê e discute com a mulher ou o cachorro o que achou. Escritor escreve, pega na caixa seu rico dinheirinho e vai beber e rir da burrice dos leitores com os amigos, escritores todos.
Debochemos do Reino Unido
Sim, vamos fazer troça do Reino Unido, onde me encontro há 29 anos e, portanto, tenho mais intimidade com o país do que muita gente boa aqui nascida e no auge e esplendor de sua juventude.
Gente com seus 24 anos, a idade ideal para se tornar, juram todas as estatísticas, bom consumidor ou soldado ocupador no Iraque. Não é só cidadão britânico que pode mexer com o país. Estrangeiro, depois de um certo tempo, mesmo sendo negro ou asiático, e tomando algumas precauções sensatas, também pode ir lá e dar suas botinadas. Dou lá a minha da semana.
Sabiam vocês que aqui predomina o direito consuetudinário. Rá! Rá! Rá!, como ririam os fradinhos do querido Henfil. Como se consuetudinário fosse algo além de família de Alagoas ou Sergipe.
Vocês todos estão armados de computador e seja lá o que for que tiver de acontecer. Dêem uma varejada lá (não uso mais o verbo googlar; o merchandising de nada me valeu) e vejam o que quer dizer direito consuetudinário.
Encontrarão num bom sítio (digam “sítio” e não “site”. Basta de anglicismos!) a definição: trata-se do direito que surge dos costumes de uma certa sociedade, não passa por um processo de criação de leis como no Brasil (viram, senhores deputados?), onde o legislativo e o executivo criam leis, emendas constitucionais, medidas provisórias (arram, hein, senhor presidente Da Silva?) e quejandos.
Aliás, quejandos aqui são 8 anos de cadeia garantidos. No direito consuetudinário, as leis não precisam necessariamente estar num papel ou serem sancionadas ou promulgadas. Os costumes transformam-se nas leis.
Portanto…
Portanto aqui tem lei consuetudinária das mais bizarras dando sopa. Não dão cana, mas criam caso e manchete em tablóide sem assunto.
Semana passada, um cidadão pegou um cisne, assou e comeu. Não pode. Ilegal comer cisne. O caso poderia ter ido a juízo. Deu apenas em enche-linguiça em telejornal e admoestação policial.
Mais grave: sabiam que Diana, a Princesa de Gales, por admitir, em entrevista e livro, ter cometido adultério, pegaria há uns 3 ou 4 séculos, fogueira por crime de bruxaria.
Isso aí. E mais, muito mais. Dou apenas um tira-gosto. Desde 1313, deputado não pode andar de armadura no Parlamento. Todo táxi é obrigado a carregar um fardo de palha e um saquinho de aveia. Uma pessoa que quebrar o ovo quente do lado mais pontudo passa 24 horas vendo o sol nascendo quadrado na prisão mais próxima.
É ilegal botar a cama na janela (pobres casais excessiva e “expertamente” amorosos de antanho…). E menino com menos de 10 anos fica expressamente proibido de ver manequim de mulher pelada.
Eu poderia ficar o dia inteiro aqui enumerando essas tolices. Tolices consuetudinárias, friso. Não frisasse, viria um cara e me diria, com o equivalente em sotaque cockney, “Teje preso!).
Além da criação de diversos dias extraordinários – Dia da Verdade, Dia do Macarrão, Dia do Sono –, acabei me esquecendo de um projeto dos mais sérios: o do deputado do PL, Maurício Rabelo (TO) (Como”tô”? Tá onde, Maurício?), apresentou proposta para que a leitura da Bíblia passasse a vigorar, como reza, ora e prega sua oração, em “disciplina dos horários normais de todas as séries do ensino fundamental”.
O nobre deputado acrescentou, de viva voz e por escrito, que “a Bíblia ocupa um lugar insuperável na literatura mundial (…) Ocorre, no entanto, que a Bíblia é de difícil leitura e compreensão”. Por isso, frisou com sagacidade Rabelo, quer ajudar o estudante brasileiro a adquirir essas habilidades, mediante seu projeto de lei, que foi – ó Deus! – arquivado. Por gente que, se leu o Livro Sagrado, com certeza não entendeu nada.
Muitos pensarão que estou debochando. É questão entre mim apenas e esses muitos. Recuso-me a discutir com multidão. Principalmente multidão de leitores. Leitor lê e discute com a mulher ou o cachorro o que achou. Escritor escreve, pega na caixa seu rico dinheirinho e vai beber e rir da burrice dos leitores com os amigos, escritores todos.
Debochemos do Reino Unido
Sim, vamos fazer troça do Reino Unido, onde me encontro há 29 anos e, portanto, tenho mais intimidade com o país do que muita gente boa aqui nascida e no auge e esplendor de sua juventude.
Gente com seus 24 anos, a idade ideal para se tornar, juram todas as estatísticas, bom consumidor ou soldado ocupador no Iraque. Não é só cidadão britânico que pode mexer com o país. Estrangeiro, depois de um certo tempo, mesmo sendo negro ou asiático, e tomando algumas precauções sensatas, também pode ir lá e dar suas botinadas. Dou lá a minha da semana.
Sabiam vocês que aqui predomina o direito consuetudinário. Rá! Rá! Rá!, como ririam os fradinhos do querido Henfil. Como se consuetudinário fosse algo além de família de Alagoas ou Sergipe.
Vocês todos estão armados de computador e seja lá o que for que tiver de acontecer. Dêem uma varejada lá (não uso mais o verbo googlar; o merchandising de nada me valeu) e vejam o que quer dizer direito consuetudinário.
Encontrarão num bom sítio (digam “sítio” e não “site”. Basta de anglicismos!) a definição: trata-se do direito que surge dos costumes de uma certa sociedade, não passa por um processo de criação de leis como no Brasil (viram, senhores deputados?), onde o legislativo e o executivo criam leis, emendas constitucionais, medidas provisórias (arram, hein, senhor presidente Da Silva?) e quejandos.
Aliás, quejandos aqui são 8 anos de cadeia garantidos. No direito consuetudinário, as leis não precisam necessariamente estar num papel ou serem sancionadas ou promulgadas. Os costumes transformam-se nas leis.
Portanto…
Portanto aqui tem lei consuetudinária das mais bizarras dando sopa. Não dão cana, mas criam caso e manchete em tablóide sem assunto.
Semana passada, um cidadão pegou um cisne, assou e comeu. Não pode. Ilegal comer cisne. O caso poderia ter ido a juízo. Deu apenas em enche-linguiça em telejornal e admoestação policial.
Mais grave: sabiam que Diana, a Princesa de Gales, por admitir, em entrevista e livro, ter cometido adultério, pegaria há uns 3 ou 4 séculos, fogueira por crime de bruxaria.
Isso aí. E mais, muito mais. Dou apenas um tira-gosto. Desde 1313, deputado não pode andar de armadura no Parlamento. Todo táxi é obrigado a carregar um fardo de palha e um saquinho de aveia. Uma pessoa que quebrar o ovo quente do lado mais pontudo passa 24 horas vendo o sol nascendo quadrado na prisão mais próxima.
É ilegal botar a cama na janela (pobres casais excessiva e “expertamente” amorosos de antanho…). E menino com menos de 10 anos fica expressamente proibido de ver manequim de mulher pelada.
Eu poderia ficar o dia inteiro aqui enumerando essas tolices. Tolices consuetudinárias, friso. Não frisasse, viria um cara e me diria, com o equivalente em sotaque cockney, “Teje preso!).