Não tem mais conserto

da BBC, em Londres

Num Rio antigo, na rua da Passagem, ligando os bairros de Botafogo e Flamengo, entre botequins, armarinhos, lojas de móveis e ferragens, havia uma lojinha em que nunca pus os pés, mas admirava e chegava mesmo, de longe, a prezar.

É, é verdade o que dizem. Há pressentimentos e cabe aos muito jovens ter uma visão do futuro. A loja em questão, que durante anos passei por ela duas vezes por dia de semana, vendo-a do bonde e tentando adentrar seus mistérios, não era uma loja de brinquedos, conforme seria de se esperar.

Loja? A rigor, não era mais que uma entradinha e o resto escuridão. Óbvio que era mínima. O nome do estabelecimento comercial era “Hospital de Bonecas”.

Umas duas ou três daquelas antigonas, lindas de morrer, chamavam a atenção de quem passasse e declarava de que tratava o “hospital”.

Vou deixar bem claro que não havia nada de errado comigo. Eu gostava de futebol, ali mesmo na rua da Passagem estava a uns poucos metros do time pelo qual torci a vida inteira, o Botafogo de Futebol e Regatas, e no setor garoto zona sul ia tudo bem, muito bem.

Só que o “hospital” mexia comigo e eu me punha a indagar – por pouquíssimo tempo, sem dúvida – o quanto poderia dar de lucro para os donos e por que esses teriam se aventurado por esse ramo? Discutiriam à mesa? Haveria mesa? Os fregueses quem seriam? Recomendavam o tratamento dado às bonecas? O trabalho de recuperação era dispendioso?

Um belo dia, acabou o curso ginasial, acabou o bonde, acabou o “hospital”, acabaram as bonecas de louça ou porcelana (haveriam de porcelana?) e eu não pensei mais nisso.

Minto. Pensei e pensei muito. Penso em tudo que acaba, em tudo que virou uma esquina e o tempo e os gatos comeram. Nunca tive uma namorada que ao “hospital” tivesse recorrido numa hora com toda certeza beirando o trágico. Possível que eu só namorasse meninas que ou só brincavam com bonecas de pano ou importadas e inquebráveis, com garantia de fabricação.

Como disse: não pensei mais nisso.

O tempo corre atrás da gente

Não pensei mais nisso até esta semana que passou quando, no jornal que compro na entrada do metrô e venho lendo a caminho do trabalho (gripes permitindo. Meus hospitais não andam cuidando muito bem de mim) publicou uma reportagem de três páginas em seu suplemento de trivialidades e cultura.

Com todos os dados, e até mesmo gráficos comparativos, o jornalista Tim Dowling mostrava que não há mais consertos. Algo de que há muito eu já desconfiava e no sentido mais geral, mais global possível.

Dowling argumentava e ia provando por números, cifras e cifrões que os consertos são uma arte a caminho da extinção. Ou deixaram de haver aqueles homens que “davam um jeito em tudo” ou então passou todo mundo a quebar (ou remendar) o galho por conta própria.

Vai então exemplificando: sai mais barato comprar uma tostadeira nova do que levar ( e levar onde?) para o conserto. O mesmo se aplica aos aspiradores de pó, geladeiras, máquinas de lavar roupa e de escrever, se é que sobrou alguma máquina de escrever.

Tem mais: não é uma questão de tecnologia obsoleta. O seu aparelho de DVD pifou? Um novinho em folha custa por volta dos 40 dólares. Para substituir o laser do antigo a conta chega fácil, fácil a qualquer coisa perto dos 200 dólares.

E assim por diante. Não se falou no preço de gente – amizades rompidas, corações despedaçados. Esses nunca tiveram, sabemos, preço ou hospital. Como aquele das bonecas na Rua da Passagem.

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