Ivan Lessa: Mais uma vida, saco!

da BBC, em Londres

Deve estar na moda há séculos. Eu é que ando devagar, quando consigo. Pego sempre a coisa, ou quase tudo, atrasado.

Refiro-me a esse “jogo” online, se jogo é, mais que popular onde os participantes, ou residentes, se quiserem, têm toda a liberdade do mundo virtual para fazerem o que bem entenderem.

Eu fui, também, há séculos (sou secular há algum tempo), leitor de ficção científica. Um dos lugares-comuns do gênero era a primeira viagem espacial.

Agora mesmo, neste ano de 2007, transcorreu o 20º. aniversário de um conto, escrito por pessoa anônima, onde as primeiras linhas de um conto do gênero foram colocadas na internet. Terminava convidando outras pessoas a acrescentarem diálogos e ação à obra, que seria então comunal e poderia ir parar sabe Deus ou que deuses aonde.

Chama-se “Second Life” (Segundo Vida) e constitui uma espécie de “universo compartilhado” por um zorrilhão de gente, segundo a cada vez mais popular (cada vez ganhando mais confiança) “Wikipédia”.

A “Segunda Vida” completa, pois, 20 anos e virou tridimensional em sua simulação de um mundo. Um mundo que passou a ser a mais recente coqueluche da internet.

Coqueluche? Digamos logo a “gripe espanhola” da internet, uma vez que faz, ao menos no meu entender, vítimas que não acabam mais. A história, as poucas linhas do conto original, constava apenas de três pessoas aguardando a vez, numa espaçonave, de seguir rumo às estrelas. Sim, feito eu disse antes, todos nós já vimos esse filme, em algum poeira desta ou de alguma outra vida.

Mas… e agora?

Agora o senhor, ou a senhorita aí pode, mediante a versão virtual, visitar Marte na hora que bem entender. Um Marte com água, vegetação, bichos, monstros, marcianos, terráqueos, estações, arranha-céus, bordéis, cinema, teatro, o que quiserem. Ou quiserem por você.

Lembremos que o passatempo (passatempo? Epa!) parte de um princípio comunal e, para variar, ninguém tem a obrigação ou a vontade de concordar com coisa alguma.

Tal como nesta Primeira Vida. Ou Terceira. E Quarta. Vigésima, Trigésima, quantas quiserem.

Esclareço que dar uma chegada a Marte é simples como, aqui, ir passar o fim-de-semana em Blackpool, aqui, ou um carioca subir para Petrópolis (falar nisso: ainda tem Petrópolis?) para quem mora no Rio.

E em Marte, ou qualquer outra parte da “Segunda Vida”, o residente vai encontrar concertos pop, cinemas e teatros cheios, restaurantes, campos de golfe e tênis, clubes com bares onde mulheres bonitas e boas dançam no colo do freguês, lojas, galerias e quase tudo que ocorrer ao jogador. Jogador? Mais ou menos, né? Isso aí, minha gente, é quase, quase uma segunda vida para valer.

Uma segunda vida para quem a primeira, essa que está aí, cobrindo Londres de neve e, para alegria da molecada, botando gente levando tombo e caindo de bunda no chão, para quem a primeira, ia dizendo eu, não basta.

The meaning of life

O sentido da vida é uma pergunta que só deve ser feita em inglês e em inglês também tentar ser respondida. Feito aquele filme dos Monty Python.

Daí então eu quero saber: qual é o “meaning” dessa “life” que chamam de segunda? Nenhum, ora! Nenhum “meaning”! A não ser que seja uma maneira de se dar sentido (e aí posso passar para o português, capenga mas português) à primeira vida, essa que está aí indo e voltando para o trabalho ou dando a primeira respirada ou na bica de exalar o último suspiro.

Quer dizer, se a primeira vida não faz e não tem o menor sentido, significado ou importância, por que essa agora da “Segunda Vida”, como um xerox mal tirado?

São 2 milhões e 700 mil pessoas registradas na – e voltamos ao inglês, só para confundir os bobos – “Second Life”. Os entusiastas do esquema (duro chamar de jogo. Você chamaria essa besteira que é sua vida de “jogo”?) já bolaram um esquema microeconômico para pequenas transações válidas para tudo que inventarem ou criarem.

Uma espécie de princípio da eterna confusão que são os direitos autorais. Em suma: estão criando um horror para fugir de um terror. O terror, com boa vontade, ao qual se convencionou chamar de – olhaí – viver.

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