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Conmebol começa a pagar conta do escândalo de corrupção

Guilherme Becker

24/06/2015 17h25

Empresa parceira tem contas bloqueadas, e federação poderá ter que usar fundo de reserva para arcar com custos milionários da Copa América. Parte da conta pode ficar com o governo do Chile.

O escândalo de corrupção na Fifa começou a pesar nos bolsos da Conmebol, uma das confederações colocadas no centro do esquema investigado por promotores dos Estados Unidos.

Com empresas parceiras sob investigação, a entidade que comanda o futebol sul-americano provavelmente terá que retirar de um fundo de reserva os 10 milhões de dólares distribuídos como premiação entre os quatro primeiros colocados da Copa América.

Além disso, especula-se que poderão recair sobre o governo do Chile, país-sede do torneio, os gastos com as 12 seleções participantes, que incluem hotel, alimentação e transporte para as delegações, compostas por cerca de 50 pessoas cada.

No centro do problema está a empresa uruguaia Datisa, formada por três gigantes do setor de exploração de direitos de torneios do continente (Traffic, Full Play Group e a Torneos y Competencias). Denunciada pelos promotores americanos por pagamento de propina, ela teve suas contas congeladas após a prisão, em maio passado, de cartolas durante congresso da Fifa em Zurique.

Dona dos direitos de exploração da Copa América, a Datisa teria repassado apenas 35 milhões de dólares de um total de 80 milhões que deveria pagar à Conmebol. Para resolver o problema, a confederação está tentando receber o dinheiro diretamente dos patrocinadores, sem usar a empresa uruguaia como intermediária.

"Os patrocinadores que têm contratos com a Datisa ainda não pagaram tudo o que devem à empresa. Por isso, pagar diretamente para nós é uma possibilidade", declarou o tesoureiro da Conmebol, Carlos Chávez, que também preside a Confederação Boliviana de Futebol. "As contas da Datisa estão congeladas e incapacitadas de efetuar pagamentos da maneira como foi combinado antes da Copa América."

Bons advogados a caminho

Segundo o diário uruguaio El País, a situação é crítica e impediu a alta cúpula da Conmebol, incluindo o presidente Juan Ángel Napout, de viajar a Assunção. "O que está acontecendo não dá para escrever um livro: dá para escrever 20. É arrepiante", afirmou Wilmar Valdez, presidente da federação uruguaia.

Ainda conforme o El País, a federação contratou serviços de um prestigiado escritório jurídico, que terá como primeira missão evitar a possibilidade de demandas multimilionárias, apesar de elas parecerem cada vez mais evidentes.

Problemas também na Libertadores

Alvo de investigação do Departamento de Justiça dos EUA e com parte das contas bloqueadas, a Torneos y Competencias terá o seu contrato referente à Copa Libertadores quebrado pela Conmebol.

O ex-presidente e gerente geral da Torneos, o empresário Alejandro Burzaco, entregou-se à polícia italiana no começo deste mês. Ele é acusado de pagar propina em troca de vantagens para a empresa na concorrência por competições futebolísticas.

"Não vai dar para manter esse contrato. Eles estão com as contas congeladas e não estão conseguindo cumprir os seus compromissos. O rompimento será bom para os dois lados", afirmou Chavéz.

A empresa paga 52 milhões de dólares (161 milhões de reais) pela exploração comercial de cada edição da Libertadores. E o acordo vai até 2018.

Para o economista Fernando Ferreira, diretor da Pluri Consultoria, é praticamente nula a chance de suspensão ou interrupção de competições como a Libertadores, a Sul-Americana e a Copa América do ano que vem - que celebrará os cem anos do torneio, nos Estados Unidos.

"As coisas precisarão ser resolvidas. [A Conmebol] é uma entidade com poder na mão. Mas o que [os dirigentes] vão perceber agora é que eles serão empurrados por patrocinadores, mídia, por todo mundo, a promover mudanças. Se não houver mudanças, não tem jeito", opina.

Oportunidade de mudanças

Sem surpresa alguma. Assim Ferreira encara as suspeitas da Conmebol nos escândalos de corrupção da própria entidade e da Fifa - os ex-presidentes Nicolás Leoz (Paraguai) e Eugenio Figueredo (Uruguai) são dois dos acusados de corrupção na investigação. O brasileiro José Maria Marin (ex-presidente da CBF) e o venezuelano Rafael Esquivel, ex-vice-presidente da Conmebol, também.

"Qualquer notícia negativa que saia envolvendo a Conmebol não pode ser surpresa para ninguém. Não só a cúpula, mas também pessoas do escalão médio estão envolvidas em confusões das mais diversas, presos, não há ninguém que não esteja sob suspeita. Todos os contratos envolvendo esse pessoal estão sob suspeita", enfatiza.

O fato de a Conmebol ter virado "caso de polícia", segundo ele, tende a mudar a maneira como os patrocinadores devem encarar possíveis assinaturas de contrato com a federação daqui para frente.

"Acho que a questão toda é ter uma reformulação total porque esse pessoal vai começar a sentir a perda de patrocinador. Se efetivamente não mudarem a maneira como lidam com isso, eles vão ter perda de patrocinador. É uma questão de confiança", afirma.

"Agora, todo mundo vai se preocupar com o relacionamento que tem com esse pessoal. Quem tem contrato assinado tem um problema ainda maior. Quem não tem vai se manter o mais longe possível por um tempo e ter, obviamente, o máximo de cautela possível", diz.

Ferreira afirma que o momento oferece uma boa oportunidade para mudanças no futebol mundial. Para o economista, há uma chance de reestruturação, que poderia começar justamente por meio da Copa América do ano que vem. A realidade, no entanto, poderá ser bem diferente: "Não vou ser um falso otimista: não estou vendo isso acontecer."

Em caso de manutenção da atual política, as competições sul-americanas tendem a ficar ainda mais distantes das europeias em termos de apelo. Ou seja: o poço da América do Sul poderá ficar ainda mais fundo.

"Os clubes e as marcas dos clubes já carregaram as competições. Mas agora virou caso de polícia. Se não houver mudanças, os campeonatos vão perder apelo", conclui.