Topo

Japoneses aprovam visita de Obama a Hiroshima

Julian Ryall, de Tóquio (av)

27/05/2016 14h47

Como prometido, não houve desculpas pelos mortos da bomba nuclear, mas especialistas avaliam que simples presença de um presidente americano já é um sinal eloquente para a maioria dos japoneses.

Antes de iniciar sua viagem à Ásia, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, deixara bem claro que não pediria desculpas pelas vítimas de Hiroshima, ao prestar seus respeitos no memorial aos milhares que morreram em consequência da primeira bomba atômica, 71 anos atrás.

O líder democrata cumpriu sua promessa, mantendo-se no delicado meio termo entre falar demais e não falar o suficiente. No fim das contas, deixou satisfeitos a maioria dos japoneses, meramente pelo fato de ser o primeiro presidente americano em exercício a visitar o fatídico local, nesta quinta-feira (26/05).

"A opinião dominante na sociedade do Japão aceita a visita de Obama como algo que ele queria fazer pessoalmente, mas mantendo-se dentro dos limites de sua própria política doméstica", analisa Jun Okumura, pesquisador convidado do Instituto Meiji de Assuntos Externos.

"Sabíamos de antemão que não ia haver uma desculpa, mas estimamos genuinamente o sentimento por trás da visita, que agora será mais um episódio muito positivo no cerimonial de Hiroshima." Okumura avalia que os únicos a ficar insatisfeitos com os comentários de Obama serão "as pequenas facções extremistas, tanto da esquerda como da direita".

Insatisfação nos extremos

Do ponto de vista de parte dos nacionalistas japoneses, de fato, o lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki foi uma forma de justiça do vencedor sobre um inimigo já derrotado, e que o país deveria ser considerado, portanto, a principal vítima da Segunda Guerra Mundial.

No outro extremo do espectro político, os esquerdistas podem ter ficado desapontados por o presidente não ter se apresentado em Hiroshima com o engajamento incondicional de dar fim a todas as armas nucleares do mundo.

Uma pequena manifestação pela abolição das armas nucleares, envolvendo cerca de cem pessoas, realizou-se à margem do Parque Memorial da Paz. Porém os ativistas se mantiveram pacíficos e foram mantidos à distância do presidente enquanto ele visitava o local.

"Das pessoas com que eu conversei hoje, a grande maioria está simplesmente feliz por aquilo que aconteceu em Hiroshima ter sido reconhecido, e por a importância da desnuclearização estar sendo novamente discutida", relatou Stephen Nagy, professor adjunto de política da Universidade Internacional Cristã de Tóquio.

"Para a maioria, isso significa que, apesar dos bombardeiros, eles podem olhar em frente, em direção a todos os desdobramentos positivos que resultaram da amizade binacional que perdura desde 1945."

Nagy está convencido que a maior parte da população japonesa não precisava de uma desculpa do presidente. "Foi mais significativo para eles Obama, chegando ao fim de sua presidência, ter ido a Hiroshima, ter dito o que disse e transmitido a mensagem de que a guerra nuclear permanece uma ameaça para a humanidade, hoje em dia."

Visão pacifista de Obama

É provável que países vizinhos do Japão interpretem muitas das ideias expressas pelo chefe de Estado americano durante o discurso no Parque Memorial da Paz como uma crítica a sua própria corrida para adquirir armamentos nucleares.

"Entre as nações, como a minha própria, que possuem arsenais nucleares, precisamos ter a coragem de escapar à lógica do medo e almejar um mundo sem eles", conclamou Obama na ocasião. "Talvez não alcancemos essa meta durante a minha vida, mas o esforço persistente pode fazer reverter a possibilidade de catástrofe."

"Temos que mudar a nossa postura mental sobre a guerra em si, para prevenir conflitos através de diplomacia e nos esforçarmos por dar um fim a eles, depois de já começados; para ver nossa interdependência crescente como motivo de cooperação pacífica, não para concorrência violenta; para definir nossas nações não por nossa capacidade de destruir, mas pelo que construímos", declarou o líder democrata.

Pyongyang duvida de boas intenções dos EUA

Num editorial publicado pela mídia estatal nesta quinta-feira, no entanto, a Coreia do Norte - que desenvolve um controverso programa armamentista nuclear - condenou o "mesquinho calculismo político" de Obama ao prestar tributo em Hiroshima.

Um artigo de opinião da Agência Central de Notícias da Coreia acusou o presidente de estar "possuído pela selvagem ambição de dominar o mundo usando a vantagem nuclear dos EUA". Além disso, o país teria "logrado" a opinião pública global, criando a noção de que a Coreia do Norte representa uma ameaça nuclear, enquanto Washington está ampliando seu próprio arsenal.

"A viagem de Obama à cidade atingida pelas bombas atômicas não serve para ocultar a verdadeira face dos Estados Unidos como um país de maníacos da guerra atômica e proliferadores nucleares, uma vez que acelerou a modernização de seu arsenal, sob a espúria máscara de construir um 'mundo sem armamentos nucleares'."

Contudo é provável que os protestos norte-coreanos sejam ignorados por Tóquio e Washington, e a visita está sendo vista como a consolidação de uma relação já sólida, mesmo diante das provocações partidas de Pyongyang nos últimos anos.

"Os laços bilaterais já são suficientemente fortes, e eu diria que essa última iniciativa acentuou o fraco que o público japonês tem por Obama", avaliou o pesquisador Jun Okumura.

O professor Stephen Nagy tem opinião semelhante: "Ambas as nações estão em sintonia no que diz respeito a segurança, economia, a importância de normas comuns - como, por exemplo, direitos humanos, democracia e tomada de decisões com base em regras. E a visita de Obama a Hiroshima só reforçará essa parceria."