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Brexit abre nova fase de incerteza na Irlanda do Norte

Peter Geoghegan (md)

28/06/2016 10h09

Maioria dos norte-irlandeses votou pela permanência na UE, mas terá que acompanhar Grã-Bretanha e, em conjunto, deixar o bloco. Situação pode ter impacto sobre seu status como nação constituinte.

Assim como a Escócia, a Irlanda do Norte votou para permanecer na União Europeia. Onze das 18 regiões eleitorais do país optaram por ficar, incluindo todas as regiões fronteiriças. A situação da fronteira com a República da Irlanda se tornou uma questão importante, levando a pedidos por um novo referendo e temores sobre a economia e a estabilidade na região.

No rescaldo da votação de quinta-feira, os republicanos irlandeses do Sinn Fein pediram um referendo sobre uma Irlanda unida. Martin McGuinness, vice-premiê da Irlanda do Norte, disse ser inaceitável que os norte-irlandeses saiam da UE contra a sua vontade.

No entanto, a conservadora Theresa Villiers, ministra britânica para a Irlanda do Norte e partidária da saída do Reino Unido da UE, rejeitou os apelos para um referendo sobre o status norte-irlandês.

Segundo as regras estabelecidas pelo chamado Acordo da Belfast, de 1998, que pôs fim a um conflito de três décadas, não pode haver uma consulta sobre a unidade irlandesa, a menos que esta seja exigida pela maioria dos representantes políticos de ambas as comunidades nacionalistas e unionistas na Irlanda do Norte. O primeiro-ministro irlandês, Enda Kenny, rejeitou pedidos por um referendo sobre a união das Irlandas.

Controles de fronteiras?

A possibilidade de controles de trânsito, no entanto, tem emergido como uma séria preocupação para muitos em ambos os lados dos quase 500 quilômetros da fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte.

Esta fronteira é, em grande parte, invisível, podendo ser reconhecida somente nas cores diferentes dos sinais de trânsito e nas tarifas de telefonia móvel. As pessoas passam à vontade, sem qualquer verificação. Mas isso pode estar prestes a mudar.

"O Brexit muda as coisas completamente", diz Colum Eastwood, líder da legenda nacionalista norte-irlandesa Partido Social Democrata e Trabalhista (SDLP), que vive na cidade de Derry, a apenas poucos quilômetros da fronteira irlandesa. "Considerando que a campanha pela saída fez dos controles de fronteiras um elemento central da sua argumentação, alguma forma de controle das fronteiras será inevitável. Eles vão querer controlar suas fronteiras. Essa é a base sobre a qual o referendo foi discutido. Isso significa que seria necessária uma fronteira na Irlanda."

Eastwood, como muitos, considera que o resultado mais provável não seria uma fronteira entre a República da Irlanda e Irlanda do Norte, mas a introdução de controles entre a Irlanda do Norte e o Reino Unido em portos e aeroportos.

"Não está claro se haveria uma fronteira entre a República da Irlanda e Irlanda do Norte ou outra solução", diz Michael Keating, professor de política na Universidade de Edimburgo. "As pessoas em Londres podem ter pensado um pouco sobre a Escócia, mas não pensaram nem um pouco na Irlanda do Norte."

Brexit e o processo de paz

Preocupações apareceram também sobre o efeito que o Brexit pode ter no processo de paz. No período que antecedeu à votação, Hugh Orde, ex-chefe de polícia do Serviço de Polícia da Irlanda do Norte, advertiu que sair da UE encorajaria os republicanos irlandeses opositores do processo de paz.

Colum Eastwood, do SDLP, acredita que o referendo sobre o Brexit em si não vai comprometer a paz, mas "pode ter um sério impacto sobre a economia e isso, por sua vez, pode ter impacto sobre o processo de paz."

A Irlanda do Norte recebe subsídios substanciais da UE, incluindo verbas para os projetos relacionados ao processo de paz. Duas das três pontes que atravessam o rio Foyle, em Derry, foram construídas, em parte, com fundos europeus. Quase 90% da renda dos agricultores norte-irlandeses vêm da Europa.

A União Europeia desempenhou papel importante na mediação entre os interesses britânicos e irlandeses na Irlanda do Norte. Duncan Morrow, diretor para envolvimento comunitário da Universidade de Ulster, diz que o Brexit "danificou de forma terminal" a estrutura diplomática que sustenta a Irlanda do Norte.

"Para a maior parte do Reino Unido, a UE representava uma burocracia de intromissão, para nós, era uma infraestrutura diplomática. De forma que é uma medida sísmica para nós, que tira a base fundamental do que temos", lamenta Morrow.

Divisões políticas

O Brexit e suas consequências também criaram problemas políticos únicos na Irlanda do Norte. Embora a maioria tenha votado pela permanência, o Partido Unionista Democrático, o maior partido no governo descentralizado, apoiou a saída. Seus parceiros de coalizão, Sinn Fein, ainda sofrem desconfiança de muitos, devido à sua associação com o Exército Republicano Irlandês.

"Não há ninguém articulando o interesse dos 56% que votaram pela permanência", reclama Morrow. "A primeira-ministra se vê como o líder da campanha pela saída, e o vice primeiro-ministro não vai se envolver com a política britânica. É extremamente difícil quando nenhuma das partes no governo está disposta a falar pela maioria."

Uma possibilidade é que o governo irlandês, que é esmagadoramente pró-UE, cada vez mais articule os pontos de vista dos nacionalistas e dos unionistas liberais da Irlanda do Norte que preferem ficar no bloco. Um papel crescente de Dublin nos assuntos da Irlanda do Norte pode mudar a dinâmica política, possivelmente levando a uma maior cooperação transfronteiriça.

Richard Haass, presidente do think tank americano Council on Foreign Relations, diz que, na sequência do Brexit, "muito possivelmente a totalidade ou parte da Irlanda do Norte vai se juntar à Irlanda." Haass não é um estranho na Irlanda do Norte. Menos de três anos atrás, o diplomata liderou negociações de paz em Belfast.

Um referendo sobre a unificação irlandesa é improvável a curto prazo. Mas o futuro da Irlanda do Norte é muito mais incerto agora do que tem sido nos últimos anos.