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"Nós, antigos imigrantes, estamos com medo"

Mathias von Hein (fc)

29/08/2016 06h56

Em entrevista à DW, o cientista político Bassam Tibi, que deixou a Síria rumo à Alemanha há mais de 40 anos, analisa com preocupação a forma como o governo Merkel lida com a crise migratória.

Há um ano, a Alemanha abriu suas portas para milhares de refugiados, e a chanceler federal Angela Merkel disse a famosa frase "Wir schaffen das" (Nós vamos conseguir), que se tornou slogan de sua política migratória.

Em entrevista à DW, o cientista político Bassam Tibi, que deixou a Síria e foi para a Alemanha há mais de 40 anos, diz que Merkel não aprendeu com o grande fluxo de refugiados à Europa.

"Nós, como imigrantes que vivem há um longo tempo aqui, estamos preocupados. Ou melhor, estamos com medo", diz Tibi, professor de relações internacionais da Universidade de Göttingen entre 1973 e 2009. "Eu me sinto enganado. 'Nós vamos conseguir' não é solução, é uma confissão moral."

DW:Há um ano, durante o fluxo em massa de refugiados, Angela Merkel cunhou o lema "nós vamos conseguir". Um ano depois, como você avalia essa "política de boas-vindas"?

Bassam Tibi: De acordo com Max Weber, um político tem três obrigações: ter sentimento de responsabilidade; senso de proporção e paixão. "Nós vamos conseguir" é um slogan que pode ser bom ou ruim, mas não estou interessado nisso. O que me interessa é se existe uma ideia por trás disso. Porém, eu não consigo vê-la. O Alcorão pergunta sobre o principal traço do ser humano - se eles raciocinam. E o principal objetivo de raciocinar é a capacidade de aprender.

Um ano depois do "nós vamos conseguir", Angela Merkel interrompeu suas férias e foi a Berlim após os ataques em julho. E você pode pensar: "Agora essa mulher aprendeu alguma coisa, agora ela vai ser lógica quando fala." E o que ela diz? "Nós vamos conseguir." Eu quase caí da cadeira. Eu pensei, "em qual país eu estou vivendo?" Há mais razão em meu país de origem, a Síria, do que na Alemanha.

Em sua opinião, o que Angela Merkel deveria ter aprendido?

Angela Merkel deve saber. No ano passado, havia 58 milhões de refugiados em todo o mundo. O número chegou a 65,3 milhões, segundo a ONU. A maioria dessas pessoas vem da África e do Oriente Médio, e quer ir à Europa. Esse é o problema. Eu estou disposto a aceitar 1, 2 ou 3 milhões, mas eu não posso aceitar 65 milhões, isso não é possível.

Não estamos falando sobre moral. Não há moral na política. Merkel não reconheceu o problema. Ao mesmo tempo em que você quer receber refugiados, mas dentro de certos limites, Merkel diz que a Constituição não estabelece um limite. Você pode citar o nome da lei com números e porcentagens? Eu me sinto enganado! "Nós vamos conseguir" não é a solução, é uma confissão moral.

Você nasceu na Síria e, na década de 1960, foi para a Alemanha, quando tinha 18 anos. Você não deveria estar feliz com a disposição dos alemães de receber seus compatriotas?

Eu sou racionalista, não um moralista. Há poucos dias, aqui em Göttingen, eu me encontrei com dez sírios de três grupos. Eu acredito que dois sírios de Damasco eram bons. Eles chegaram à Alemanha quando tinham 16 anos e, agora, têm 18. Eles vão à escola e querem aprender uma profissão. Eles são cidadãos comuns. Quando eles partiram, eu lhes disse: "Nunca se esqueçam que a escola vem em primeiro lugar. Se você continuar indo à escola, você vai se formar no ensino médio. E se você estudar numa universidade, os alemães vão ser maravilhosos com você." Eu abraço e saúdo calorosamente esses tipos de sírios.

Como você vê os islamistas que vêm para a Alemanha?

Nesta manhã, membros da Irmandade Muçulmana também estiveram aqui. Eles querem uma teocracia aqui na Alemanha. Eu lhes disse: "Vocês têm que ser gratos de estarem aqui. Vocês não podem impor sua ideologia sobre os alemães." Então eles me perguntaram: "Você é um muçulmano?" Eu disse que sim. Então eles me disseram: "A terra pertence a Deus. E a Alemanha pertence a Alá. E Alá nos deu a Alemanha. E nós vamos aplicar as leis de Deus aqui!"

Esse não é o islã que eu conheci como uma religião tolerante em Damasco. Não há uma categoria geral de sírios. Minha experiência nesta manhã foi que há sírios que são bons e que estão gratos por estarem aqui. Eles vão estudar e ter sucesso. Mas também islamistas vêm à Alemanha e querem espalhar ideias que a nossa Constituição não permite.

Neste contexto, vale a pena olhar para a França. Lá, a integração de muçulmanos e a política de segurança são dois tópicos de discussão diferentes. A linguagem da política de segurança é usada por pessoas que falam a língua da violência e do islamismo. Muçulmanos que aceitam a Constituição da França são aceitos e saudados calorosamente. Não há limites para a cultura de boas-vindas.

Muitos refugiados querem vir para a Europa, mais especificamente para a Alemanha. Por que a Alemanha é tão atrativa?

Eu estava no Cairo em março e abril como professor da American University. Acredite em mim, até mesmo os mendigos nas ruas do Cairo sabem muito bem que você pode ter um apartamento, salário mensal, etc na Alemanha. A Alemanha oferece muito: você pode entrar no país sem ter documentos válidos e requerer asilo. Se você for rejeitado, mesmo assim você continua sendo tolerado. E, então, você pode ficar.

Você recebe benefícios sociais, nenhum outro país do mundo faz isso. Quanto tempo a Alemanha poderá continuar assim? Quanto tempo ficará pacífica sem conflitos sociais? Meu círculo de amigos consiste principalmente de imigrantes persas, afegãos e turcos. E nós, como imigrantes que vivem há um longo tempo aqui, estamos preocupados. Ou melhor, estamos com medo. E eu vou lhe dizer do que temos medo: os bons samaritanos de hoje podem se tornar os neonazistas de amanhã. Então, estamos em apuros.

Em que seus medos têm base?

Os grandes autores judeus que eu admiro são Helmuth Plessner, o autor de Die verspätete Nation (A nação atrasada, em tradução livre) - o melhor livro que já foi escrito sobre a Alemanha; e, claro, meu professor de Frankfurt, Theodor W. Adorno. Os dois são judeus nascidos na Alemanha, e ambos dizem: "Alemães são voláteis e são sempre suscetíveis ao charme de extremos". Olhe para Horst Mahler: primeiro, ele foi um idealizador do grupo de extrema esquerda Facção do Exército Vermelho (RAF) e, depois, acabou no partido de extrema direita alemão NPD.

Novamente de volta aos imigrantes. Como você avalia o risco de termos sociedades paralelas na Alemanha?

Isto não é um risco, já é uma realidade. Um político deve pensar em três etapas: primeiro, nomear o problema, reunir os fatos e, depois, trabalhar numa solução. Experiências históricas também são fatos. Houve uma guerra no Líbano por 15 anos - entre 1975 e 1990. Durante essa guerra, milhares de libaneses foram à Alemanha. Um dos meus melhores estudantes é um libanês que, naquela época, veio para a Alemanha com seus pais. Hoje, ele é um conselheiro importante para as autoridades alemãs e muito mais fiel à Constituição do que muitos alemães. Isso é um bom exemplo. Um mau exemplo está em Berlim: vá lá e você vai encontrar sociedades paralelas libanesas onde prevalecem o tráfico de drogas, prostituição e o crime. E até mesmo a polícia de Berlim não se atreve em aparecer por lá.

Por que os alemães são "suscetíveis ao charme dos extremos"?

As autoridades alemãs não aprenderam nada com esta experiência histórica. Nos últimos tempos, minha experiência tem mostrado que, entre as pessoas que vieram para a Alemanha, há sírios que estão dispostos a aceitar a Constituição alemã, que querem se integrar e estudar. Mas há também sírios que são islamistas e querem viver o islamismo aqui. Nós devemos definitivamente fazer uma distinção entre eles. Estrangeiros e refugiados não existem. Há criminosos entre os refugiados. E entre os refugiados há pessoas traumatizadas que devemos ajudar e que merecem nossa ajuda.